Maniche vai a França.
Não para jogar, infelizmente, apenas para ver jogar Portugal.
Maniche tem uma história ímpar na seleção. Aquele golo contra a Holanda em 2004?!!! Há quem o esqueça? Quanto muito há quem ainda não o lembre… Estávamos em Alvalade. 13 minutos da segunda parte. Meia-final do Campeonato da Europa. E então aconteceu! Que pontapé tonitruante! A bola entrou lá em cima, no canto. Entrar é forma de expressão. Um absoluto feminismo. A bola detonou-se! Crepitou! Relampejou! Trovejou!
Ainda há muita gente a falar-te desse golo, não há?
Sim. É natural. Foi importante. E muito bonito…
Descreve-o lá, se fazes favor.
Olha! O que te digo é que foi completamente intencional. E isso vê-se nas imagens, na forma como debruço o corpo para a frente. A minha vontade era marcar golo, mas admito que foi mais bonito do que imaginava…
Nunca tive dúvidas dessas tuas intenções. Recebeste um passe do Ronaldo…
Isso. Ele toca, num canto, de forma muito rápida, e eu chutei com muita força e colocado. Também beneficiei do facto de o Davids ter deixado aquele poste junto ao qual se posicionava nesses lances. Foi aí mesmo que a bola entrou.
A bola entrou: outro feminismo…
O homem parecia possesso. Sentiu-se uma explosão como a da ilha de Krakatoa. Ouviu-se em Timbuktu. Ouviu-se em Júpiter. E não me contradigam. Vão a Júpiter e ouçam o eco que ainda por lá ecoa. E já se passaram doze anos, quem diria?
Foi o golo mais bonito da tua carreira?
Sim. E foi numa meia-final de um Campeonato da Europa. O mundo inteiro a ver. Votado pelos espetadores como um dos golos mais bonitos de sempre em Europeus. Ainda hoje sou convidado para fazer anúncios e entrar em campanhas publicitárias por causa desse golo, o que demonstra bem a importância que ele teve.
E levas umas palmadas nas costas…
Pois. E de gente de todos os clubes, o que ainda é mais bonito. Benfiquistas, sportinguistas, portistas: toda a gente de todas as cores. Por isso é que jogar na seleção é diferente.
Acabas de chegar de Madrid…
Onde fiz um anúncio. E onde me voltaram a falar desse golo.
Foi exatamente ao minuto 58. Era de tirar uma fotografia ao minuto e colocá-la na parede da sala ao lado da fotografia do golo.
O ambiente desse Euro-2004 foi único! Nunca mais se repete, pois não?
Acho que não há maneira. Era fantástico! Todo aquele mar de gente seguindo o autocarro. Os barcos no Tejo a apitar. Campinos a cavalo. A alegria das pessoas nas ruas. A nossa alegria dentro de campo e nos treinos. Havia um ambiente único e que não se repete. Maravilhoso! Pena a derrota na final…
Já lá ia. Mas ainda há mais a recordar desse Campeonato da Europa…
Era um grupo unido, coeso. Tu bem sabes, também estiveste lá. Havia uma grande relação de confiança com toda a gente. E sobretudo havia dois ou três mais velhos, como o Fernando Couto, o Figo ou o Rui Costa, que auxiliavam os mais novos. Para mim, foi a melhor seleção de sempre. Grandes jogadores, grandes homens de caráter, sentido competitivo enorme. Todos dávamos tudo o que tínhamos. E sentíamos que todo o nosso esforço era muito valorizado, não apenas pelos responsáveis, mas sobretudo por parte dos adeptos que nos tratavam de uma forma carinhosa e amiga em qualquer lugar onde fôssemos.
Estás a falar com saudades na voz…
Claro! Claro que sim! Tantas saudades desse tempo bom! Quando deixei de jogar e comecei a pensar no que tinha vivido durante a carreira; nos grandes jogos, nas emoções que partilhámos. Mas não sou pessoa que goste de viver no passado, prefiro viver o presente de forma intensa. O presente tem de ser visto desta forma: todos os que viveram o Euro-2004 por dentro da Seleção Nacional ficaram amigos até hoje.
E sentes-te recompensado?
É a palavra exata! Consciência de dever cumprido, de ter dado tudo de mim. Pus um ponto final na carreira quando senti que as coisas do dia a dia começavam a cansar-me. Que já não tinha o mesmo prazer nos treinos, nos estágios. Era preciso mudar de vida e mudei. Como te disse, não vou viver amarrado ao passado.
