As luvas que o presidente da Câmara dos Deputados do Brasil – Eduardo Cunha, atualmente afastado – terá recebido de um empresário português estão a fazer correr muita tinta naquele país. E a encurralar cada vez mais o parlamentar que, por outros factos, corre o risco de ver o seu mandato cassado. A investigação à compra de um campo de petróleo, por parte da Petrobras, ao empresário português Idalécio Oliveira faz parte do chamado caso Lava Jato.
Cunha, que foi um dos políticos mais entusiastas do processo de impeachment de Dilma Rousseff, viu nos últimos dias os investigadores do Ministério Público de Curitiba avançarem com uma ação cível (de improbidade administrativa) por enriquecimento ilícito, danos materiais e danos morais.
O caso tem como suspeitos, além do político e de Idalécio, Cláudia Cruz, mulher de Eduardo Cunha, Jorge Zelada, ex-diretor da área internacional da Petrobras, e João Rezende Henriques, intermediário das luvas (do PMDB, partido de Cunha).
A parte criminal Por envolver um político, o inquérito-crime corria até há pouco tempo em Brasília, no Supremo Tribunal Federal, mas a justiça entendeu que deveria ser autonomizada a parte relativa aos familiares (filha e mulher) de Eduardo Cunha e aos restantes intervenientes – uma vez que estes, ao contrário dos políticos, podem ser investigados e julgados na primeira instância.
Com esta decisão, a investigação a esses quatro arguidos foi enviada para o MP de Curitiba, ou seja, para primeira instância. E já houve acusação: os quatro foram acusados por crimes como corrupção e lavagem de dinheiro.
O juiz Sérgio Moro já aceitou a denúncia e, por isso, Idalécio, Cláudia Cruz, Jorge Zelada e João Rezende Henriques são já réus no Lava Jato (ver texto ao lado). Quanto à ação penal que envolve Eduardo Cunha, essa continua a correr termos no Supremo Tribunal, em Brasília.
Curitiba entra com ação cível Mas se, de acordo com a lei brasileira, a ação penal contra um parlamentar tem de ser no Supremo, o mesmo não se pode dizer de ações cíveis. E, por esse motivo, o Ministério Público de Curitiba avançou no início da semana com uma ação cível contra os quatro acusados e também contra Eduardo Cunha.
Nessa ação de improbidade administrativa, é pedida a reparação dos danos causados à petrolífera estatal Petrobras com o esquema desenvolvido.
Tal reparação tem de ser, no mínimo, de “10 milhões de dólares – no qual está incluído o enriquecimento ilícito de, ao menos, 1 311 700,00 francos suíços relativo a vantagem indevida obtida [por Cunha] em virtude do negócio realizado pela Petrobras no Benim”, defende o MP.
Os investigadores da Operação Lava Jato propõem também que Eduardo Cunha seja condenado na “perda do enriquecimento ilícito de, ao menos, 5 762 679,66 dólares”, além de uma “multa civil de três vezes o valor do enriquecimento ilícito apurado ao final da instrução processual”.
Outra das consequências pedidas pelo MP para Cunha é a “suspensão dos direitos políticos por 10 (dez) anos” e a “proibição de contratar com o poder público”.
A cassação do mandato Além da ação cível do MP de Curitiba e do inquérito que corre no Supremo, Cunha enfrenta ainda uma proposta de cassação do seu mandato feita pelo conselho de ética do Congresso. Em causa está o facto de ter omitido, durante a comissão parlamentar de inquérito à Petrobras, que tinha dinheiro em contas bancárias no estrangeiro.
Após este primeiro passo, aguarda-se agora que o caso seja levado ao plenário da Câmara. A cassação só acontecerá se houver uma maioria absoluta, ou seja, pelo menos 257 dos 573 deputados.
Caso isso aconteça, a ação penal por alegado recebimento de luvas que está atualmente a correr no Supremo Tribunal Federal também iria para Curitiba, uma vez que Cunha perderia os privilégios de foro especial de um eleito.
Será preciso, no entanto, esperar mais umas semanas para conhecer o desfecho deste caso, uma vez que o Congresso brasileiro vai parar alguns dias em julho para férias e as atividades só serão retomadas em agosto
Eduardo Cunha, segundo noticiou o diário “Estadão”, reagiu ao resultado da votação do conselho de ética com murros na mesa e ameaças de vingança. A versão da defesa do parlamentar é que as contas no estrangeiro não são dele – e por isso, diz, não as referiu na comissão parlamentar de inquérito -, embora confirme que é beneficiário do dinheiro nelas depositado.