O governo acredita que a Comissão Europeia não vai aplicar sanções por incumprimento do défice. Mas como esse cenário não pode ser colocado completamente de parte, a secretária de Estado dos Assuntos Europeus está a estudar eventuais formas de contestação. O Tribunal de Justiça da UE é uma opção.
Qual a probabilidade de Portugal sofrer sanções por incumprimento de metas orçamentais?
Há regras relativamente ao Semestre Europeu quanto aos objetivos orçamentais. A Comissão Europeia (CE) analisa o impacto das medidas estruturais no período de 2013 a 2015. Faz essa avaliação tendo em conta a situação económica e orçamental e, em função disso, toma uma decisão. O que verificamos? Que se fizeram progressos significativos em termos orçamentais, que os portugueses fizeram enormes sacrifícios ao longo destes quatro anos. E, portanto, não podem ser mais penalizados. A possibilidade de sanções viria penalizar mais as pessoas e a economia portuguesa – a questão fundamental está aí. Se houver sanções a Portugal, entramos num círculo vicioso e não criamos condições para que a economia comece a respirar e a funcionar com normalidade. É isso que ambicionamos, para que possamos seguir as recomendações que foram propostas pela CE a Portugal no quadro do Semestre Europeu.
A Comissão está dividida sobre a possibilidade de haver sanções. Para que lado vai pender a balança quando chegarmos a julho?
Não é por acaso que a Comissão, no dia 18 de maio, não tomou uma decisão sobre essa matéria. Achava que a questão devia ser discutida e decidiu que seria reanalisada no dia 5 de julho pelo Colégio de Comissários. Não havia um convencimento absoluto de que devia aplicar sanções. Entendeu-se que a questão devia continuar a ser estudada e voltar a discutir normalmente esta problemática no dia 5 de julho. Ao longo deste período, a Comissão está a analisar a questão.
Estão em contacto convosco, a debater algum tópico pendente da avaliação que foi feita a 18 de maio?
O contacto entre a Comissão e o governo português existe sempre. O contacto com os comissários existe todos os dias porque há políticas e dossiês específicos, os ministros encontram-se no Conselho, os comissários vêm cá. É um contacto quotidiano. Os comissários conhecem bem o trabalho que está a ser feito.
Mas está hoje mais descansada do que na última reunião, de 18 de maio?
A Comissão Europeia tem de se convencer de que Portugal fez tudo o que era possível e que os cidadãos portugueses sentiram bem o impacto dessas medidas. E tem de se convencer do compromisso da parte de Portugal de respeitar as suas responsabilidades. Há depois uma dimensão política: com os desafios com que a Europa é hoje confrontada – crise dos refugiados, referendo no Reino Unido, questões económicas e orçamentais cuja resposta não é sólida ao ponto de pôr as economias a crescer –, a última coisa de que a UE precisa é de introduzir outro fator de perturbação. Nunca houve sanções aplicadas a um Estado-membro, seria abrir um novo foco de tensão desnecessário. E há outra questão. Se olharmos para os sucessivos resultados das eleições na UE ou para os estudos de opinião sobre a atitude dos cidadãos, há uma preocupação que sobressai: o aumento do euroceticismo e a emergência de movimentos populistas. Isto também tem a ver com o facto de, na maior parte dos países, haver dificuldade dos cidadãos em entenderem a diferença entre governos à esquerda e governos à direita. A esquerda governa de forma diferente da direita e esta diferença tem de ser compreendida, porque está na génese dos próprios partidos políticos. Aquilo a que se está a assistir é que obrigar a um determinado tipo de políticas, qualquer que seja o governo, leva a que os cidadãos se afastem dos partidos tradicionais da governação e comecem a emergir novos partidos. Isso é também uma preocupação que tem de existir e de ser colocada em cima da mesa.
Falou nos possíveis impactos das sanções. Concretamente, o que poderia acontecer?
De acordo com a interpretação das regras, pode haver sanções até 0,2% do PIB, o congelamento do acesso ao Plano Juncker e o congelamento da atribuição de fundos estruturais. Além do impacto que isso tem na economia, há outro aspeto: a imagem de Portugal, que tem de ser salvaguardada.
