Do outro lado da linha um “olá, como estás?” é matéria de sobra para que possamos concluir que o punk não morreu. Mish Way, líder dos White Lung, não precisa de cantar para se lhe adivinhar o carisma, a postura 1,2,3,4, o gosto de usar botas altas, as mesmas com que sabe lindamente partir um palco. Estes canadianos são daqueles que ainda fazem bolos com farinha, gente que não abdica de bater as claras à mão pois a batedeira é mordomia dos novos tempos.
Anne-Marie Vassiliou (bateria) e Mish Way – às quais, em 2010, se juntaria Kenneth William (guitarrista) – são fruto da cara de pau de Mish, a mesma que, algures em 2006, se fartou de estar na banda do namorado da época: “Queria tocar numa banda onde estivesse no controlo”. É esta frontalidade, repúdio por encores e por exigências de bastidores, que continua a ditar o curso da carreira dos White Lung. Ao quarto disco parecem ter encontrado o seu “Paradise”, que recentemente editaram pela Domino.
E se o punk, pelo menos com estes três, está bem vivo, o mesmo não se pode dizer do rock. “Está morto”, diz-nos Mish Way antes de prosseguir: “Nos primeiros anos do novo milénio, quando comecei, senti que o rock ainda era alguma coisa, ainda valia a pena, depois começou o lixo eletrónico, essa EDM [Electronic Dance Music] que junta mil pessoas, de pé, a ver um DJ, que está ali a parado, a olhar para as pessoas, sem fazer nada. Que mundo tão patético”.
E essa patetice que tanto abominam poderá servir de futurologia, espécie de bruxa que adivinha o que aí vem para o rock? “A guitarra costumava ser o instrumento que qualquer um agarrava e tentava descortinar, costumava ser DIY [Do It Yourself]. Sinto que atualmente o computador substituiu essa possibilidade de descoberta, não sei como será com o rock, mas sei que a guitarra está a morrer e isso chateia-me”, responde a vocalista.
Agora que este duelo punk vs rock, orgânico vs digital, terminou, aprofundemos este novo paraíso dos White Lung. É que há aqui boas novas, luas menos cinzentas, ou seja, menos toda a carga ao mesmo tempo e um pouco mais de espaço para se ser sensível, ainda que do punk, como em “Below” ou em “Hungry”. Mais: 28 minutos de duração, um digno recorde para o grupo, que nunca tinham passado dos 24. “Isso quase se tornou uma piada entre nós, wow, chegámos quase aos 30 minutos, é um bocado parvo mas é verdade. O Kenny [Kenneth William] é bastante louco na forma de tocar, ele tem uma paranoia com a repetição, que está, finalmente, a largar. Nunca quer repetir, ‘não podes tocar isso de novo porque isso é uma seca’. Isso ajuda a criar temas como a ‘Below’”, enquadra. E sobre a mais ‘wow’ das faixas, esta que Mish acaba de referir, há que dizer que o seu processo foi um momento de disrupção: “Lembro-me de o Kenny ter sacado aquele riff e de andarmos às voltas com ele durante uns tempos. Sempre que oiço um som do Kenny sei perfeitamente onde é que a minha voz vai entrar, é sempre tão sufocante que sobra muito espaço para mim, sei onde pertenço mas uma faixa como esta, tão aberta, a minha voz era quase esmagada pela guitarra dele. Percebi que teria que ser diferente, deu nisto”.
Não nos ficaria bem sair daqui sem abordar o assunto capa do disco. Uma louca miscelânea como esta, algo que parece uma colagem arcaica de vários cortes de revista, autoria de Justin Gradin, designer que há muito colabora com os White Lung. “O nosso único pedido foi que não queríamos nada a preto e branco, queríamos algo confuso, que provocasse náuseas, quase quisemos que fosse uma ‘cópia fraudulenta’ do disco ‘Their Satanic Majesties Request’, dos Rolling Stones. Então enviei-lhe uma série de fotos que gostaria que ele misturasse e a capa ficou linda logo à primeira tentativa, parece uma espécie de lixo encantador”. Oparaíso, segundo os White Lung, é uma lixeira do melhor.