1) Não se autopsiam seres vivos. E será isso que se fará se houver uma comissão parlamentar de inquérito à Caixa Geral de Depósitos (CGD), a qual, verdade se diga, perdeu em poucos anos tanto dinheiro como o BES e o Banif juntos.
As causas do prejuízo são óbvias: a crise mundial que afetou todos os bancos; gestões incompetentes de gente arrebanhada no que até há pouco era o arco da governação; negócios potencialmente criminosos de gente influente; a falência do mercado da construção; o consequente problema do crédito à habitação e a venda da Fidelidade, a seguradora do grupo que gerava dinheiro; e uma internacionalização falhada.
Os poderes políticos, o regulador, os auditores e todas as entidades que devem estar atentas deixaram acumular situações sucessivas, resultando na catástrofe que está à vista, apesar de certas análises alertarem há anos para problemas. O governo anterior foi particularmente passivo, desde logo porque teve muito tempo em mente a privatização da CGD. Constituir uma comissão de inquérito com a Caixa a trabalhar e a tentar resistir, e sob uma nova liderança, é uma autópsia a um ser vivo, quando se sabe que é coisa que, por definição, só se faz a mortos.
Entidades como o Banco de Portugal, o Ministério das Finanças e o Ministério Público sempre tiveram nas mãos mecanismos suficientes para apurar responsabilidades. Só não o fizeram porque não quiseram. A comissão de inquérito (ou outra solução com publicidade) servirá sobretudo para atirar areia para os olhos dos portugueses, através de tristes exercícios de demagogia política e de passa-culpas. Veja-se que as anteriores comissões à atividade de bancos como o BPN e o BES (e, até ver, a do Banif) não serviram para nada a não ser produzir vedetas políticas.
2) O Reino Unido decide amanhã se fica ou não na União Europeia. Se sair, é péssimo para toda a Europa. Se ficar, é mau, mas menos.
Foi Cameron quem encenou este filme de terror quando propôs o referendo. Serviu-se disso para negociar e obter o que ele próprio definiu como um acordo que deu ao país o melhor dos dois mundos, ou seja, sol na eira e chuva no nabal. Os mais velhos vão votar pela saída, enquanto os mais novos farão o contrário, o que é um sinal de que a Europa significa alguma coisa positiva para quem tem futuro. Em muitos outros países, inclusivamente Portugal, seria a mesma coisa. Se ganhar o Brexit, é provável que a Escócia queira tornar-se independente e ficar na UE.
Seria uma catástrofe para os dominantes ingleses. Possivelmente, a Irlanda do Norte e o próprio País de Gales poderão querer o mesmo. Londres é o maior centro financeiro da Europa e se esse poder passar para Frankfurt, deslocando ainda mais para leste o eixo da Europa, haverá um movimento que agravará a periferia de Portugal. Uma eventual fragmentação do Reino Unido será ainda um precedente para a Catalunha, para a Flandres flamenga e para o norte de Itália, que têm aspirações independentistas.
O melhor será as coisas ficarem como estão, embora não estando bem.
3) Uma minoria de colégios privados que ficou fora da subsidiação do Estado começou a despedir. O comportamento é manhoso.
Verdade se diga que os colégios verdadeiramente privados e bons não se reveem nestas práticas de certas instituições medíocres que se escondem atrás de nomes de santos ou de cooperativas de gente do centrão político que usufruiu de milhões de euros de apoios. No privado, há trigo e joio no ensino e na ética. No público, também há bons e maus exemplos, mas há que reconhecer que é um universo difícil de trabalhar dada a diversidade social, étnica e familiar dos alunos. Mas há também a circunstância de ter no seu universo professores que nos envergonham a todos, alguns dos quais são os que mais tristes figuras fazem quando participam em manifestações como a de sábado.
Como lembrou António Costa a propósito de outro tema, uma coisa é a estrada da Beira e outra é a beira da estrada.
4) A ASAE é uma inutilidade objetiva em certos casos. Basta contar um.
Quem se queixar de uma loja por um produto defeituoso que lhe foi vendido, leva quatro meses sem resposta, não consegue passar da portaria, pois os doutores e inspetores estão sempre muito ocupados, nomeadamente a fumar à porta. Ao fim de três meses recebe uma carta de uma ilustre dirigente (das tais que não é acessível pessoalmente) a dizer que não é aquela instância que trata do assunto, numa prova de incompetência dramática porquanto essa circunstância poderia ser assinalada de início.
A única pessoa atenta e diligente com quem se consegue contactar pertence à empresa de segurança. Deviam nomeá-la diretora da coisa, para a extinguir rapidamente e voltar-se ao que tínhamos há anos. Não seria grande coisa, mas era mais baratinho e minimamente eficaz.
Jornalista