As sanções poderiam levar a um aumento de juros e a dificuldades de financiamento?
Exatamente. A imagem de Portugal não pode ser afetada por uma decisão dessa natureza.
Há noção das implicações de um congelamento dos fundos estruturais no segundo semestre do ano? Que montante de investimento seria posto em causa?
Portugal tem um envelope financeiro, de 2014 a 2020, de 21 mil milhões de euros. Portugal apresenta hoje um nível de execução muito significativo comparado com outros Estados-membros – foram feitos esforços nos últimos meses. Isso é um problema. Os fundos estruturais são usados para promover a coesão, para promover a competitividade. E grande parte dos projetos que são financiados pelos fundos estruturais têm impacto na economia europeia, não é só na economia nacional. É outro problema que poderia ser criado.
Se Espanha não tivesse também falhado as metas do ano passado e Portugal estivesse sozinho, não teríamos sido já sancionados?
Acho que isso não interfere. Aí cito o sr. Juncker. A França é a França, Portugal é Portugal e Espanha é Espanha. Qualquer um destes países é um Estado-membro da UE exatamente com os mesmos direitos e os mesmos deveres.
Imaginando um cenário em que as sanções se concretizam, que forma de contestação poderia o governo assumir?
Esse cenário nunca existiu, portanto há alguma elaboração sobre o procedimento que uma decisão desta natureza pode acarretar. No dia 5 de julho, a Comissão vai discutir. Se decidir aplicar sanções, depois, o ECOFIN [ministros das Finanças da UE] reúne-se no dia 12 de julho. Caso confirme a proposta da Comissão, há dez dias em que Portugal pode fazer o contraditório. Ao mesmo tempo, a Comissão tem 20 dias para apresentar a sua proposta concreta de sanções.
E, depois, o ECOFIN tem mais 10 dias, para no dia 2 de agosto rejeitar ou aprovar a proposta da Comissão. Quer a aceitação quer a rejeição têm de ser tomadas por maioria qualificada.
Então, a defesa de Portugal seria sempre feita ao nível dos ministros das Finanças. O primeiro-ministro não poderia levar o assunto ao Conselho Europeu?
O Conselho Europeu não toma decisões desta natureza; normalmente é o Conselho de Ministros, a seguir ao Conselho Europeu, que decide. É evidente que o governo português e todos nós temos estado a usar todos os meios possíveis e normais para utilizar os nossos argumentos, em função da situação orçamental económica e financeira portuguesa, imaginando então que a Comissão recomenda sanções e que Portugal contra-argumenta.
E se nessa fase vos forem pedidas mais medidas de consolidação orçamental para que as sanções sejam retiradas? Por vezes, as negociações europeias parecem basear-se nisso.
Todos os cenários podem ser discutidos. Mas não estamos nessa fase nem nesse cenário.
Se houver sanções pode haver recurso ao Tribunal de Justiça da UE para contestar as sanções?
No acesso ao Tribunal de Justiça aplicam-se os procedimentos normais nessa matéria: de todas as decisões pode sempre haver recurso. Uma eventual decisão nesse sentido pode, assim, ser impugnada.
Nesta fase, que Estados-membros estão com Portugal e quais estão contra?
É muito difícil responder a essa questão dessa forma. Não é o momento apropriado para se falar em blocos. A perceção que tenho é que, hoje, essa questão não se coloca da mesma forma que se colocava em fevereiro com o Orçamento do Estado. Hoje, o sr. Juncker não se inibe de afirmar que é frontalmente contra a existência de sanções e claramente reconhece que isso seria trazer um novo problema para o interior da UE, e que a última coisa de que a UE precisa agora é de ter um novo problema.
A Alemanha vai ter uma palavra preponderante?
Neste momento, qualquer resposta nesse sentido é redutora. O que estamos a encontrar, na maior parte dos nossos interlocutores, é que há sensibilidade para o problema e um acompanhamento da evolução em Portugal. Junto de comissários, de países, sentimos alguma abertura para perceberem a importância do impacto político da questão. Por outro lado, nós não pedimos que as regras não sejam respeitadas. O que dizemos é que tem de haver uma interpretação flexível das regras. É isso que temos argumentado. Não pedimos a violação das regras, o que entendemos é que não se justifica a aplicação de sanções no quadro de uma interpretação flexível das regras, e essa flexibilidade é permitida pela evolução da própria situação económica e orçamental em Portugal. Não é uma flexibilidade gratuita.
