Estávamos à espera de ver um Russell Crowe barrigudo e com um ar desleixado, como vemos no delirante e divertido “Bons Rapazes”, de Shane Black, já em exibição nas salas portuguesas. Para nossa surpresa, a figura que nos apareceu no bungalow do Hotel Du Cap, em Antibes, um resort exclusivo perto de Cannes onde tiveram lugar as entrevista de promoção do filme, foi um tipo corpulento, com um aperto de mão tão vigoroso que me fez perder a visão durante alguns instantes. O gladiador Russell Crowe está de volta! Mas estaria ele de bom humor? O melhor seria não arriscar perguntas embaraçosas, mas…
Parece estar em muito melhor forma agora do que aquela em que estava quando filmou “Bons Rapazes”. A sua barriga, por exemplo, desapareceu…
Sim, estou muito melhor que no filme (risos). Por acaso hoje nem fiz exercício, com todos os compromissos para a promoção do filme. Ainda tenho de encontrar tempo para transpirar um bocado. Talvez se me fizer perguntas difíceis…
Era o que estava a pensar… Foi difícil eliminar aquele ar pesado?
Não, foi o oposto de trabalhar. Tem a ver com tudo aquilo que deixamos de fazer. Foi o mesmo processo desde que decidi fazer “O Informador” (1999, onde Russell foi nomeado para o Óscar de Melhor Ator pelo papel de um químico que decide denunciar grandes tabaqueiras). Mas não me fale em dietas e coisas do estilo! Por que não é nada disso. O que fiz foi viver durante algum tempo uma vida sedentária, não caminhava, não andava de bicicleta, não ia ao ginásio, não levantava pesos. Deixei o meu corpo amolecer.
Ainda assim, foi complicado entrar nesse processo?
Do ponto de vista psicológico foi difícil, sim. Até porque podemos prejudicar-nos um pouco. Há aquela adrenalina que se perde e sente-se falta.
Portanto não usou nenhum fato para engordar?
Mas alguma vez viu isso funcionar? Que pathos ou gravitas consegue daí?
Pois, mas então o pior é mesmo regressar à forma, depois das filmagens terminadas.
Depois de finalizar esse processo levei três meses para voltar à minha forma. Tudo nos dói. Mesmo as coisas mais simples dão cabo de nós. Mas entre setembro e dezembro do ano passado emagreci uns 24 quilos.
Recorreu a um personal trainer?
Não, eu sou o meu treinador pessoal. O que faço é pegar em alguém que precisa de ficar em forma e puxo por ele. E acabo por me servir dessa ajuda para me ajudar a mim próprio. Mas não tenho paciência para a conversa desses personal trainers de 20 aninhos… (risos)
Já agora, não quer dar-me um conselho para perder peso?
Posso. Se quiser perder algum peso deve concentrar-se numa dieta à base de proteína. Mas também numa série de exercícios. Em duas semanas irá sentir a diferença. Para eu ficar em verdadeira forma, perdi 24 quilos. Mas para isso já teria de ter uma disciplina férrea durante um mês. Acho que dei mostras de ser capaz de ter essa disciplina em vários filmes, como no “Cinderella Man”, por exemplo. De qualquer forma, acho que estar mesmo em forma só acontece quando olhar para baixo no chuveiro e conseguir ver a sua pila. Aí sim, poderá dizer: I’m back! (risos)
(risos) Obrigado pelo valioso conselho. Já agora, tenho de dizer-lhe que foi bom vê-lo tão bem-disposto e disponível na conferência de imprensa e a dar autógrafos. Sente-se mais à vontade do que há uns anos?
Você deve ser uma imaginação fértil! Ou, se calhar, leu a história errada. Já alguma vez me viu recusar algum autógrafo?! Lá está, tudo depende do território. É claro que não vou sair do comboio para dar um autógrafo, mas quando as ocasiões o propiciam e há tempo disponível claro que o faço.
Ok, vamos ao filme, e com a pergunta sacramental: onde estava em 1977?
Estava em Sidney, no meu segundo ano de liceu. Só me interessava por música, começava a ir a concertos e atrás de miúdas.
Não deixa de ser surpreendente que não tenha participado em muitas comédias. A que se deveu? Coincidência ou falta de guiões decentes?
Fiz algumas comédias: “Alaska Escaldante” (1999), “Um Ano Especial” (2006), “Love in Limbo” (1993). As comédias estão lá. Mas não olhamos para o meu currículo e dizemos que é mais dado a um género específico. Mas neste guião havia uma certa sensibilidade que me seduziu. Chegou até mim como uma comédia, mas até fiquei convencido de que era um filme sério. De resto, há muito material sério e muitas decisões que foram tomadas nos anos 70 que corromperam o futuro do planeta. É claro que o filme tem um lado trivial e patético, todos percebemos isso, mas é um motivo muito agradável para passar um par de horas. Por outro lado, há uma densidade narrativa que não se encontra noutras comédias.
Percebemos que gosta de representar homens fortes, mas que lhes confere um lado mais frágil, uma certa ternura. De onde lhe vem esse carinho por estas personagens?
Acharia incorreto interpretar uma personagem que se mostra impenetrável. Há pessoas que só querem ser vistas como heróis, tipos duros. Só que os homens mais duros que conheci na minha vida são pessoas completas. Podem conseguir grandes feitos, mas não são apenas isso. Têm família e incorporam tudo isso. O que tento fazer é que cada personagem pareça uma pessoa completa.
