Comissão de inquérito à CGD. A Caixa de Pandora

Comissão de inquérito à CGD. A Caixa de Pandora


A comissão de inquérito à Caixa Geral de Depósitos (CGD) vai destapar o banco do regime. 


Ao longo de anos, a administração do grupo acolheu inúmeras figuras do arco de governação, com relações nem sempre fáceis a tutela das Finanças. Os casos sucederam-se. O mandato de Sócrates é o que reúne as operações de crédito mais duvidosas, mas o parlamento pode deparar-se com situações insólitas, quando definir quem deve ser ouvido. O governador Carlos Costa foi administrador da Caixa e presidiu o banco do grupo em Espanha, uma das áreas que deram mais prejuízo ao longo dos anos. O bloco central está em xeque 

Ferreira Leite

A antiga ministra das Finanças no governo de Durão Barroso tutelou a Caixa Geral de Depósitos num período conturbado do banco público. O modelo de governação escolhido, assente num conselho de administração e numa administração executiva,  provocou um conflito institucional entre os presidentes de cada um dos órgãos sociais – António de Sousa e Mira Amaral, respectivamente. Embora ambos os gestores estivessem ligados ao PSD, o facto de haver poderes conflituantes permitiu que se instalasse uma guerra de poder, que terminou já no governo de Santana Lopes. O novo ministro das Finanças, Bagão Félix, nomeou uma nova administração tutelada por Vítor Martins.

Mira Amaral

O gestor viu-se envolvido em polémica não apenas devido ao conflito com António de Sousa mas também devido às condições em que foi contratado. Mira Amaral foi convidado para a CGD quando era administrador do BPI. Só aceitou fazer essa transição depois de ter recebido garantias do Executivo de que receberia uma reforma idêntica à que teria tinha direito no banco de origem. Assim, a imprensa na altura avançou que Mira Amaral ficou a receber uma reforma de 18 mil euros da CGD, apesar de ter tido uma passagem pouco prolongada na instituição. 

Carlos Costa

O currículo de Carlos Costa anterior à ida para o Banco de Portugal tem uma passagem superior a dois anos pela administração da Caixa. Entre abril de 2004 e setembro de 2006, teve o pelouro internacional dentro do grupo, tendo ocupado a presidência do Conselho de Administração do Banco Nacional Ultramarino Macau e do Banco Caixa Geral, em Espanha. O agora governador lidou assim de perto com uma das operações que mais pesaram no banco público ao longo do anos. Segundo os relatórios anuais de 2004 e 2005, o banco em Espanha detido pela CGD deu prejuízos de 42 milhões de euros naquele período. Com a crise imobiliária em Espanha, já depois de Carlos Costa ter saído da Caixa para o Banco Europeu de Investimento, as perdas aumentaram e forçaram a casa-mãe a suportar aumentos de capital.

José Ramalho

É outro regulador bancário que teve funções de topo na administração do banco público. O atual vice-governador do BdP foi vogal do conselho de administração da Caixa Geral de Depósitos durante sete anos e, nessa qualidade, membro dos órgãos de administração de várias empresas do grupo, nomeadamente da Caixa Gestão de Activos. No grupo, foi ainda vogal das seguradoras Fidelidade-Mundial e Império-Bonança, vice-presidente da Caixa Banco de Investimento e director-geral das sucursais da Caixa Geral de Depósitos em França e no Luxemburgo.

Teixeira dos Santos

Como ministro das Finanças, Teixeira dos Santos tutelou o banco público durante seis anos. Pertenceu-lhe a a decisão de nomear a administração de Carlos Santos Ferreira e de Armando Vara, logo em 2005. Mais tarde, quando se dá a troca de cadeiras com o BCP, é também Teixeira dos Santos quem decide quem será o sucessor, Faria de Oliveira. E teve uma das decisões com mais impacto financeiro no banco público, a nacionalização do BPN em 2008. A gestão do banco falido passou a ser feita por administradores da Caixa, que foi também forçada a ceder empréstimos à instituição intervencionada. Faria de Oliveira admitiria mais tarde que o apoio dado ao BPN “teve impacto na situação líquida da Caixa”.

José Sócrates

As relações do antigo primeiro-ministro com a Caixa Geral de Depósitos estão sob investigação das autoridades, no âmbito da Operação Marquês. Sócrates recebeu vários empréstimos do banco depois de ter saído do Governo, e mesmo quando chefiava o Executivo recorreu a crédito da CGD. O seu nome aparece ainda envolvido no projeto de Vale do Lobo, onde as suspeitas se cruzam com

Armando Vara. O Ministério Público suspeita da inluência de de Sócrates na aprovação daquele projeto algarvio. Quando foi libertado, Sócrates ficou impedido de contactar administradores, gerentes e outros colaboradores de várias empresas, entre as quais da Caixa.