O parlamento português aprovou dois documentos a condenar as sanções. Na prática, para que vão servir? Vão enviá-los ou debatê-los em fóruns europeus específicos?
Estamos num tempo em que não é preciso enviá-los para serem conhecidos.
Basta que se escrevam notícias sobre isso?
Exatamente (risos). Basta que a notícia apareça. Pessoalmente, gostaria mais que houvesse um só documento. É uma questão de interesse nacional para o país, para os portugueses. É natural que nos empenhemos em que não haja sanções a Portugal. E a decisão do parlamento é útil, tem sempre um valor importante sobre a opinião de um Estado-
-membro.
Como sente hoje a perceção do governo português? Quando o PS assumiu funções e houve as negociações atribuladas do OE, parecia haver reticências face a um partido de esquerda com acordos com partidos ainda mais à esquerda.
O formato de governo que temos em Portugal, em que o primeiro-ministro sai do segundo partido mais votado, em que há uma base parlamentar à esquerda, existe noutros países. Muitos governos funcionaram assim. No Luxemburgo, por exemplo, o partido mais votado foi o do sr. Juncker e o sr. Juncker não foi primeiro-ministro. O mesmo aconteceu na Dinamarca – o anterior governo dinamarquês tinha apoio de partidos mais à esquerda – e noutros países, como Chipre. O apoio de partidos mais à esquerda ou um governo com maioria parlamentar é normal no funcionamento dos sistemas democráticos e constitucionais dos Estados-membros da UE. O que houve nessa fase foi uma tentativa de explorar o facto de o governo ter tido esta criação, esta génese. Tendo mesmo a pensar que houve uma tentativa de fazer cair o governo através das instituições europeias, mas penso que essa fase está ultrapassada. O governo tem hoje a credibilidade necessária, há um ótimo entendimento entre o Presidente da República e o primeiro-ministro. A noção de estabilidade ajuda a criar condições políticas.
Mas admite que houve desconfiança face à reversão de medidas?
Acho que não.
Está nos relatórios da Comissão, que pedem cautela no ritmo de reversão.
Houve uma tentativa de influenciar a Comissão Europeia no sentido negativo. Sobre a questão dos salários da função pública, repeti a mesma argumentação várias vezes, junto de várias pessoas, porque o argumento era que estávamos a aumentar os salários da função pública. Tive oportunidade de explicar – eu e muitos outros colegas – que não aumentámos os salários da função pública, limitámo-nos a cumprir um princípio constitucional e uma decisão do Tribunal Constitucional, que aceitou aquela decisão do governo anterior como transitória até ao fim do memorando de entendimento. Este governo, e qualquer outro governo, teria de cumprir essa decisão mais ou menos depressa. Houve uma exploração junto das instituições europeias desse tipo de situações. A oposição procurou fragilizar o governo, houve a ideia de fazer oposição em instâncias europeias. Mas essas questões já foram desmistificadas.
Aproximamo-nos do referendo no Reino Unido. Que consequências pode ter?
Tem consequências nos dois casos, seja o Brexit ou o Bremain. É um desafio muito grande para a UE. Se o resultado for a permanência, o Reino Unido declarará que está interessado em continuar a ser Estado-membro e compete às instituições europeias desenvolverem o conjunto de propostas adotadas pelo Conselho Europeu [pacote de propostas aprovado em fevereiro para facilitar a permanência que dá ao Reino Unido um estatuto especial dentro da UE]. Isso é um desafio, porque há matérias sensíveis como a mobilidade de pessoas dentro do espaço europeu. No caso do Brexit será um caso original, porque não há procedimento definido. A resposta está no artigo 50 [do Tratado de Lisboa], mas claro que a questão não se esgota aí.
Vê algum risco de fragmentação da UE, de efeito de dominó?
