Secretária de Estado do Turismo. “Alojamento local está longe da saturação”

Secretária de Estado do Turismo. “Alojamento local está longe da saturação”


Ana Mendes Godinho considera que o alojamento local é uma oferta alternativa e põe Portugal no mapa dos destinos turísticos


Para a secretária de Estado do Turismo, é necessário promover mais o mercado interno. Daí ter apelado aos portugueses para fazerem férias em Portugal, mas acredita que a reposição dos quatro feriados veio dar um empurrão a esta atividade. Ana Mendes Godinho defende que é necessário combater a sazonalidade, promover o emprego e a qualificação da mão-de-obra e aumentar o rendimento para os trabalhadores do turismo, que está 37% abaixo da média nacional.

Quais são os grandes desafios do turismo para esta década?

O nosso grande objetivo é estabilizar uma estratégia partilhada com todos os stakeholders envolvidos no turismo e não só. Quisemos lançar essa discussão a toda a sociedade, a toda a economia, a todos os agentes que de alguma forma, direta ou indiretamente, têm influencia no turismo, mas também à própria comunidade em si, porque se queremos que o turismo seja uma atividade geradora de riqueza e de emprego em Portugal, é preciso que todos estejamos mobilizados e envolvidos e que assumamos aqui compromissos. Um dos objetivos desta estratégia é olharmos todos para aquilo que queremos que o turismo seja daqui a 10 anos e concentrarmos esforços no sentido comum.

Para não haver dispersão?

Para não haver dispersão e para que seja um bocadinho chapéu das várias políticas setoriais. Os números do turismo são bastante positivos: é o maior setor exportador nacional, representa 15,3% das exportações nacionais, representa 8,2% do emprego em Portugal. Este ano estamos a ter um crescimento muito significativo em termos de procura turística, registámos um crescimento na ordem dos dois dígitos no primeiro trimestre e as perspetivas para o resto do ano são muito positivas, nomeadamente no que diz respeito a reservas que já foram feitas.

Há ainda muito a fazer?

Sim, estes números não nos podem deixar descansados nem podemos baixar os braços. Deixam-nos bastante confiantes, no sentido em que Portugal conseguiu afirmar-se como um país de destino turístico quer europeu quer mundial, resultado daquilo que tem sido feito ao longo dos últimos 10 anos. Tivemos, de facto, uma evolução muito significativa da qualificação de Portugal enquanto destino turístico, não só ao nível do espaço público como também em termos de hotéis, de inovação dos produtos turísticos, de animação e de empreendedorismo de atividades que têm surgido. É isto que nos tem permitido afirmar Portugal enquanto país inovador, autêntico, mas também um país que surpreende as pessoas de forma positiva.

E já sente essa recetividade?

Há cerca de duas semanas saiu um estudo de um operador alemão em que os turistas alemães identificam Portugal como destino de topo em dois aspetos: pela singularidade e pela autenticidade. Ou seja, temos tido a capacidade, ao longo destes últimos anos, de aproveitar os nossos recursos próprios e as nossas tradições e de os transformar em alguma coisa inovadora, que deixa as pessoas muito surpreendidas.

Então porque é necessário apresentar esta estratégia a 10 anos?

Porque apesar de tudo isto, a verdade é que continuam a existir alguns fatores que precisam de ser trabalhados se queremos que o turismo seja uma atividade sustentável em todo o país e ao longo de todo o ano, para que não seja uma coisa sazonal ou uma atividade que se concentre apenas no litoral. Por exemplo, em 2015 atingimos o maior índice de litoralização de concentração de atividade, na ordem dos 90%, e ficamos preocupados com o que se está a passar com o resto do país. Também a nível da sazonalidade atingimos 39%, o que é um índice bastante elevado e que revela a grande concentração de atividade nos grandes períodos de época alta, principalmente no verão. E apesar do peso muito importante ao nível do emprego, nos últimos cinco anos perdemos cerca de 12% dos postos de trabalho.

Porque é que isso aconteceu, já que assistimos ao crescimento do setor?

