Reino Unido mais dividido que nunca sobre permanência na UE

Reino Unido mais dividido que nunca sobre permanência na UE


A morte da deputada trabalhista Jo Cox parece ter travado o ímpetoda campanha que defende a saída do Reino Unido da União Europeia


Mais renhida depois da morte da deputada Jo Cox, a campanha que esta quinta-feira irá decidir se a Grã-Bretanha continua na União Europeia ou sai foi ontem retomada. O hiato de três dias foi cumprido em respeito pela morte da deputada trabalhista inglesa, atingida por três tiros e várias facadas quando saía da biblioteca de Bristall ao encontro dos seus eleitores, na passada quinta-feira. Thomas Mair, o homem de 52 anos acusado do ataque, foi presente no sábado a tribunal, em Londres, e no arranque da sessão, quando a juíza lhe perguntou o nome, gritou: “Morte aos traidores e liberdade para o Reino Unido.”

O assassinato de Cox, uma mãe de 41 anos que deixou dois filhos pequenos, chocou o Reino Unido e levantou questões sobre o tom da campanha. Enquanto as atividades de ambas as campanhas ontem eram retomadas, duas sondagens vieram indicar que o lado do “sair” perdeu algum ímpeto, com o eleitorado a parecer mais dividido que nunca. As consultas divulgadas na semana passada davam até sete pontos de vantagem para a saída, mas os estudos de opinião que foram tornados públicos este fim de semana colocam o “sair” apenas dois pontos à frente do “ficar”, com cerca de 9% dos inquiridos a dizerem–se indecisos sobre o seu sentido de voto.

O primeiro-ministro britânico, David Cameron, que lidera a campanha para “ficar” na UE, enfatizou ontem que o referendo do dia 23 coloca uma “escolha existencial”. Num artigo que assinou no “Sunday Telegraph”, apelou aos eleitores para que pesassem realmente os prós e os contras da sua decisão e incentivou-os a pensar nas suas carteiras, recordando o enorme impacto económico que deixar o bloco dos 28 países irá ter.

“Enfrentamos uma escolha existencial na quinta-feira. Assim, faça a si mesmo esta pergunta: será que já ouvi algum argumento – um só que fosse – que me garantisse que a saída será a melhor via para a segurança económica da minha família?”, escreveu o líder conservador.

A quatro dias do referendo, as campanhas rivais desdobraram-se numa série de entrevistas e artigos em que uma vez mais ficou bastante clara a linha que separa os campos em oposição. Se o lado do “ficar” fala no perigo económico de sair, o “sair” fala no perigo da imigração.

Depois do assassinato da mulher, Brendan Cox fez declarações em que garantiu estar determinado a continuar com os esforços no sentido de criar uma aliança internacional que combata “a perigosa abordagem” da insegurança económica como fator de decisão em torno destas questões. Num artigo que escreveu semanas antes de a mulher ser morta – e que indicou ao “Guardian” para que fosse citado -, Cox argumenta que um dos problemas é que aqueles que têm tentado fazer dos refugiados e imigrantes um bode expiatório para os atuais desafios económicos estão mais bem organizados e não hesitam em criar o alarme e alimentar a desconfiança e o ódio.

Brendan Cox defende que os políticos de carreira, “na maioria dos casos, não fazem a menor ideia de como influenciar o debate público. Petrificados perante a ascensão dos populistas, tentam neutralizá-los indo atrás deles, contrariando-os mas de acordo com a mesma retórica. Longe de pôr fim à discussão, o que conseguem é legitimar os pontos de vista destes, reforçando o seu quadro mental e levando o debate para posições cada vez mais extremas”. Cox dá como exemplo Sarkozy e a crescente afirmação da Frente Nacional, de Marine Le Pen. Nos EUA, esta mesma análise tem sido feita a propósito de Donald Trump.

Ontem, um dos principais rostos do “sair”, Nigel Farage, reagiu pela primeira vez às sondagens que estabelecem um empate entre os dois lados. O líder do partido nacionalista e xenófobo UKIP, ao ser questionado num programa televisivo se o seu discurso poderá ter estimulado o sentimento de ódio e violência entre as pessoas, disse que é uma das vítimas do discurso negativo que tem marcado o tom da campanha. Segundo ele, a campanha pelo “sair” apenas quer “recuperar o controlo do país” e ter “uma política de imigração responsável”.

Estas declarações surgem num momento em que um cartaz do UKIP tem gerado polémica e recebido algumas críticas até de outros partidários do “sair” que não se reveem na retórica dos nacionalistas. O cartaz usa uma fotografia de uma imensa fila de refugiados a tentar entrar na Europa e, em letras garrafais: “Ponto de rutura: a UE falhou com todos nós.”