Na passada semana, a Comissão Europeia (CE) divulgou uma comunicação com um título cabalístico: “Uma agenda europeia para a economia colaborativa”. O connaisseur dos mistérios da União Europeia (UE) constatará que não estamos perante uma iniciativa legislativa, uma proposta de regulamento ou mesmo de diretiva, nem sequer uma promessa de iniciativa legislativa (um livro verde, um livro branco ou uma mera consulta aos interessados).
O que seja a economia colaborativa é algo que a CE não explica, limitando-se a colecionar realidades que têm em comum o recurso às novas tecnologias e a novidade na forma de desenvolver uma atividade económica. Todos conhecemos fenómenos de benemerência organizada em torno da economia social nos quais podemos altruisticamente participar doando horas de trabalho associadas às nossas competências, horas que beneficiarão aqueles que em condições normais não disporiam dos meios económicos para delas beneficiarem. Ou, numa fórmula que procura evitar o recurso à moeda e à diferenciação do trabalho, posso trocar uma hora da minha competência como docente por uma hora da competência de um canalizador.
A par dos fenómenos da economia social surgem fenómenos de atividade económica organizada, com um propósito de lucro e que, mesmo tendo nascido à sombra da colaboração desinteressada entre privados, movimentam, com recurso a plataformas comerciais na internet, fluxos financeiros muito significativos. A informalidade e o comércio eletrónico vão de par com a possibilidade de a economia colaborativa se furtar ao cumprimento das obrigações fixadas pelos Estados (e pela UE) em áreas tão importantes como os direitos dos trabalhadores, dos consumidores, as contribuições para a Segurança Social, a fiscalidade e a proteção de dados. Estão aqui presentes os problemas conhecidos no comércio eletrónico, associados ao relacionamento direto entre consumidores e fornecedores de bens e serviços que se caracterizam (ou querem manter essa aparência) como não profissionais. Não seriam comerciantes, seriam meros particulares que, mediante remuneração, prestariam serviços a outros particulares.
E sempre existirão burlões que, abusando do bom coração alheio, promovem falsos peditórios e recolhas de fundos. Imagine o leitor o que não poderia acontecer com um crowdfunding alojado numa plataforma eletrónica na “deep internet”. Felizmente, a Comissão de Mercado dos Valores Mobiliários vela por nós e regulou recente e miudamente o tema.
Mas o que se propõe fazer a CE em matéria de economia colaborativa? Na comunicação, recorda as liberdades previstas nos tratados e a necessidade de defender o mercado interno, o que, por junto e neste particular, se reconduz à defesa da liberdade de empresa. No outro prato da balança coloca o respeito que merecem os direitos dos trabalhadores e dos consumidores e o cumprimento das obrigações fiscais. Poderia também ter recomendado a prática de desporto e uma alimentação saudável, mas o texto da comunicação corria o risco de ficar longo.
Confrontada com as consequências, muitas vezes abusivas, das práticas económicas associando o comércio eletrónico e as redes sociais, a CE “comunicou” umas generalidades e sentiu-se desobrigada de intervir numa matéria em que a realidade económica e regulatória dos 28 Estados da UE é díspar, não contribuindo as assimetrias regulatórias para o bom funcionamento do mercado interno. Como diria Juncker em causa própria: “Parce que c’est la Commission.”
Escreve à sexta-feira