No dia 2 de maio, Jorge, deficiente visual e até aqui uma pessoa autónoma, foi tratar de um assunto da mãe no centro de saúde da Damaia. Ao sair da unidade tentou agarrar-se ao corrimão da rampa de acesso, mas deparou-se com o vazio. Caiu de um metro de altura, contou ao i a família, e teve de ser o próprio a chamar o INEM.
Resultado: fémur partido, uma operação e vários meses de recuperação pela frente. A vida desta família não tem sido fácil e, nas últimas semanas, tornou tudo a andar para trás. Exigem que o SNS assuma a responsabilidade pelo acidente, que consideram ser o resultado de maus acessos para pessoas com deficiência. E admitem mesmo avançar com um processo de responsabilidade criminal, alegando que nenhum profissional de saúde socorreu Jorge à porta do estabelecimento. A única pessoa a prestar-lhe apoio foi o segurança, que lhe trouxe um copo de água e o ajudou a sentar-se, o que nas urgências lhe disseram ter sido um erro, pois não se devia ter mexido.
Mês e meio depois, ainda aguardam respostas. Aos 48 anos, era Jorge quem cuidava da mãe, que enviuvou no ano passado e está diagnosticada com doença de Parkinson. Sem poder ajudá-la nesta fase, até porque depois de ser operado foi admitido num centro de reabilitação na Encarnação, Lisete teve de ir para um lar particular, explicou ao i a irmã de Jorge, que não tinha condições para ficar com a mãe, de 80 anos. Está a viver em casa de um familiar do marido depois de terem sido despejados da casa onde viviam há dois anos, por não conseguirem pagar a renda. Com poucos recursos, Filomena, diagnosticada com uma depressão e problemas cardíacos, estava agora à procura de emprego quando a vida lhe trocou de novo as voltas.
2300 para pagar no lar As duas primeiras mensalidades do lar já chegaram: 2300 euros, que não sabem como vão pagar. Na sequência de um internamento em 2015, Lisete tinha deixado de andar e estava agora a ganhar alguma autonomia, tendo 11 sessões de fisioterapia marcadas através do Serviço Nacional de Saúde na zona da Amadora. Jorge tinha ido ao centro de saúde precisamente para assegurar o transporte da mãe de sua casa para a fisioterapia. Mas ficou tudo suspenso. Entretanto, a mãe foi para um lar em Venda do Pinheiro, para ficar ainda assim mais perto da filha e do genro, e só agora conseguiram uma nova credencial para tentar fisioterapia na zona da residência. Entretanto, para que Lisete não piorasse, têm feito sessões a título particular no lar, a 20 euros cada.
As despesas não ficam por aqui. Em casa de Jorge, a mãe recebia apoio domiciliário do Centro Social e Paroquial de São Brás, para higiene pessoal e refeições. Depois do acidente do filho, cancelaram de imediato o apoio, mas como não deram os 30 dias de antecedência previstos no regulamento têm de pagar o resto do mês de maio: 125 euros. Tudo somado, são quase 2500 euros que têm de arranjar forma de pagar de um momento para o outro, diz Filomena, assegurando que a família não tem condições para o fazer e espera não ter de ir a tribunal para que alguém assuma responsabilidades. Filomena era advogada até suspender a cédula, há quatro anos, quando começaram os problemas de saúde. Hoje é uma ironia: não tem como pagar o advogado e teme uma ação com apoio judiciário. Na ação de despejo, acredita que o advogado oficioso contribuiu para o desfecho. “Cheguei a casa um dia e tinha sido despejada. A advogada nem nunca falou connosco.”
ARS abriu inquérito Logo após o acidente, a família expôs a situação ao centro de saúde – extensão da Damaia –, pedindo que o SNS assuma as responsabilidades pelas despesas e pelo impacto que este acidente teve na vida da família. Jorge perdeu muito sangue, ficou debilitado e está em baixo psicologicamente, diz Filomena. Só a 3 de junho receberam a primeira resposta aos sucessivos emails, tendo a diretora executiva do Agrupamento de Centros de Saúde da Amadora informado que o processo se encontra em análise. A família também já apresentou queixa ao Instituto Nacional para a Reabilitação, que ainda não se pronunciou.
A preocupação de Filomena é que o caso fique esquecido, que a mãe fique para sempre no lar e que os cuidados de que o irmão venha a precisar no futuro não sejam atendidos, quando é de lei que todas as instalações, mas em particular estabelecimentos de saúde, devem assegurar acessos adequados a pessoas com mobilidade reduzida.
A Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo esclareceu que, perante a ocorrência, o Agrupamento de Centros de Saúde (ACES) da Amadora/ARSLVT instaurou um processo de inquérito, tendo a família sido informada dos trâmites do mesmo no dia 9 de junho. Filomena nega ter recebido essa indicação. O i tentou perceber que tipo de apoio é dado nestes casos e por que motivo o utente não foi socorrido por profissionais de saúde, tendo a ARS informado que, estando o processo em tramitação, o seu conteúdo é confidencial.
Mas já foram tomadas medidas preventivas. De acordo com a ARS, foi aberto um procedimento com vista ao fornecimento de guardas de proteção nos acessos ao edifício onde se encontra esta unidade de saúde. O i sabe que, entretanto, a zona onde Jorge caiu foi barrada com duas paletes.
O i também solicitou esclarecimentos ao INR, que não respondeu até ao fecho desta edição.