Dentro ou fora da UE, nada será igual no n.º 10

Dentro ou fora da UE, nada será igual no n.º 10


Na melhor das hipóteses, Cameron tem um governo para reunificar. No pior cenário acaba desalojado da morada mais mítica de Londres


Ainda não se sabe se as urnas vão mostrar um eleitorado tão dividido como antecipam as sondagens, mas no Partido Conservador não restam dúvidas: se dentro do Executivo a balança é pró-europeia – seis ministros pela saída contra 24 pela permanência -, entre os deputados conservadores a diferença é bem menor, com 138 ‘brexiters’ contra 185 defensores de Bruxelas.

Se o cenário já não era favorável à união partidária, a agressiva campanha, onde chamar mentiroso a um colega de governo se tornou banal, não terá certamente ajudado. Com uma maioria de apenas 12 deputados na Câmara dos Comuns, garantir a unidade entre conservadores será a tarefa número um do primeiro-ministro a partir do momento em que as urnas encerrarem.

Se há umas semanas alguns desses deputados começaram a recolher assinaturas para desafiar a liderança partidária do primeiro-ministro – cenário com que prometiam avançar se este não conseguisse vencer com pelo menos 60% – a subida final do Brexit nas últimas sondagens só veio intensificar a guerrilha interna.

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Depois de Nadine Dorries e Andrew Bridgen terem iniciado as ameaças, um ministro do governo Cameron confessou ao “Politico” que “quanto mais baixa for a margem” – e aqui refere-se a uma vitória do “não” à saída – “menos controlo ele terá sobre o futuro do partido e do seu cargo”. Sem ninguém saber muito bem o que esperar em caso de Brexit – “não faço ideia”, respondeu na semana passada Nigel Farage, o líder eurocético do país -, há quem especule que esse cenário poderia levar à demissão imediata e voluntária de Cameron – ou, no mínimo, a uma repetição do que sucedeu com Tony Blair, que foi obrigada a ceder o cargo a Gordon Brown quando a sua baixa popularidade tornava a governação insustentável.

Outra hipótese ainda mais improvável é a de Cameron convocar eleições antecipadas. Um cenário de alto risco, principalmente porque só se daria em caso de derrota. Mas para um PM que prometeu um referendo que agora faz tudo para chumbar, nada é descartável. E até há dados para acreditar que pode ser viável, pois isso impediria a ação imediata da oposição interna e aproveitaria um período também instável da oposição trabalhista, que sob a liderança de Jeremy Corbyn se encostou mais à esquerda do que nunca.

Num cenário de menor rutura (e mais provável) as divergências podem resolver-se em forma de remodelação governamental – de maior ou menor dimensão, consoante a dimensão do resultado. Um cenário que pode levar o primeiro-ministro a optar pela vingança – afastando figuras como Michael Gove, o seu aliado de toda a vida política que se tornou um dos principais rostos do Brexit. Ou pela magnanimidade, chamando finalmente para o executivo Boris Johnson, o homem que faz sombra à sua liderança desde o primeiro dia e que foi outra das figuras da saída.

Na manhã de sexta-feira, seja qual for o resultado, Cameron aparecerá à porta do n.º 10 de Downing Street, tal como fez em 2014, na manhã seguinte ao referendo escocês. Por essa hora já se saberá se a União Europeia perdeu, pela primeira vez na sua história, um Estado-membro. Ou se David Cameron conseguiu destruir todo o seu capital político pouco mais de um ano depois de ter garantido a primeira maioria absoluta conservadora em mais de 20 anos.