Tivemos crescimentos elevados em termos de procura turística, em termos de dormidas e de receitas, mas ao nível do emprego registou-se um grande decréscimo nos últimos anos. Isso deveu–se à situação de asfixia financeira de muitas empresas do turismo, nomeadamente a restauração, que tem um grande peso em números de empresas do turismo. Em 2015 atingiu-se o rácio mais baixo de autonomia financeira ao fixar-se nos 0,22%, e isso deixa-nos preocupados. O que muitos restaurantes fizeram foi adaptar-se ao estrangulamento financeiro em que estavam e sacrificaram muitas vezes o que podiam sacrificar, que era o quadro de pessoal: reduziram-no e com algum prejuízo na qualidade do serviço. Não quer dizer com isto que a atividade turística não esteja bem, está bem, mas pode estar melhor.

O que pode ser feito para mudar?

É neste momento que está bem que temos oportunidade de aprofundar e de trabalhar sobre os fatores críticos de suporte que podem mudar o que é o paradigma do que é o turismo em Portugal. Este ano já começámos a sentir o efeito de arrastamento da própria procura por Portugal, ou seja, há muitas regiões a beneficiarem desse aumento da procura. Desde o início assumimos uma grande preocupação com o financiamento das empresas turísticas e já lançámos vários instrumentos de apoio às empresas no sentido de ajudar a reforçar a capacidade de investimento e de autonomia financeira.

Uma das medidas passa por promover o emprego e a qualificação da mão-de-obra, e aumentar o rendimento desses trabalhadores…

Todas estas fragilidades estão muito associadas à debilidade e à asfixia financeira que as empresas tiveram ao longo dos anos e também pela necessidade de aumentar a rentabilidade das empresas e do valor da oferta. Só em 2015 é que as empresas conseguiram chegar aos valores do rendimento por unidade de alojamento que tinham em 2007, ou seja, temos aqui um grande trabalho a desenvolver para que as empresas tenham rentabilidade no seu negócio, porque só empresas rentáveis é que conseguem empregar mais e pagar mais. A nossa estratégia ao nível dos recursos humanos é claramente a qualificação das pessoas e uma grande aposta na formação, tentando cada vez mais uma aproximação entre aquilo de que o mercado está a precisar e aquilo que as escolas estão a formar. Tem de haver aqui uma grande aproximação para que as pessoas que estão a ser formadas sejam úteis ao mercado, e que o mercado também reconheça a qualificação dessas pessoas.

Vai ser disponibilizado um fundo de 60 milhões de euros para qualificar a oferta do setor. Esta verba é apenas para capitalizar as empresas?

Este fundo tem como objetivo apoiar o investimento na qualificação da oferta turística e estou a falar de oferta de alojamento, da restauração e de animação turística – no fundo, de tudo o que enriquece os destinos turísticos. Há uma grande aposta na requalificação do que já temos.

A redução do IVA pode ajudar essas empresas?

Permitirá certamente dar alguma folga ao nível financeiro das empresas de restauração, o que lhes permitirá também recompor um bocadinho os seus quadros de pessoal para poderem melhorar a sua qualidade de serviço. O que temos neste momento de garantir é que este momento bom que vivemos seja um momento para viciar e fidelizar as pessoas a voltarem a Portugal.

Mas continua a existir oferta a mais em relação à procura. A explosão do alojamento local não veio prejudicar ainda mais esta situação?

O alojamento local trouxe concorrência e este ano vão abrir muitos hotéis, o que demonstra a confiança dos investidores em continuarem a investir em Portugal. Tenho recebido muitos investidores que procuram oportunidades e acreditam em Portugal como um destino de futuro. Isso significa que o alojamento local não assusta as pessoas, temos é de arranjar os tais argumentos para que as pessoas estejam cá mais tempo.

Um turista que procura o alojamento local tem um perfil diferente…

É uma oferta complementar e que responde a necessidades diferentes, e são estas duas necessidades que põem Portugal no mapa.

Berlim proibiu recentemente o funcionamento de algumas plataformas de alojamento local. Corremos esse risco?

Não, estamos longe de estar em situações extremas ou perto da saturação. Até pelo contrário: o turismo tem demonstrado uma capacidade de dar vida às nossas cidades que mais nenhuma atividade tem conseguido demonstrar. Por isso é que queremos crescer ainda mais, não tenhamos dúvidas disso e queremos crescer ainda mais em valor.

