O lugar do Reino Unido na Europa e no mundo


“O Brexit seria o caso mais espetacular de masoquismo da diplomacia britânica desde que o rei Jorge iii perdeu a América por causa dos impostos sobre o chá.” Anatole Kaletsky Economista 


Estamos na reta final da campanha do referendo no Reino Unido para decidir sobre a sua saída ou a sua permanência na União Europeia. Após semanas e semanas de campanha, o sim e o não continuam com possibilidades de vencer. Do resultado deste referendo (sobretudo no caso de o não vencer), os impactos serão muito significativos para os ingleses, para os povos e países da União Europeia e para o mundo em geral.

É que o Reino Unido não é um país qualquer. Pelo seu peso e pela importância da sua história política, diplomática, económica, cultural e linguística (o país de onde é originária a verdadeira língua franca que o mundo tem, que é o inglês). Mas também pelo presente. Em que pela Commonwealth, pela sua influência geopolítica (membro do Conselho Permanente das Nações Unidas) e também pela sua importância dentro e fora da Europa, no plano económico, existe quem lhe chame “a ilha mais poderosa e dividida do mundo.” País que bate o pé a outros gigantes da economia mundial, com a quinta maior economia do mundo e tendo Londres como uma das cidades mais cosmopolitas, atrativas e competitivas. O Reino Unido, na comparação com os gigantes mundiais, tem um território de cerca de 243 mil km2, quase 65 milhões de pessoas (e segundo estimativas será o país do continente europeu que mais irá ver crescer a sua população no futuro) e um PIB per capita de quase 37 milhões de euros, acima de países como o Japão, a soma da União Europeia a 28, a Rússia, a China, a Índia e o Brasil. Para além destes indicadores económicos e sociais, é um contribuinte líquido anual para a União Europeia, com cerca de 25 mil milhões de euros – isto apesar de, por via do “UK Rebate”, receber anualmente 12 mil milhões de euros da UE sob as vestes de fundos regionais, o que desde os idos tempos de Margaret Thatcher continua a ser uma espécie de compensação pelas “deturpações da Política Agrícola Comum”. A City inglesa tem nela sediados cerca de 250 bancos globais (com 160 mil funcionários, 80% dos fundos de cobertura da Europa, 78% do seu serviço de dívida, 74% dos seus dividendos e 60% dos seus fundos privados). O país recebe em média, anualmente, 65 mil milhões de euros devido à exportação de serviços financeiros. Não existe mais nenhum país no mundo que atinja sequer metade desta verba por exportação de serviços financeiros. A somar a tudo isto está estimado que a riqueza colocada nos chamados paraísos fiscais da coroa inglesa (Bermudas, Caimão, Aguila, Guernsey, etc.) é de quase 5 biliões de euros. Na campanha do referendo, os defensores do Brexit têm desvalorizado estes números, menosprezando uma das questões centrais, que tem a ver com saber-se se o Reino Unido ficará mais rico ou mais pobre se sair da União Europeia. 

Dean Acheson, americano e um dos arquitetos da NATO e do Plano Marshall, vaticinou que a Grã-Bretanha, ao perder o maior império de sempre, iria viver com sentimentos contraditórios porque nunca se iria contentar com o seu novo papel no mundo e na cena internacional. E julgo que é isto que também está, mais uma vez, em causa. O Reino Unido vive entre “o passado que não consegue esquecer” e “o futuro que não pode evitar”. É a vida, é o mundo que temos. No seu auge já gerou 20% da atividade económica mundial e hoje, mesmo poderoso, não gera mais de 2,5% dessa atividade. Os ingleses vivem orgulhosos do seu passado e manietados por um mundo e uma Europa supraestaduais em que a concertação e a negociação são a senha principal para a geopolítica e a geoeconomia.

Num mundo cada vez mais pequeno e a exigir rostos humanos para a globalização nas suas múltiplas variáveis.
O referendo inglês tem a ver com estas e com muitas outras coisas. E é um acontecimento europeu e mundial. E realiza–se em tempos em que até se põe a hipótese de a monarquia constitucional inglesa ter de passar a conviver com um Estado federal. O lugar do Reino Unido na Europa e no mundo é o que está em causa. Sozinho? Na Europa? Com que política externa? É que o mito da soberania inglesa já não faz sentido.

E a União Europeia com os ingleses é uma; sem eles, é outra. Sem eles, os alemães andarão mais à solta. E países como Portugal serão dos que mais perderão com a sua saída. Vamos aguardar pelo veredicto do povo inglês. E que a Europa reconheça que tem de mudar. Muito mesmo. Para não estar refém de referendos do tipo inglês. Porque se a Europa não tivesse problemas de liderança e de solidariedade, referendos como o inglês não seriam necessários.