Carlos Santos Ferreira

Foi o presidente do banco entre 2005 e 2008, num mandato recheado de operações de financiamento polémicas, como a do empreendimento Vale do Lobo, promovida por Armando Vara (ler ao lado). Outro caso bicudo do seu mandato foi o crédito concedido ao empresário Joe Berardo comprar ações do BCP, quando o banco rival privado estava numa luta de poder. Carlos Santos Ferreira transitou depois para o BCP, mas a fatura dos empréstimos a Berardo ficaram no banco público. O crédito tinha como garantias as próprias ações do BCP e, com a queda do valor dos títulos, a CGD teve de refletir elevadas perdas nos resultados.

Armando Vara

Ao arguido no processo Face Oculta e Operação Marquês é atribuído o envolvimento em vários créditos ruinosos para o banco público. Um dos mais duvidosos, que está sob investigação das autoridades, é o do projeto de Vale do Lobo, no Algarve. Trata-se de um negócio imobiliário em que a CGD decidiu apostar em 2006, quando Vara já era administrador. A Caixa tornou-se acionista da sociedade que explora o empreendimento, mas também financiou o projeto, que está a gerar perdas. O banco já reconheceu perdas acumuladas de 196,6 milhões de euros na sociedade imobiliária Wolfpart, que controla a participação em Vale do Lobo.

Faria de Oliveira

Se o governador Carlos Costa esteve ligado ao banco da CGD em Espanha numa fase ainda de tímido crescimento de balcões,  Faria de Oliveira é a cara da expansão do banco naquele mercado. Foi presidente da unidade espanhola durante três anos e, além do crescimento orgânico através de abertura de balcões, assumiu a ambição de crescer naquele mercado através de aquisições. Esta aposta teve de ser travada em 2009, quando se tornaram nítidas as dificuldades no setor imobiliário e no sistema bancário do país vizinho. Depois da presidência do banco em Espanha, Faria de Oliveira foi promovido a presidente da CGD.

Vítor Gaspar

Foi durante o mandato do ministro das Finanças do governo PSD-CDS que foi determinado o montante da última recapitalização da Caixa, já durante o programa de assistência financeira – que, em teoria, implicou vigilância reforçada dos balanços dos bancos. Coube também a Gaspar a escolha de José de Matos para a presidência do banco e tutelar o plano de reestruturação definido na altura. Gaspar não escapou a operações polémicas. Na Cimpor, onde a CGD tinha uma participação determinante na relação de forças da cimenteira, uma OPA dos brasileiros da Camargo Corrêa foi aceite de forma quase imediata pelo banco público, a um preço que muitos consideraram demasiado baixo. Ao ministro das Finanças foi atribuído um envolvimento direto nas negociações com os brasileiros.

Direito de Resposta

Mira Amaral e a sua pensão de reforma

Senhor Diretor,

face à notícia publicada no i, no dia 17.06 (intitulada ‘Comissão de inquérito à CGD – A Caixa de Pandora’), sobre a minha reforma, a qual não está correta, peço-lhe que publique o seguinte esclarecimento:

Comecei a descontar para a Caixa Geral de Aposentações aos 22 anos de idade, ao longo da minha vida de trabalho também descontei nas empresas em que trabalhei para a Segurança Social e no BPI descontei para o Fundo de Pensões. Ao ser-me pedido em 2002 por um governo PSD/CDS que os fosse ‘ajudar’ na gestão da Caixa Geral de Depósitos, só aceitei porque me era assegurada, nos termos da lei existente, uma reforma alternativa àquela que eu teria como administrador do BPI.

Na CGD, descontei para o respetivo Fundo de Pensões, o qual no esquema vigente se substituía para efeitos de reforma à Caixa Geral de Aposentações.

Pedi depois a reforma ao abrigo do regime da pensão unificada, para a qual contam as várias contribuições que ao longo de 38 anos de carreira contributiva fui pagando para os sistemas de segurança social. Tenho assim uma reforma paga pela Caixa Geral de Aposentações, a qual é naturalmente financiada também pelo Fundo de Pensões da CGD nos dois anos que lá estive.

A Caixa Geral de Depósitos não me paga pois nenhuma pensão e fui eu que ao longo de 38 anos, em conjunto com as minhas entidades patronais, financiei a minha reforma, a qual é de 11 mil euros e não de 18 mil euros, como o jornal i refere.

Luís Mira Amaral