É uma coisa que se tem discutido muito, mas as conversas que tenho tido com os meus colegas, relativamente aos países que podem ser mais sensíveis a esta questão, são no sentido de haver confiança que isso não aconteça. Isso é a análise e a ambição deles, mas evidentemente que nunca se poderá assumir por completo que o efeito de dominó nunca se colocará.
A secretária de Estado é das pessoas em Portugal que acompanham há mais tempo o processo europeu. Hoje, a Europa vive uma crise económica difícil de ultrapassar, a crise dos refugiados, o referendo do Reino Unido, sanções. Sente-se de alguma forma desiludida com a UE?
A Europa, hoje, é diferente. O alargamento tornou a Europa diferente. Aliás, António Costa dizia no seu discurso que os dez países da Europa central e de leste estavam muito felizes e tudo fizeram para entrar, e depois foram os principais críticos da entrada na UE de outros países e cidadãos. Devo dizer que um dos exercícios que tenho feito ultimamente é identificar momentos de crise e como é que se saiu dessas crises. Um exemplo: há uns anos, no Natal, a Rússia decidiu bloquear o abastecimento de gás a alguns países da Europa central. Antes era um tabu falar em política europeia de energia, e foi em plena presidência britânica que foi aprovada a política europeia de energia. Outros exemplos: quando o Tratado Constitucional foi recusado pela França e pela Holanda e quando o Tratado de Lisboa foi recusado pela Irlanda. Todos nós, nessa fase, vimos que se estava a atravessar uma grande crise, e a UE conseguiu sempre sair dessas crises. E hoje vai conseguir sair desta crise? Está, de facto, confrontada com enormes desafios. Preocupa-me a evolução da opinião pública europeia e a capacidade de os líderes europeus e as instituições europeias agirem no sentido de que a UE seja algo que os cidadãos aceitem e na qual se sintam representados. Isto é um desafio muito grande, tudo o resto é negociação. Fala-se no Brexit: vai ter um impacto muito grande, qualquer que seja o resultado. Mas tudo o resto é negociação, é a capacidade de impor o que é essencial sobre o que é acessório.
Tem noção de que para um cidadão comum, num processo como o Banif – que tem a intervenção da Comissão Europeia e do BCE, mas a fatura é paga pelo Orçamento em Portugal –, essas entidades aparecem quase como inimputáveis?
As instituições têm de funcionar de forma a não porem em causa nem as democracias nacionais nem a democracia europeia. A relação entre as instituições europeias e os Estados-membros tem de ter este princípio de base, é fundamental. Isso leva em primeiro lugar ao respeito pela diversidade económica e política dos Estados-membros da UE. Da mesma forma, os Estados-membros têm de conciliar a defesa do interesse nacional com o objetivo europeu. O que está hoje em risco é a questão da relação entre as instituições europeias e o funcionamento das democracias nacionais. E uma vez identificado o fenómeno, é bom que a UE aja no sentido desse respeito. Mas é preciso realçar que as instituições europeias têm representações nacionais. Quem decide as coisas em Bruxelas não é Bruxelas, são os representantes dos Estados-membros nas instituições, os representantes das instituições – os ministros, os parlamentares europeus eleitos pelos Estados-membros. A Comissão tem o poder de iniciativa, mas os decisores são o Conselho e o Parlamento Europeu. uropeu, que decide. É evidente que o governo português e todos nós temos estado a usar todos os meios possíveis e normais para utilizar os nossos argumentos, em função da situação orçamental económica e financeira portuguesa, imaginando então que a Comissão recomenda sanções e que Portugal contra-
-argumenta.
E se nessa fase vos forem pedidas mais medidas de consolidação orçamental para que as sanções sejam retiradas? Por vezes, as negociações europeias parecem basear-se nisso.
Todos os cenários podem ser discutidos. Mas não estamos nessa fase nem nesse cenário.
Se houver sanções pode haver recurso ao Tribunal de Justiça da UE para contestar as sanções?
No acesso ao Tribunal de Justiça aplicam-se os procedimentos normais nessa matéria: de todas as decisões pode sempre haver recurso. Uma eventual decisão nesse sentido pode, assim, ser impugnada.
Nesta fase, que Estados-membros estão com Portugal e quais estão contra?