Há quem se queixe de turismo a mais…

Digo sempre que isso é ótimo e vamo-nos comparar com Roma, Paris ou Barcelona. Estamos a anos-luz do turismo de qualquer uma destas cidades, até em termos de rácio de presença de turistas face a residentes. Olhemos para aquilo que eram os centros históricos de Lisboa ou do Porto há dez anos e vejamos a capacidade que o turismo teve de requalificar e dar vida às nossas cidades, que é isso que queremos. É claro que é preciso encontrar formas de equilíbrio, isso também faz parte das dores de crescimento de qualquer destino. Mas esse equilíbrio vai-se encontrando naturalmente. O turismo mostra uma cidade com vida e é isso que atrai as pessoas. Temos é de ser inteligentes na forma como gerimos todos estes movimentos.

Há pouco falou no problema da sazonalidade. O que se pode fazer para a reduzir?

Temos de encontrar formas para mobilizar as pessoas a irem para os vários destinos portugueses ao longo de todo o ano e isso faz–se através da diversificação de produtos. Portugal é muito conhecido pelo produto sol e praia, e sem dúvida que esse será sempre o nosso produto core, mas cada vez mais temos de diversificar e aproveitar tudo o resto que nós temos como uma forma de atrair as pessoas para conhecerem Portugal todo o ano.

Como poderão ser atraídos?

Através de eventos desportivos, estágios desportivos, turismo natureza, turismo cultural, enoturismo e gastronomia, ou seja, produtos que podem ser comercializados ao longo de todo o ano. Só é preciso estruturá-los e dar-lhes dignidade.

E o nosso clima ajuda…

Temos um clima de atração fantástico e a vantagem de ter uma diversidade concentrada porque, em muito pouco tempo, o turista em Portugal consegue andar de bicicleta, visitar um palácio ou um museu, assistir a um concerto ou ir a uma adega ou uma praia. Pode fazer tudo isto num raio de quilómetros que, para destinos europeus, é muito pequeno.

Está prevista a entrada em novos mercados?

Estamos sempre atentos ao que se está a passar em termos de procura. É indiscutível que temos de manter os principais mercados, que são os mercados europeus de proximidade e os mais fortes, como Espanha, França, Reino Unido, Alemanha, mas não podemos estar dependentes destes mercados. É preciso diversificar e estarmos atentos aos movimentos da procura. Neste momento estamos a fazer uma grande aposta no mercado americano porque é um mercado que viaja durante todo o ano e com uma grande capacidade de gastar no destino, mas também na China, onde estamos a apostar com esta grande vertente de diversificação. O que queremos é acrescentar valor à oferta e garantir que as pessoas que vêm cá gastam mais, e para isso temos de ser inventivos e inovadores.

Tem noção se os turistas voltam a repetir a experiência?

A maior parte dos turistas repetem e mais de 90% dizem que a sua vinda a Portugal superou as expectativas. Neste momento, o feed-back é bastante positivo e são estes que nos visitam que são os principais promotores de Portugal no estrangeiro, são eles que passam a palavra para outros nos virem visitar. Por exemplo, o mercado francês está a registar um grande crescimento e há muitos que estão à procura de uma segunda casa para viver, resultado do passa-palavra.

Nem que seja pela curiosidade?

Exatamente. Para isso temos de ser cada vez mais agressivos e cada vez mais simples na forma como colocamos os produtos. Hoje sabemos a dispersão de informação que existe, por isso temos de ser capazes de mostrar rapidamente e de convencer rapidamente quem nos visita a conhecer mais. O turismo tem grande capacidade de de-senvolvimento regional e de de-senvolvimento de outras atividades económicas onde cresce. Isso é visível em Lisboa e Porto, onde funciona como um motor de regeneração urbana, mas também como um motor de dinamização quer das áreas comerciais quer das indústrias tradicionais, porque as pessoas gostam de comprar o que é nosso.

Isso implica fazer fortes campanhas nos mercados exteriores?

Implica a estruturação do produto. Os ecossistemas regionais têm de estar a trabalhar em rede e aproveitar, quando o turista chegar cá, para vender os produtos que temos de forma fácil. Implica também um forte investimento em promoção, que é feita cada vez mais de forma digital. É uma questão inevitável e incontornável porque é a forma mais eficaz.

Os outdoors praticamente desapareceram?