E agora? O que tens andado a preparar?
Temos feito, eu e o Costinha, que funcionámos como uma dupla em alguns projetos, cursos de treinador. Estamos a frequentar um na Escócia que é muito completo. Tentamos ganhar conhecimentos, ficar mais preparados para a nova carreira. Tenho sido chamado pela UEFA para alguns acontecimentos…
Tais como?
Agora vou estar na fase final do Campeonato da Europa como “embaixador”, presente em alguns jogos para promoções e para escolha dos melhores jogadores em campo, melhores golos e por aí fora. Mantém-me em contacto com outros jogadores que também já acabaram a carreira e dos quais nos distanciamos naturalmente.
Quando te temos de volta aos campos de futebol?
Em breve haverá novidades… Vamos dar um passo em frente…
Tu e o Costinha?
Sim. Ambos nesta ideia que temos ambos para um clube. Ainda há pouco tempo tivemos a oportunidade de fazer um estágio com o Mourinho para acrescentarmos algo aos nossos conhecimentos de facto. Estamos sempre a aprender e isso só nos pode ser útil…
Vais a França ver que jogo?
Para já, dia 14 estarei em Saint-Étienne para o Portugal-Islândia.
O Campeonato da Europa de França está a entrar-nos pela porta dentro. Em redor da Seleção Nacional dividem-se os espíritos otimistas e pessimistas dos portugueses, que são como os alcatruzes das noras amarrados a pescoços de mulas velhas, subindo e descendo, subindo e descendo, sempre à roda e sempre à roda.
Fernando Santos, o selecionador, não teve medo em impor-se como um dos candidatos ao título. Atrevimento?, perguntaram logo certas vozes desconfiadas. Excesso de confiança, talvez, numa equipa que ainda não provou estar no topo do mundo apesar de ter Cristiano Ronaldo, o homem de quem todos falam.
A bola estará aí para provar de que lado estava a razão. É redonda e não mente… Pelo menos, geralmente não mente, se não for empurrada por apitos manhosos – este Europeu tem lugar em França e a França tem um currículo danado para circunstâncias iguais.
Nuno Ricardo de Oliveira Ribeiro: por extenso Maniche. Toda a gente conhece já a história da alcunha. Do cabelo comprido e loiro igual ao outro Maniche, ao do gigante que veio da Dinamarca no tempo de Sven-Göran Eriksson e dos jogadores altos e ruços.
Maniche, Nuno Ribeiro, não esconde a sua confiança:
Acho sinceramente que tempos equipa para chegar longe. A fasquia foi posta lá no alto pelo selecionador, mas ele saberá bem melhor do que nós por que o fez. Vamos para a fase final com um objetivo claro e proposto pelo líder: ganhar! Agora, claro que olhamos para equipas como a Alemanha, a Espanha, a Itália ou a França, que ainda por cima joga em casa, e temos de reconhecer que possuem mais alternativas, grupos mais equilibrados de jogadores. Veremos… Sinto uma seleção com vontade, com jogadores famosos nos campeonatos de todo o mundo e outros mais jovens com ganas de surgirem no topo…
Qual é a principal virtude que apontas a esta Seleção Nacional?
A principal virtude é ter o melhor jogador do mundo, claro! Desde que o Cristiano Ronaldo esteja bem, Portugal pode ambicionar a tudo! Ele é o melhor! Depois, há outros jogadores de categoria que andam em provas como esta há muitos anos. Isso só pode ser positivo e fazer com que o grupo todo reforce a crença numa participação excecional. Há uma força mental grande nesta seleção! Talvez sirva para que se superem nos momentos decisivos se souberem usar as qualidades que têm nos momentos certos.
Há algum jogador nesta equipa que se pareça contigo?