É muito difícil responder a essa questão dessa forma. Não é o momento apropriado para se falar em blocos. A perceção que tenho é que, hoje, essa questão não se coloca da mesma forma que se colocava em fevereiro com o Orçamento do Estado. Hoje, o sr. Juncker não se inibe de afirmar que é frontalmente contra a existência de sanções e claramente reconhece que isso seria trazer um novo problema para o interior da UE, e que a última coisa de que a UE precisa agora é de ter um novo problema.
A Alemanha vai ter uma palavra preponderante?
Neste momento, qualquer resposta nesse sentido é redutora. O que estamos a encontrar, na maior parte dos nossos interlocutores, é que há sensibilidade para o problema e um acompanhamento da evolução em Portugal. Junto de comissários, de países, sentimos alguma abertura para perceberem a importância do impacto político da questão. Por outro lado, nós não pedimos que as regras não sejam respeitadas. O que dizemos é que tem de haver uma interpretação flexível das regras. É isso que temos argumentado. Não pedimos a violação das regras, o que entendemos é que não se justifica a aplicação de sanções no quadro de uma interpretação flexível das regras, e essa flexibilidade é permitida pela evolução da própria situação económica e orçamental em Portugal. Não é uma flexibilidade gratuita.
O parlamento português aprovou dois documentos a condenar as sanções. Na prática, para que vão servir? Vão enviá-los ou debatê-los em fóruns europeus específicos?
Estamos num tempo em que não é preciso enviá-los para serem conhecidos.
Basta que se escrevam notícias sobre isso?
Exatamente (risos). Basta que a notícia apareça. Pessoalmente, gostaria mais que houvesse um só documento. É uma questão de interesse nacional para o país, para os portugueses. É natural que nos empenhemos em que não haja sanções a Portugal. E a decisão do parlamento é útil, tem sempre um valor importante sobre a opinião de um Estado-
-membro.
Como sente hoje a perceção do governo português? Quando o PS assumiu funções e houve as negociações atribuladas do OE, parecia haver reticências face a um partido de esquerda com acordos com partidos ainda mais à esquerda.
O formato de governo que temos em Portugal, em que o primeiro-ministro sai do segundo partido mais votado, em que há uma base parlamentar à esquerda, existe noutros países. Muitos governos funcionaram assim. No Luxemburgo, por exemplo, o partido mais votado foi o do sr. Juncker e o sr. Juncker não foi primeiro-ministro. O mesmo aconteceu na Dinamarca – o anterior governo dinamarquês tinha apoio de partidos mais à esquerda – e noutros países, como Chipre. O apoio de partidos mais à esquerda ou um governo com maioria parlamentar é normal no funcionamento dos sistemas democráticos e constitucionais dos Estados-membros da UE. O que houve nessa fase foi uma tentativa de explorar o facto de o governo ter tido esta criação, esta génese. Tendo mesmo a pensar que houve uma tentativa de fazer cair o governo através das instituições europeias, mas penso que essa fase está ultrapassada. O governo tem hoje a credibilidade necessária, há um ótimo entendimento entre o Presidente da República e o primeiro-ministro. A noção de estabilidade ajuda a criar condições políticas.
Mas admite que houve desconfiança face à reversão de medidas?
Acho que não.
Está nos relatórios da Comissão, que pedem cautela no ritmo de reversão.
Houve uma tentativa de influenciar a Comissão Europeia no sentido negativo. Sobre a questão dos salários da função pública, repeti a mesma argumentação várias vezes, junto de várias pessoas, porque o argumento era que estávamos a aumentar os salários da função pública. Tive oportunidade de explicar – eu e muitos outros colegas – que não aumentámos os salários da função pública, limitámo-nos a cumprir um princípio constitucional e uma decisão do Tribunal Constitucional, que aceitou aquela decisão do governo anterior como transitória até ao fim do memorando de entendimento. Este governo, e qualquer outro governo, teria de cumprir essa decisão mais ou menos depressa. Houve uma exploração junto das instituições europeias desse tipo de situações. A oposição procurou fragilizar o governo, houve a ideia de fazer oposição em instâncias europeias. Mas essas questões já foram desmistificadas.
