Em vez de uma celebração envolvente e motivadora, cada vez mais a data se tornava um cliché protocolar, pesadão, de manifestas contrariedades pessoais, e que se tornava de impossível digestão num palco de hierarquias e vaidades tristonhas, notoriamente presentes por mero dever de ofício. Os últimos dez anos de Belém em nada contribuíram para que se pudesse atalhar esse penoso declínio comemorativo e só ajudaram a acentuar negativamente o estertor do espírito camoniano com que, depois de Abril, se pretendeu substituir o lúgubre e anacrónico “Dia da Raça” por uma ideia diferente de portugalidade e dos valores distintivos comummente partilhados. Até aquela fila imensa de “personalidades de reconhecido mérito” condecoradas esvaía impiedosamente o mérito de uns poucos ante o insólito de outros tantos, num cerimonial caricato e sem alma de medalhas a eito. Um triste e imenso tédio.
Insanável fatalidade? Até parecia que sim, confesso, mas enganei-me. Este 10 de Junho soube dar a volta ao texto com inteligência e brilho, com os novos intérpretes que a democracia escolheu, porventura mais cultos e mais próximos daquilo que é e pode ser Portugal. No “terreiro do povo” e em Paris, sem complexos, pelo exemplo e pela mensagem cidadã. E agora mais, pela exigência expectável dos próximos 10 de Junho. Ganhou a República, ganhámos todos. E com Camões, claro está.
Escreve à terça-feira