Sente-se completo, neste momento da sua vida?
À medida que avançamos na vida vamos expandindo tudo aquilo que sabemos e fazemos, compreendendo mais sobre o mundo em nosso redor. Se temos um nível elevado de procura, então continuaremos a aprender. Mas, completo? É uma viagem.
Quem era o Russell Crowe quando decidiu ser ator?
Acho que foi o Anthony Hopkins quem o disse melhor: “Os melhores atores são aqueles feitos de baunilha antes de começarem”.
E porquê?
Porque adicionam o sabor depois. Mas temos de saber sempre onde está a nossa baunilha, ou seja, todas as capacidades que podemos adicionar depois. Vai ser essa a diferença entre o que somos e um sabor adicionado… (risos)
Sente que se transformou numa pessoa que reflete mais sobre a vida?
Sim.
E em quê exatamente? Na sua própria vida?
Sim, por exemplo, estou aqui outra vez, em Cannes. Em 1991 estive cá, mas dormi no sofá de alguém, pois não tinha dinheiro para ficar num hotel. A primeira vez que passei na passadeira vermelha foi a propósito de “A Última Prova”, na Quinzena dos Realizadores, só tinha um par de sapatos pretos e o esquerdo tinha um buraco na sola. E chovia… Cada passo na passadeira vermelha sugava a água que lá estava. Quando o filme começou fui à casa de banho para torcer a água da minha meia (risos). Isto são experiências. Devemos aprender com tudo aquilo que fazemos, devemos tornar-nos mais eficientes. Por mais complicado que seja essa tarefa.
Quando decidiu não se importar com aquilo que era dito sobre si e deixar de tentar impressionar os outros?
Nunca fui essa pessoa. Por isso assinar um autógrafo não tem nada a ver comigo, apenas tem a ver com demonstrar alguma empatia com aquela pessoa para quem isso é importante.
Alguma vez pediu um autógrafo a alguma estrela ou ator?
Uma vez pedi um autógrafo ao Harrison Ford para os meus filhos. Booom, nesse dia fui o pai do ano! (risos) O Harrison abanava a cabeça e dizia: “A sério, Russell?”. “Desculpa lá, Harrison, tenho de o fazer”.
Mas nem quando era jovem entrou nesse jogo de tentar agradar?
Acho que isso está suficientemente documentado. Tenho sido muito mau nesse aspeto. Tenho 30 anos de imprensa onde se discute quão bera eu sou e a tentar fazer-me passar por aquilo que não sou.
Portanto, há coisas que não faz…
Não sou do tipo subserviente, dos que lambem botas para serem agradáveis. Interessa-me o meu trabalho, não a imagem que projeto. Apaixona-me esta profissão, não aquilo que faço para sobreviver. E interessa-me a reação de quem está na plateia. Mas não preciso do público para pensar que sou uma boa pessoa. Não preciso que fiquem todos inquietos quando o meu nome surge. Não ligo a essas tretas.
Essa reação não é comum…
Essa foi uma das razões porque nunca quis viver em Los Angeles. Percebi pelas pessoas que lá viviam durante muito tempo que a conversa se tornava mais curta e pensavam em coisas que eu não acho nada importantes. Dito isto, tenho em Los Angeles alguns dos meus amigos mais chegados. Pessoas criativas que vivem ali porque se tornam mais eficientes no seu trabalho. Porque tudo está ali, todas as oportunidades. Tudo vem daquela cidade. Só que aquela cidade não liga bem com a minha personalidade.
O que faz quando não está a trabalhar? Tem um lugar preferido?
Sim, tenho um lugar na natureza. Trato do meu gado, dou passeios na minha bicicleta de montanha. Recentemente, tentei aventurar-me em estradas onde só entrava com a minha 4×4… E vi-me numa situação complicada, bastante perto da minha quinta, embora não nos caminhos que costumo fazer. Era um monte com 16 kms, que me fez passar as passinhas para ultrapassar. Mas quando lá cheguei acima pude admirar a paisagem e depois aventurar-me na não menos arriscada descida downhill. Digo isto apenas porque se formos curiosos, a vida pode dar-nos recompensas que nem imaginamos. Isto se estivermos dispostos a seguir esses momentos.
Com todas as personagens que interpretou ao longo da sua carreira, há algum fantasma que o persiga, alguma personagem que o visite de vez em quando?
De certa forma, as minhas personagens estão todas dentro de mim. Tal como as vossas experiências de vida, profissionais, de aprendizagem. É algo que faz parte de nós.
O que pode dizer-nos da sequela de “Master & Commander – O Lado Longínquo do Mundo” (2003)?
É uma ideia tão boa, com um tratamento do Akiva Goldsman, que escreveu o “Uma Mente Brilhante” (2007). Será uma coisa brilhante para fazer. Mas trata-se de um projeto bastante dispendioso. Talvez possa tornar-se menos, pois os livros falam de um momento em que estão no mar e outro em cojnconque estão em terra, vai variando. Por isso, seria possível torná-lo mais barato que o primeiro. Mas como seguimos Peter Weir, não saberemos muito bem onde nos poderá levar. Uma coisa é certa, teremos de lidar com os direitos Fox, Universal e Miramax.