Prioridades. Milhões para a banca provocam críticas na saúde

Prioridades. Milhões para a banca provocam críticas na saúde


Os milhões da banca entraram esta semana na discussão sobre o futuro do SNS. Em declarações ao i, ministro da Saúde reconhece que há uma “perda de recursos públicos para atividades que não são de utilidade pública”


Uma fatia de 25% da injeção de capital anunciada para a Caixa Geral de Depósitos dava para os hospitais públicos fazerem os investimentos necessários e não pedirem mais aumentos de capital à tutela durante cinco anos. A afirmação foi feita pelo presidente do conselho de Administração do IPO de Lisboa, Francisco Ramos, na terça-feira, num fórum sobre as reformas no SNS organizado pelo ministério. Não foi a única vez que os milhões da banca vieram à baila no encontro que juntou mil pessoas em Lisboa. O bastonário dos Médicos, no rol de recomendações para o setor, propôs um auditoria forense à CGD. Quis o acaso que nem 24 horas depois fosse conhecido com mais detalhe o plano de recapitalização do banco público: um investimento de 5 mil milhões de euros (mais do que o financiamento dos hospitais num ano). José Manuel Silva e Francisco Ramos dizem que o sentido das intervenções foi sinalizar que a saúde também precisa de reforço de capital e de ser prioridade no país.

Investimentos pendentes Francisco Ramos, secretário de Estado de Correia de Campos e Ana Jorge nos últimos governos socialistas, explicou ao i que quando fez as contas estava a pensar numa injeção de 4 mil milhões. “Assim sendo bastaria uma fatia de 20%”, ironiza, explicando que em causa estava alertar para a necessidade de se conseguirem a médio prazo mais verbas para a saúde e para os investimentos pendentes nos hospitais.

 Os mil milhões poderiam ser distribuídos ao longo de cinco anos, o que daria um reforço de capital na casa dos 200 milhões ao ano. “Neste governo, como noutros, a prioridade continua a ser o sistema financeiro e não as pessoas”, conclui o responsável pelo IPO de Lisboa, que na sua apresentação no fórum do SNS deixou duas propostas à tutela que poderiam facilitar de imediato a gestão dos hospitais, com autonomia reduzida nos últimos anos e a lidar com os custos da inovação. Exigir a autorização prévia à aquisição de cuidados de saúde fora do SNS em vez de na contratação de recursos humanos e obrigar as farmacêuticas a disponibilizar gratuitamente medicamentos inovadores que são usados nos hospitais antes de estarem autorizados, explica, referindo-se às chamadas Autorização de Utilização Excecional (AUE).

SNS subfinanciado O bastonário dos médicos já noutras alturas tinha criticado a injeção de capital na banca face ao desinvestimento na saúde e defende que a situação atingiu um ponto limite, daí o pedido de auditoria forense na sua apresentação. “Não é normal continuar-se a meter dinheiro nos bancos sem que nada aconteça e a única coisa que se ouve dizer que não é sustentável é o SNS”, disse ao i o bastonário, reiterando que é o subfinanciamento que torna o sistema insustentável e não o desperdício e ineficiência. “Uma recapitalização como esta acentua a revolta dos profissionais de saúde. Não há investimento – até tem havido desinvestimento – as instituições estão velhas, os equipamentos obsoletos e os profissionais de saúde são penalizados e ao mesmo tempo vamos para os 20 mil milhões injetados na banca”, diz o bastonário, lamentando que, no setor financeiro, o apuramento das responsabilidades demore. “Os médicos quando cometem um erro são responsabilizados e pagam indemnizações”, diz José Manuel Silva.

Alexandre Lourenço, presidente dos Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, que também participou no fórum sobre a reforma dos hospitais, vê os reptos como provocações que devem fazer questionar as opções do governo. “É necessário um balão de oxigénio na saúde. Desde 2008 o investimento nas instituições do SNS foi reduzido ao mínimo e temos muitos equipamentos que estão a ficar obsoletos”, nota o representante dos gestores, que salienta que a fatia do orçamento que vai para a saúde está nos 11% quando as recomendações internacionais apontam para 15%. Já a despesa pública com saúde caiu para 5,5% do PIB quando a média na OCDE ronda os 7%.

Injustiça relativa Não vai haver uma formalização deste desconforto ao governo, mas ficou a nota pública do mesmo.

Em declarações ao i ontem no parlamento, o ministro da Saúde assumiu que a perceção de uma “injustiça relativa” pode gerar desânimo, mas a todas as pessoas e não só neste setor em particular. “Enquanto cidadãos, sentimos alguma apreensão e algum desânimo por ver que as políticas sociais, as políticas públicas e o investimento têm sido sacrificados por problemas que estão muito além do interesse das pessoas”, diz Adalberto Campos Fernandes, recusando contudo o que considera ser fazer demagogia. “Não posso fazer, não devo fazer, são realidades diferentes. Cumpre-me a mim executar o programa do governo na área da Saúde, executar um orçamento difícil e esperar que o país se liberte deste peso de muitos anos, de muitas responsabilidades”, diz Adalberto Campos Fernandes, reconhecendo que há uma “perda de recursos públicos para fins que não são de utilidade pública”.

Questionado sobre se há previsão de aumento do orçamento do SNS a médio prazo, o ministro  – que tem recusado a necessidade de mais verbas este ano por via de um retificativo – dá a entender que é essa a intenção mas não faz compromissos. “Estamos a meio da execução orçamental, felizmente está a correr bem. As contas estão equilibradas. Tivéssemos um crescimento económico melhor e condições externas diferentes, estaríamos melhor. Vamos continuar a fazer o nosso caminho, com compreensão das pessoas e esforço enorme dos gestores e esperar que o próximo ano seja diferente daquilo que tem sido o país nos últimos anos”, diz Campos Fernandes. Para o ministro, a questão não é a banca prejudicar a saúde mas o país no  geral. “O país está a ser prejudicado pelo resultado de factos que na sua história correram menos bem e, nessa matéria, não há necessidade de acrescentar ruído a uma discussão que é sobre política geral e sobre como o país se tem organizado.”