Idalécio Oliveira ficou conhecido nos últimos meses por ser um dos portugueses envolvidos na teia dos Papéis do Panamá. Mas a sua fortuna, empresas e relações menos claras com a cúpula da política brasileira há muito que eram investigadas pelos procuradores da Operação Lava Jato. Ontem foi acusado por corrupção ativa e branqueamento de capitais e o juiz Sérgio Moro já aceitou a promoção do Ministério Público. O homem de Vouzela “é o primeiro português réu” no megaprocesso do Brasil, confirmou ao i fonte do MP daquele país.
Em causa estão suspeitas de pagamento de luvas de 10 milhões de dólares ao presidente da Câmara dos Deputados afastado, Eduardo Cunha, com o objetivo de vender uma parte de um campo de petróleo à companhia estatal brasileira Petrobras. Além de Idalécio, foi acusada Cláudia Cruz, mulher de Eduardo Cunha, Jorge Luiz Zelada, ex–diretor da área internacional da Petrobras, e João Rezende Henriques, intermediário das luvas ligado ao PMDB (partido de Cunha).
O processo corria até há pouco tempo em Brasília, no Supremo Tribunal Federal, uma vez que envolvia um político, mas a justiça entendeu que deveria ser desmembrada a parte relativa aos familiares (filha e mulher) de Eduardo Cunha e enviada para Curitiba, uma vez que estas não beneficiavam do chamado foro de privilégio.
O esquema que envolvia Idalécio A acusação da equipa do MP de Curitiba considera que a petrolífera CBH, controlada por Idalécio, vendeu à Petrobras um campo de petróleo no Benim, em África, por 34,5 milhões de dólares. O dinheiro, segundo os investigadores, entrou a 3 de maio de 2011 na conta da CBH e nesse dia é feita uma transferência de 31 milhões de dólares da CBH para a Lusitania Petroleum (a sociedade de Idalécio que detinha a CBH).
Dois dias depois, a partir da conta da Lusitania, é feito o pagamento das luvas: 10 milhões de dólares para a offshore Acona, de João Augusto Rezende Henriques, “operador do PMDB” – ou seja, perto de um terço do valor que tinha saído da Petrobras regressava assim à esfera de um cidadão brasileiro ligado a Cunha e ao PMDB.
Os dez milhões não tinham, porém, como destinatário final Rezende Henriques, mas sim quem tinha viabilizado tal investimento (que viria a revelar-se ruinoso para a Petrobras). Foi nessa sequência, defende a acusação, que em junho de 2011 parte do dinheiro – cerca de 1,5 milhões de dólares – saiu da Acona para a offshore Orion SP, controlada por Eduardo Cunha.
“Para dar continuidade ao estratagema criminoso e dificultar a identificação dos recursos ilícitos por parte das autoridades, em 11 de abril de 2014, a offshore Orion SP repassa para a conta Netherton, cujo beneficiário final também era Eduardo Cunha, 970 261,34 mil francos suíços e 22 608,37 (euros). Na sequência, em agosto de 2014 houve a transferência de US$ 165 mil da conta Netherton para a offshore Köpek, em nome de Cláudia Cruz”, esclarece a investigação.
A investigação defende, por isso, que “as contas de Eduardo Cunha escondidas no exterior eram utilizadas para, em segredo, a fim de garantir sua impunidade, receber e movimentar propinas [luvas], produtos de crimes contra a administração pública praticados pelo deputado hoje afastado da presidência da Câmara”. Ainda assim, Cunha não é visado nesta parte do processo, uma vez que o seu tem de correr junto do Supremo.
Dos dez milhões de dólares pagos pela empresa de Idalécio – tirando os 1,5 milhões que acabaram na esfera de Eduardo Cunha – sobraram ainda 8,5 milhões. Dinheiro que “foi distribuído para diversas outras offshores cujos beneficiários ainda não foram identificados, havendo suspeitas de que outros agentes públicos receberam propinas nessa operação”.
Críticas da investigação Os investigadores criticam duramente o nível de corrupção na Petrobras, referindo que as provas “indicam a existência de um quadro de corrupção sistémica encravado em praticamente todos os contratos da Diretoria Internacional da estatal, sendo que o pagamento de [luvas] era a verdadeira ‘regra do jogo’”.
Explicam ainda que “Eduardo Cunha e Cláudia Cruz se beneficiaram de recursos públicos que foram convertidos em bolsas de luxo, sapatos de grife [marca] e outros bens de uso privado”.
Além da prisão preventiva para João Augusto Rezende Henriques, o MP promoveu que o Estado brasileiro fosse reparado em 10 milhões de dólares.