Escreve à segunda-feira 


O lugar do Reino Unido na Europa e no mundo


“O Brexit seria o caso mais espetacular de masoquismo da diplomacia britânica desde que o rei Jorge iii perdeu a América por causa dos impostos sobre o chá.” Anatole Kaletsky Economista 


Estamos na reta final da campanha do referendo no Reino Unido para decidir sobre a sua saída ou a sua permanência na União Europeia. Após semanas e semanas de campanha, o sim e o não continuam com possibilidades de vencer. Do resultado deste referendo (sobretudo no caso de o não vencer), os impactos serão muito significativos para os ingleses, para os povos e países da União Europeia e para o mundo em geral.

É que o Reino Unido não é um país qualquer. Pelo seu peso e pela importância da sua história política, diplomática, económica, cultural e linguística (o país de onde é originária a verdadeira língua franca que o mundo tem, que é o inglês). Mas também pelo presente. Em que pela Commonwealth, pela sua influência geopolítica (membro do Conselho Permanente das Nações Unidas) e também pela sua importância dentro e fora da Europa, no plano económico, existe quem lhe chame “a ilha mais poderosa e dividida do mundo.” País que bate o pé a outros gigantes da economia mundial, com a quinta maior economia do mundo e tendo Londres como uma das cidades mais cosmopolitas, atrativas e competitivas. O Reino Unido, na comparação com os gigantes mundiais, tem um território de cerca de 243 mil km2, quase 65 milhões de pessoas (e segundo estimativas será o país do continente europeu que mais irá ver crescer a sua população no futuro) e um PIB per capita de quase 37 milhões de euros, acima de países como o Japão, a soma da União Europeia a 28, a Rússia, a China, a Índia e o Brasil. Para além destes indicadores económicos e sociais, é um contribuinte líquido anual para a União Europeia, com cerca de 25 mil milhões de euros – isto apesar de, por via do “UK Rebate”, receber anualmente 12 mil milhões de euros da UE sob as vestes de fundos regionais, o que desde os idos tempos de Margaret Thatcher continua a ser uma espécie de compensação pelas “deturpações da Política Agrícola Comum”. A City inglesa tem nela sediados cerca de 250 bancos globais (com 160 mil funcionários, 80% dos fundos de cobertura da Europa, 78% do seu serviço de dívida, 74% dos seus dividendos e 60% dos seus fundos privados). O país recebe em média, anualmente, 65 mil milhões de euros devido à exportação de serviços financeiros. Não existe mais nenhum país no mundo que atinja sequer metade desta verba por exportação de serviços financeiros. A somar a tudo isto está estimado que a riqueza colocada nos chamados paraísos fiscais da coroa inglesa (Bermudas, Caimão, Aguila, Guernsey, etc.) é de quase 5 biliões de euros. Na campanha do referendo, os defensores do Brexit têm desvalorizado estes números, menosprezando uma das questões centrais, que tem a ver com saber-se se o Reino Unido ficará mais rico ou mais pobre se sair da União Europeia. 

Dean Acheson, americano e um dos arquitetos da NATO e do Plano Marshall, vaticinou que a Grã-Bretanha, ao perder o maior império de sempre, iria viver com sentimentos contraditórios porque nunca se iria contentar com o seu novo papel no mundo e na cena internacional. E julgo que é isto que também está, mais uma vez, em causa. O Reino Unido vive entre “o passado que não consegue esquecer” e “o futuro que não pode evitar”. É a vida, é o mundo que temos. No seu auge já gerou 20% da atividade económica mundial e hoje, mesmo poderoso, não gera mais de 2,5% dessa atividade. Os ingleses vivem orgulhosos do seu passado e manietados por um mundo e uma Europa supraestaduais em que a concertação e a negociação são a senha principal para a geopolítica e a geoeconomia.

Num mundo cada vez mais pequeno e a exigir rostos humanos para a globalização nas suas múltiplas variáveis.
O referendo inglês tem a ver com estas e com muitas outras coisas. E é um acontecimento europeu e mundial. E realiza–se em tempos em que até se põe a hipótese de a monarquia constitucional inglesa ter de passar a conviver com um Estado federal. O lugar do Reino Unido na Europa e no mundo é o que está em causa. Sozinho? Na Europa? Com que política externa? É que o mito da soberania inglesa já não faz sentido.

E a União Europeia com os ingleses é uma; sem eles, é outra. Sem eles, os alemães andarão mais à solta. E países como Portugal serão dos que mais perderão com a sua saída. Vamos aguardar pelo veredicto do povo inglês. E que a Europa reconheça que tem de mudar. Muito mesmo. Para não estar refém de referendos do tipo inglês. Porque se a Europa não tivesse problemas de liderança e de solidariedade, referendos como o inglês não seriam necessários.

Escreve à segunda-feira