Faço a pergunta e fico a pensar que, muito provavelmente, Nuno Ribeiro, dito Maniche, foi o jogador mais forte e mais completo de Portugal nas fases finais do Euro-2004 e do Mundial-20006. O que ele fez em Portugal e na Alemanha foi de arromba. Um robustíssimo talento, diria o bom do Alencar. Não vou dizer-lhe isso agora que ele, como amigo que é, não precisa que lhe puxem o brilho à sotaina, mas macaqueei na ideia enquanto o ouvia responder
É difícil! Sobretudo para mim, entrar em comparações. Diria que não há nenhum exatamente com as minhas características, mas acrescento que era muito, mas muito mais fácil jogar com aqueles dois que jogavam atrás de mim e à minha frente – Costinha e Deco. Um luxo! A vida tornava-se bem mais confortável. Agora, entre todos os que estão selecionados, talvez o mais parecido com o meu estilo de jogo seja o João Moutinho. Diferente, mas mais próximo daquilo que eu era. Opinião minha, claro está! Modéstia à parte… não há nenhum igual a mim. Também gosto do Adrien, tem coisas muito boas de quem joga entre um 6 e um 8. Mas não o considero muito próximo do meu estilo de jogador.
Quem melhor para falar de Maniche sem ser Maniche? Bem, só se forem o Costinha e o Deco.
Quem marca um golo como aquele não está sujeito às regras da modéstia.
Prossiga a conversa…
Aquilo que não queremos é mais Grécias, não é? Tivemos a nossa conta disso.
Ainda hoje não percebo o que se passou.
Foi terrível! Perder aquele jogo em casa, quando era o desafio mais importante das nossas vidas, não podia acontecer…
Mas aconteceu!
Pois foi… A derrota de uma geração inteira! Falamos desse jogo entre nós, de tempos a tempos, quando nos encontramos, e temos muita, mas muita dificuldade para encontrar as verdadeiras razões da derrota… Há coisas que não conseguimos resolver dentro das nossas cabeças.
Eles marcaram um golo e nós não.
Basicamente, tudo se resume a isso. A partir de certa altura já jogávamos com seis jogadores sobre a grande área deles e nada… Fechavam-se, o tempo ia passando, nós não marcávamos. Uma ansiedade começou a tomar conta de nós… Custa recordar esse jogo, essa derrota. Custa muito!
Não houve alegria no País Triste nessa noite portuguesa. 4 de Julho.
A tristeza não está nas coisas, está em nós, dizia Wagner.
Portugal em calções: Portugal que não se encontrou em si mesmo.
Foi a maior frustração da tua carreira?
Foi. Jamais imaginei que tal fosse acontecer. Nenhum de nós imaginou. Mas é assim mesmo, o futebol. Nem sempre ganham os melhores…
E Portugal era o melhor?
Era! Não tenho dúvidas sobre isso! Portugal provou durante o Europeu e, logo a seguir, no Mundial da Alemanha, que era o melhor. Aquilo que fizemos, a qualidade do jogo que apresentámos, os adversários que derrotámos, tudo contribui para ter esta ideia e não vou recusá-la. Portugal era melhor, jogou melhor, foi melhor do que a Grécia na final, mas não ganhámos. Logo em seguida fomos às meias-finais do Campeonato do Mundo e a Grécia nem se apurou para a fase final. Fomos a única equipa a estar nas meias-finais das duas competições. Mas não ganhámos… É isto!
Uma terrível desilusão em todos menos nos gregos.
A tarde a cair sobre a cidade e o tempo parado sobre as colinas.
Como se o arco íris perdesse, de repente, uma das suas cores…
Foi algo de inesquecível…
Foi inesquecível! É inesquecível! Está marcado profundamente em todos nós. Foi dos momentos mais bonitos que todos os portugueses viveram!
Nem todos, nem todos. Conta-se que havia quem abrisse garrafas de champanhe para comemorar a vitória dos gregos… Gente nascida e criada em Portugal.
Enfim, já passou.
Agora é outra vez tempo de acreditar. E muito, pelos vistos.
Estás de acordo com o discurso de Fernando Santos? Que temos de ir para o Europeu com a ideia de vencer a prova?
Completamente! Temos de nos assumir! Temos de ser ambiciosos! Vamos com os pés no chão, conscientes de que é difícil, mas que temos o melhor jogador do mundo e que é possível fazermos algo de único. Estou ao lado de Fernando Santos. Somos bons, precisamos de confiar nas nossas capacidades. E confiando no que podemos fazer, por que não dizê-lo? Não temos de ficar escondidos, a sonhar. Podemos ganhar. Qualquer um, em qualquer país, reconhece isso. Falta reconhecermos nós mesmos.
Pode ser que não seja um ponto final. Que estejamos só a abrir um novo parágrafo de uma história bonita.