Estes são parte interessada na questão uma vez que, diversos tribunais daquele país – os dos estados fronteiriços de Arizona, Califórnia e Texas e ainda Illinois, Nova York e Flórida – solicitaram a extradição de “ El Chapo” para ali ser julgado por uma miríada de crimes: tráfico de drogas, associação criminosa, homicídios, sequestros, posse de armas de fogo, branqueamento de capitais, delinquência organizada e outros. O Cartel de Sinaloa, possui naquele país uma enorme clientela para a revenda e consumo das drogas que para ali exporta, mormente Cocaína, Heroína, Metanfetaminas e Liamba, gabando-se EC de ser o maior dos fornecedores destes mortíferos produtos, em todo o mundo. Os moldes em como a espectacular fuga de EC se desenrolara, deixou o país em estado de choque e o presidente Enrique Nieto muito fragilizado politicamente. Estava provada a facilidade e impunidade com que o crime organizado agia e o seu incrível poder de corrupção, a pontos de alguns operacionais retirarem, com precisão e segurança, o seu perigoso líder, de um cárcere dito de alta segurança.
Por isso, a sua recaptura era tida como uma questão de reabilitação da autoridade do estado e da melhoria da imagem do presidente Nieto. Inesperadamente, facilitou tal desiderato, o facto de, logo após a fuga de EC, aparecerem na jogada, um ator norte-americano e dito jornalista, Sean Penn e uma atriz de telenovelas mexicanas – Kate del Castillo que, displicentemente, materializaram um contacto pessoal com o fugitivo, em 02 de Outubro seguinte à fuga, agindo esta como intermediária entre EC e Sean Penn, para a eventual realização de um filme sobre a atribulada vida daquele, com uma entrevista pelo meio, para a revista “Rolling Stone”.O primeiro alegava querer conhecer o “outro lado da droga”, mas era infeliz na forma proposta, já que estava a contribuir para o endeusamento do criminoso. O emergente fascínio entre a atriz e “ El Chapo” toldaram a clarividência deste e a dos que lhe eram mais próximos, de forma a terem sido estabelecidas comunicações regulares e tentados futuros contactos pessoais. E a corda partiu, seguramente, por aqui e pelo conhecimento, já adquirido, de todos os pormenores da fuga de EC, em investigações sequentes, que incluíram um episódio de quase captura pelo meio. Os avançados meios de investigação e a tecnologia de ponta em uso pelos EUA ( apesar destes negarem a cooperação ) foram, claramente, determinantes na localização e captura do líder, levada a cabo pelos fuzileiros navais mexicanos, na cidade de “ Los Mochis”. E o prémio por esta ajuda seria, seguramente, um rápido desfecho do processo de extradição.
Levado de volta para El Altiplano, EC permaneceu ali rodeado de excepcionais medidas de segurança, sendo que em 7 de Maio passado viria a ser transferido para um cárcere federal de Cidade Juarez , urbe praticamente encostada aos estados norte-americanos do Texas e do Novo México, o que indiciava uma iminente concessão da extradição. Com esta transferência e a tomada de medidas ainda mais extremas de vigilância sobre o recluso, ( guardas só para vigiar guardas, câmaras de filmar instaladas nos capacetes daqueles que transmitem em tempo real para um Centro de Segurança tudo o que se passa e, ainda, um rígido protocolo de comunicações com o recluso ) esperava-se uma decisão breve da classe política, logo após um Juiz Federal, a 16 de Maio seguinte, ter considerado procedente a extradição de EC solicitada por um tribunal da Califórnia, pelo crime de associação criminosa para a venda de Cocaína.
No dia 21 de Maio, EC é notificado da autorização do governo mexicano e do conteúdo do respectivo acordo para a sua extradição para os Estados Unidos, com garantida da exclusão da aplicação da pena de morte. O batalhão de advogados ao serviço de EC, dispondo de um orçamento ilimitado intenta, agora, um último recurso, com vista a contrariar esta decisão, para o Supremo Tribunal Federal. Advogados, aliás, que têm vindo a fazer campanha contra a extradição, tanto no México como nos EUA e que argumentam não poder a mesma efetivar-se, sem que estejam esgotadas todas as formalidades legais, estimando um período de mais 3 anos.
Existe um amplo debate no país sobre a autorização da extradição de EC, sob o ponto de vista da soberania de estado, ou seja, antes mesmo do cumprimento de diversas penas de prisão a que já foi condenado a cumprir no México e que totalizam centenas de anos. Mas os defensores deste instituto dizem que é recomendável a extradição já que, a Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional, também conhecida por Convenção de Palermo, em vigor desde 2003, refere que as pessoas devem ser julgadas no país que melhor esteja preparado para enfrentá-las, o que parece ser o caso dos EUA, com larga experiência nesta matéria: uma justiça eficaz e célere e uma tradição de acordos, regra geral, vantajosos para ambas as partes. O certo é que a classe política se sentirá aliviada com a extradição pois não desejam correr o risco de uma nova fuga o que seria fatal para as suas aspirações políticas. Ficam mais desafogados para a continuação da prevenção e combate ao crime organizado transnacional, visando em especial as suas estruturas financeiras, com realce para o branqueamento de capitais. O que passará, também, pelo reforço da credibilidade e da proatividade de todas as instituições do estado envolvidas na tarefa e para o ataque às causas profundas do crime, elementos determinantes na sua diminuição e, consequentemente, na melhoria de vida dos cidadãos, para que o sentimento de insegurança possa cair para níveis aceitáveis, o que não será tarefa pequena. Esperamos que as músicas populares mexicanas que cantam como heróis conhecidos criminosos, possam um dia tecer loas à acção dos governantes no combate a este fenómeno flagelante da sociedade.
Coordenador de investigação criminal, aposentado, da PJ