Aproximamo-nos do referendo no Reino Unido. Que consequências pode ter?
Tem consequências nos dois casos, seja o Brexit ou o Bremain. É um desafio muito grande para a UE. Se o resultado for a permanência, o Reino Unido declarará que está interessado em continuar a ser Estado-membro e compete às instituições europeias desenvolverem o conjunto de propostas adotadas pelo Conselho Europeu [pacote de propostas aprovado em fevereiro para facilitar a permanência que dá ao Reino Unido um estatuto especial dentro da UE]. Isso é um desafio, porque há matérias sensíveis como a mobilidade de pessoas dentro do espaço europeu. No caso do Brexit será um caso original, porque não há procedimento definido. A resposta está no artigo 50 [do Tratado de Lisboa], mas claro que a questão não se esgota aí.
Vê algum risco de fragmentação da UE, de efeito de dominó?
É uma coisa que se tem discutido muito, mas as conversas que tenho tido com os meus colegas, relativamente aos países que podem ser mais sensíveis a esta questão, são no sentido de haver confiança que isso não aconteça. Isso é a análise e a ambição deles, mas evidentemente que nunca se poderá assumir por completo que o efeito de dominó nunca se colocará.
A secretária de Estado é das pessoas em Portugal que acompanham há mais tempo o processo europeu. Hoje, a Europa vive uma crise económica difícil de ultrapassar, a crise dos refugiados, o referendo do Reino Unido, sanções. Sente-se de alguma forma desiludida com a UE?
A Europa, hoje, é diferente. O alargamento tornou a Europa diferente. Aliás, António Costa dizia no seu discurso que os dez países da Europa central e de leste estavam muito felizes e tudo fizeram para entrar, e depois foram os principais críticos da entrada na UE de outros países e cidadãos. Devo dizer que um dos exercícios que tenho feito ultimamente é identificar momentos de crise e como é que se saiu dessas crises. Um exemplo: há uns anos, no Natal, a Rússia decidiu bloquear o abastecimento de gás a alguns países da Europa central. Antes era um tabu falar em política europeia de energia, e foi em plena presidência britânica que foi aprovada a política europeia de energia. Outros exemplos: quando o Tratado Constitucional foi recusado pela França e pela Holanda e quando o Tratado de Lisboa foi recusado pela Irlanda. Todos nós, nessa fase, vimos que se estava a atravessar uma grande crise, e a UE conseguiu sempre sair dessas crises. E hoje vai conseguir sair desta crise? Está, de facto, confrontada com enormes desafios. Preocupa-me a evolução da opinião pública europeia e a capacidade de os líderes europeus e as instituições europeias agirem no sentido de que a UE seja algo que os cidadãos aceitem e na qual se sintam representados. Isto é um desafio muito grande, tudo o resto é negociação. Fala-se no Brexit: vai ter um impacto muito grande, qualquer que seja o resultado. Mas tudo o resto é negociação, é a capacidade de impor o que é essencial sobre o que é acessório.
Tem noção de que para um cidadão comum, num processo como o Banif – que tem a intervenção da Comissão Europeia e do BCE, mas a fatura é paga pelo Orçamento em Portugal –, essas entidades aparecem quase como inimputáveis?
As instituições têm de funcionar de forma a não porem em causa nem as democracias nacionais nem a democracia europeia. A relação entre as instituições europeias e os Estados-membros tem de ter este princípio de base, é fundamental. Isso leva em primeiro lugar ao respeito pela diversidade económica e política dos Estados-membros da UE. Da mesma forma, os Estados-membros têm de conciliar a defesa do interesse nacional com o objetivo europeu. O que está hoje em risco é a questão da relação entre as instituições europeias e o funcionamento das democracias nacionais. E uma vez identificado o fenómeno, é bom que a UE aja no sentido desse respeito. Mas é preciso realçar que as instituições europeias têm representações nacionais. Quem decide as coisas em Bruxelas não é Bruxelas, são os representantes dos Estados-membros nas instituições, os representantes das instituições – os ministros, os parlamentares europeus eleitos pelos Estados-membros. A Comissão tem o poder de iniciativa, mas os decisores são o Conselho e o Parlamento Europeu.