Euro 2016. Falta cumprir-se Portugal

Euro 2016. Falta cumprir-se Portugal


França, Alemanha, Espanha, Itália, Inglaterra: todas as grandes seleções desta fase final do Campeonato da Europa já garantiram lugar nos oitavos-de-final. O que corre por fora e já se assumiu como candidato à vitória joga hoje o seu destino contra a Hungria


É, de facto, a única seleção que podemos – com boa vontade, porém – incluir na lista dos candidatos que não garantiu a presença na fase a eliminar. E, no entanto, como teria sido natural que o fizesse… Em dois jogos, a sua superioridade sobre os adversários foi evidente. A teimosia no desperdício e nas jogadas repetitivas condenaram Portugal a dois empates frustrantes. Agora… é a hora!

Frente à Hungria, hoje, pelas 17 horas de Lisboa, a seleção nacional tem de assumir finalmente o seu estatuto, sob o risco de perder mais uma oportunidade, ainda por cima num Europeu que apresenta duas ou três boas equipas, sim senhor, mas que está muito longe de ser aterrorizante. Não há motivos para que Portugal tema qualquer uma das outras seleções em compita. Quando muito, tem de ter medo de si próprio.

Quem, durante 90 minutos, desperdiça de forma acintosa uma boa meia dúzia de golos, sem exagero, tem de olhar para o seu próprio umbigo, conversar com os seus botões e perceber quais são as suas evidentes fraquezas. Explicar tudo isto com a sorte ou com o azar pode ser conveniente, confortável, mas não é totalmente sério. Faltou algo a Nani e a Ronaldo (principalmente a estes dois) no momento em que se encontravam frente a frente com os guarda-redes adversários. Concentração? Serenidade? Ou houve algo em excesso. Confiança? Soberba? Ninguém como os próprios para responder a estas questões.

Quanto a mim, parece-me que entra pelos olhos dentro a indisfarçável inquietação de uma equipa que parecia ter tudo para ser feliz. A indefinição de funções dos homens da frente, sempre muito ativos nas mudanças de posição, mas pouco agressivos no momento de surgirem na cara do golo; a lentidão de processos no meio-campo, com um excesso de lateralizações e de atrasos de bola sempre que não é possível colocá-la na frente de Ronaldo, Nani ou Quaresma; a falta de apoio defensivo que têm os laterais – tudo isto são motivos que ajudam a explicar porque é que Portugal só somou até agora dois pontos e pode estar à beira de uma eliminação que seria insuportável.

50 anos depois, outro Portugal-Hungria Já o escrevi aqui por mais do que uma vez que considero este Grupo F o mais fraco dos seis grupos desta fase final. Embora apenas pela televisão, pude ver os jogos em que Portugal não participou e a ideia mantém-se. A seleção nacional é tão superior aos seus três adversários diretos que deveria, neste momento, já estar a preparar a primeira das eliminatórias positivamente com um pé às costas.
Mas não está. Hoje, no Parque Olympique de Lyon, onde vi uma vez Roberto Carlos marcar à França um dos golos de livre direto mais extraordinários da história do futebol, há que bater a Hungria para cumprir o ideal há tanto tempo concebido. Adversário aborrecido, é um facto, mas banal nas suas conceções de jogo. Fechado, certamente, mas sem uma agressividade para além daquilo que os portugueses aceitam como salutar.

Procurando o contragolpe, mas sem talento para inventar movimentos capazes de surpreender defesas experientes como são os lusitanos. Como veem, em todas estas linhas há um tom de otimismo e de crença. Acreditem que não se baseiam apenas nos caminhos insondáveis da fé, até porque não os trilho. Estão alicerçados na convicção de que, marcando uma ou duas das tantas oportunidades que sempre cria, Portugal vencerá o seu adversário de logo pela simples razão de que é incomparavelmente melhor.

Claro que há os profetas da desgraça. Há pelo menos um profeta da desgraça em cada português. Até talvez haja mais. É aí que repousa a confiança do adversário. Saber que pode embrulhar a seleção das quinas num mar de dúvidas e de incertezas. Foi isso que sucedeu no Parque dos Príncipes, em Paris, frente à Áustria: Portugal descreu. Era melhor, sabia que era melhor, mas viu-se incapaz de o provar. Foi isso que aconteceu em Saint-Étienne, contra a Islândia – e teria sido tão natural aguentar aquela vantagem em boa hora surgida.

Não há mais tempo para dúvidas! “Deus quer/ o Homem sonha/ A obra nasce.” Não sei, é-me impossível saber se Deus quer. Sei que há milhões de portugueses a querer e a sonhar. Ao fim da tarde desta quarta-feira em Lyon, onde a chuva desapareceu e o sol surgiu, esplêndido, num céu azul e tão calmo, é preciso querer. É preciso que todos queiram.

Cinquenta anos depois de um dos mais fantásticos jogos dos Mundiais – o Portugal-Hungria de Liverpool em 1966, o jogo repete-se. Pode ser que seja fantástico, também ele. Merecem-no o futebol e quem dele gosta.
“Cumpriu-se o mar, desfez-se o Império”, escrevia Pessoa. Falta cumprir-se Portugal?! Cumpra-se! Já!