Brexit. Corbyn enfrenta rebelião dos deputados mas bases não o deixam cair

Brexit. Corbyn enfrenta rebelião dos deputados mas bases não o deixam cair


Centrais sindicais formam atrás do líder trabalhista e ameaçam os deputados rebeldes de serem substituídos caso prossigam com as hostilidades


Demitiram-se oito membros do governo-sombra trabalhista. A rebelião está em campo desde a madrugada de domingo. Uma conversa telefónica entre o líder, Jeremy Corbyn, e o seu porta-voz para a Política Externa, Hilary Benn, azedou, ficando claro que a já tensa relação entre os dois não podia adiar um embate. “Hilary Benn foi demitido porque Jeremy perdeu a confiança nele”, afirmou um porta-voz do Labour.

Era previsível que as réplicas do Brexit acabariam por abalar toda a paisagem política britânica, e se o voto que determinou a saída do Reino Unido da União Europeia levou o primeiro-ministro conservador, David Cameron, a demitir-se, abrindo uma guerra pela sucessão no seio do seu partido, a oposição que também fez campanha pela permanência estaria igualmente ao alcance dos efeitos da derrota no referendo. Só que Corbyn, ao contrário de Cameron, não chegou a abandonar as suas reservas em relação à UE durante a campanha. Tendo militado anteriormente contra a União, recusou partilhar o palco com o primeiro-ministro e não teve especial protagonismo no esforço para galvanizar os eleitores, não vestindo o fato de europeísta convicto nem reforçando o alarmismo, como se a grande ilha estivesse à beira da catástrofe no caso de não continuar alinhada com as perspetivas de Bruxelas.

Por essa razão, e porque entretanto já deixou claro que não pretende abandonar a liderança, aqueles que dentro do seu partido sempre se sentiram desconfortáveis com as suas posições querem assacar-lhe responsabilidades pelo resultado e acusam-no de ter feito uma campanha “morna”. Espera-se agora que Benn leve atrás de si metade do governo-sombra do Labour.

Um partido, duas ideologias Na verdade, a resistência à liderança de Corbyn que se fez sentir ao longo dos 10 meses desde que foi eleito está na base de um choque quanto à própria matriz ideológica do partido que ameaça parti-lo ao meio. Corbyn representa os valores de esquerda de uma formação ligada, na sua origem, ao movimento sindicalista e que viu a sua orientação ideológica refundada por Tony Blair, adotando a “terceira via” – que procura aliar o liberalismo económico à promoção de políticas assistencialistas -, numa manobra que muitos viram como eleitoralista e que teve um sucesso claro, levando-o a formar por três vezes governo.

“Neste momento absolutamente crítico para o nosso país depois do resultado do referendo, o Partido Trabalhista precisa de uma liderança forte e eficaz”, afirmou Benn numa entrevista ao programa dominical do jornalista Andrew Marr na BBC. “Atualmente não temos [essa liderança] e não existe qualquer confiança de que sejamos capazes de vencer as eleições enquanto ele for líder. Senti que era importante dizer isto”, adiantou, para logo afastar a hipótese de se candidatar à liderança caso venham a realizar-se novas eleições.

De resto, foi a perspetiva de novas eleições legislativas ainda antes do final do ano ou no início de 2017 que fizeram a oposição interna ao líder deixar de afiar o punhal nos bastidores para avançar com a rebelião. Filho do histórico deputado trabalhista Tony Benn, um dos mentores de Corbyn na juventude, Hilary Benn disse à agência de notícias britânica “The Press Association” que entre a noite de sábado e domingo ligou a Corbyn para lhe comunicar que ele e outros membros destacados do seu grupo parlamentar não acreditam que este consiga levar o partido a uma vitória nas eleições. Corbyn só ouviu e terminou a chamada logo depois, despedindo-o.

bases vs deputados Entretanto, nas últimas horas, os principais sindicatos do Reino Unido já vieram colocar-se na retaguarda de Corbyn, aquecendo-lhe as costas para a primeira fase do embate com os revoltosos, com uma moção de censura à sua liderança a ser votada amanhã. Enquanto há outros quatro ou cinco membros do governo-sombra que se espera possam ainda vir a pôr em xeque o líder trabalhista, Len McCluskey, o secretário-geral do Unite y Unison (um dos mais poderosos sindicatos do país), ameaçou os deputados que estão a usar as redes sociais para dar força ao golpe ou a reunir-se para decidir a melhor estratégia para dividir o partido que o sindicato não terá opção senão retirar o seu apoio às regras que impedem a substituição de deputados se a hostilidade continuar.

Corbyn, de 66 anos, foi eleito a 12 de setembro prometendo combater a austeridade. Fê-lo com um apoio esmagador das bases, ao passo que os deputados, vários políticos com ligações aos governos de Blair e o próprio Blair nunca abandonaram as críticas à atual “deriva extremista”, que põe fim às aspirações do partido de voltar ao governo.

eleições antecipadas Se o mandato que Cameron conquistou fosse até ao fim, as legislativas só teriam lugar em 2020, mas a convicção dos trabalhistas é que, seja quem for o seu sucessor, o mais certo é que para legitimar a sua posição à frente do governo, e num momento particularmente sensível em que terá de negociar as condições da saída da UE, este terá de ter do seu lado o voto popular.

Foi o ex-mayor londrino, Boris Johnson, quem logo se perfilou como o mais forte candidato a substituir Cameron, tendo sido sua a liderança do movimento eurocético naquilo que foi visto por muitos analistas como oportunismo político de alguém que sentiu que esta era a sua hora para assumir o poder. Entre os tories, Johnson foi secundado pelo ministro da Justiça, Michael Gove, e a imprensa britânica tem especulado sobre a possibilidade de os dois se unirem agora para formar uma “candidatura de sonho” que arrebatará o Partido Conservador, numa dinâmica em que o carisma popular do primeiro será respaldado pelo faro estratégico do segundo.