Portugal tem muitas situações mal resolvidas, mas não as que mobilizam o tempo e a atenção de partidos desesperados por aproveitar o nicho de oportunidade da presença parlamentar ou da maioria de turno para deixar marcas para os seus segmentos eleitorais. Esses contentam-se com a prioridade de projetos para a inclusão de refeições vegetarianas nas escolas e universidades, hospitais, prisões, câmaras municipais, lares e outros serviços da administração pública, sem qualquer ponderação dos custos de operacionalização da medida e dos impactos para o erário público deste tipo de pseudoflores políticas.
Uma das situações mal resolvidas é a da relação dos portugueses residentes no território nacional com os que residem fora do território e, em especial, da administração pública e do poder político com esses portugueses que, amiúde, sentem mais o pulsar da nação do que muitos dos que fazem opções políticas em nome do povo. Porventura haverá um misto de preconceito e inveja, radicado num resquício de acusação de abandono do país às suas dificuldades e de uma cobiça pela conquista de melhores condições de vida fora do território nacional, geralmente com elevado nível de sacrifício. A verdade, apesar de serem raras as famílias sem alguém lá fora, é que o bloqueio teima em não ser superado em benefício de Portugal e dos portugueses. Aliás, nos últimos anos dos governos PSD/CDS, depois de muitas promessas às comunidades, assistiu-se a um substancial desinvestimento na estrutura de representação do Estado português junto delas, enquanto se apelava à emigração e os fluxos atingiam níveis dos anos 60.
Perante um desafio tão grande – desbloquear a relação do Estado e dos portugueses com as comunidades portuguesas residentes fora do território nacional -, agarram-se a minudências políticas sobre quem apela mais à emigração de professores, os que promoveram o seu desemprego generalizado ou os que, não alterando a situação herdada, não asseguraram as oportunidades das vagas anunciadas. “É obviamente muito importante para a difusão da nossa língua, e é também uma oportunidade para muitos professores de Português que, por via das alterações demográficas, hoje não têm trabalho em Portugal e podem encontrar aqui [França]”. Como é possível vislumbrar aqui algum apelo à emigração de António Costa?
Voltemos ao essencial, que isto não vai lá com discursos, selfies ou simbolismos serôdios, só lá vai mesmo com decisões políticas e recursos para as concretizar.
Como alterar a perceção dos residentes fora do território nacional de se sentirem estrangeiros onde vivem e serem vistos como estrangeiros em Portugal, olhados de lado, com uma inaceitável dose de desconfiança e desdém?
Como alterar a forma como a administração pública e a administração tributária e aduaneira se relacionam com quem vive fora do território nacional? Aqui, a questão é mais geral e aplica-se também aos que cá vivem.
Como gerar confiança para que Portugal possa ser ajudado pelos seus que, tendo rumado a outras geografias, tiveram sucesso na vida em vez de, como aconteceu nas últimas décadas, andar de chapéu na mão junto de fontes de financiamento e de regimes duvidosos? Algo muito além do mero assento de regozijo com o volume das remessas dos emigrantes em que se transformou a Secretaria de Estado das Comunidades durante a presença da troika em Portugal. Algo estrutural que signifique uma mudança de paradigma das palavras, recursos e atos na forma como são encarados os portugueses residentes fora do território nacional e como o país se projeta no exterior. A anunciada abertura de um espaço do cidadão no consulado de Paris, com 60 serviços, vai nesse sentido.
A não ser assim, bem podem haver sucessivas serenatas de coabitação à chuva com o alto patrocínio dos chapéus da Fidelidade, propriedade dos chineses da Fosun, ou repetidas presenças em festas nas comunidades, que a perceção quotidiana de abandono e desconfiança perdurarão. Acresce que a generalidade dos portugueses das últimas vagas de emigrantes não têm a expetativa de regresso a Portugal de outras gerações, o que, na ausência de uma presença adequada do Estado português, concorrerá para a diluição dos laços. Não deixa de ser curioso que, para reverter a emigração qualificada dos últimos anos e a desertificação do interior do país, a matriz seja similar: a criação de condições de vida e de oportunidades profissionais que permitam a fixação.
Afinal, bem vistas as coisas, há quantos anos é que o governo de Portugal comemora o dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas com os portugueses residentes fora do território nacional? Há muitos. A novidade é que o Presidente agora também o faz. E ao longo destes anos, houve alguma alteração estrutural da relação com as comunidades e destas com o Estado português? Além das palavras de circunstância sobre as elites na terceira pessoa, mudem-se as atitudes dos portugueses e dos serviços do Estado, invistam-se recursos na valorização da presença de Portugal e criem-se condições para erradicar os preconceitos mais ou menos encapotados. Portugal deixará de andar de chapéu na mão e contará com uma via verde de afetos e de recursos das comunidades portuguesas. Até lá, será mais espuma e agendas muito afastadas das pessoas, dentro e fora do nosso território.
Notas finais
A morte de geometria variável. Foi lento o despertar de alguns para o massacre de Orlando, ainda assim melhor que a irrelevância dada a outras barbáries em latitudes e longitudes menos mediáticas.
Publicidade bancária inconsequente. Enquanto proliferam notícias preocupantes sobre algumas instituições bancárias, interpelam-nos grandes campanhas publicitárias desses bancos como se a confiança fosse gerada segundo o dito “água mole em pedra dura…”.
Militante do PS. Escreve à quinta-feira