Temos de aprender as melhores técnicas para sermos o mais eficazes possível com o mínimo de recursos. Esse é que é o grande desafio hoje em dia. Se todos os países estão a promover-se digitalmente, temos de saber como é que conseguimos ser mais agressivos do que os outros. Mas varia consoante os mercados porque há mercados onde o digital tem uma implantação enorme, noutros não. Por exemplo, no mercado alemão, a promoção turística tradicional é dominante. Temos de ter estratégias modeladas consoante o mercado. No caso da Alemanha temos de continuar a fazer campanhas offline porque é isso que funciona nesse mercado. Não vale a pena tentarmos fazer campanhas que não funcionam só por serem giras. Neste momento, Portugal está presente em 18 mercados.

Os campeonatos de surf e festivais de música foram os focos para atrair turistas. Esta estratégia é para manter?

Sim, mas queremos criar eventos ao longo de todo o ano. É preciso criar um calendário regular de eventos que leve essas pessoas a deslocarem-se porque há animação, porque há qualquer coisa a acontecer. Houve, de facto, um grande foco no surf e nos festivais de verão que continuará a existir, nomeadamente no caso do surf, mas temos de evoluir um bocadinho e pensar que não basta apostar em apenas um ou dois eventos. É preciso alargar o calendário de provas de surf de forma a garantir que as pessoas vêm por mais tempo, e não só durante esse evento. Uma outra aposta vai ser a realização de conferências internacionais e eventos corporativos em todo o país e ao longo do ano, e nesse sentido criámos uma equipa de captação de eventos dentro do Turismo de Portugal, uma equipa dedicada a andar pelo mundo e captar eventos internacionais para Portugal, e sempre com a preocupação de os eventos não estarem concentrados numa determinada zona geográfica ou numa determinada altura do ano.

Com os atentados terroristas, Portugal não saiu beneficiado enquanto destino turístico?

Portugal estava no momento certo e nas condições certas para aceitar a procura e os desvios da procura. Fizemos nos últimos 10 anos um enorme esforço público e privado em termos de qualificação do nosso país, e isso deu frutos certos no momento certo, que é conseguir aproveitar os fluxos da procura turística.

Agora o desafio é manter essa procura?

Agora, o que é essencial é estarmos à altura da expectativa das pessoas, o que temos demonstrado estar, e mostrarmos e demonstrarmos que somos um destino imperdível e viciante.

Ainda na semana passada fez um apelo aos portugueses para fazerem férias em Portugal. Acha que há preconceito por parte dos portugueses em passarem férias no seu país?

Acho que ainda há muito Portugal por descobrir pelos portugueses e é um desafio fantástico para os portugueses. Temos unidades hoteleiras fabulosas espalhadas por todo o país, temos empresas jovens que organizam atividades de destino natureza, de desporto ao ar livre. Neste momento temos experiências fantásticas que podem ser descobertas pelos portugueses. Gosto sempre de dizer que, se fizermos férias em Portugal, estamos a diminuir as exportações e a contribuir para a economia portuguesa. Há uma política pública ativa neste sentido em termos de promoção do turismo interno, basta falarmos na reposição dos quatro feriados e na influência que isso tem na atividade turística. Nos últimos cinco anos, o turismo interno cresceu cerca de 2% ao ano, no primeiro trimestre cresceu 13,6%. Isto demonstra, em primeiro lugar, a confiança dos portugueses no destino, a vontade de conhecer Portugal, mas também a criação de condições para que as pessoas gozem mais o seu país. Houve algum preconceito nos últimos anos em promover o turismo interno porque as condições de consumo dos próprios portugueses não eram incentivadas. Se pensarmos que o turismo interno em Portugal representa 30% e em França representa 68%, percebemos o gap que existe em termos de diferença e o caminho que é preciso fazer.

Porque é o turismo interno tão importante?

Primeiro porque é um turismo de proximidade, o que quer dizer que muito facilmente as pessoas, com dois dias, três dias, conseguem deslocar-se em qualquer altura do ano, daí a importância da reposição dos feriados. Também a anunciada redução das portagens no interior é determinante para promover esta levada. Quem está no litoral pode redescobrir o interior e a importância do turismo interno como um motor para atenuar as próprias assimetrias regionais. Daí França ser um destino tão forte em termos de turismo e que gera uma atividade sustentável ao longo do ano, porque gera fluxos que estão sempre a acontecer todo o ano.