Falamos aqui de cafés com história. Esta casa não era um café, mas sim uma padaria – uma padaria com tantos anos e com tantas transformações que acabou por dar lugar a um café. Se naquelas paredes existem tantas histórias, porque não incluí-las nestas páginas?
Façamos então uma pequena apresentação: já imaginou como seria a Praça Guilherme Gomes Fernandes, no Porto, no final do século xix? Não havia (praticamente) carros a passar pelas redondezas e muitas pessoas passeavam por aqueles lados para fazer as compras do dia-a-dia. Um dos sítios mais frequentados pelos portuenses nessa altura era a Padaria Ribeiro.
“De acordo com a informação que nos foi fornecida, a Padaria Ribeiro é mencionada pela primeira vez no almanaque comercial do Porto de 1878”, explicou ao i Afonso Vieira, um dos sócios do espaço. Reza a história que esta praça da Baixa do Porto era conhecida como a Praça do Pão – era neste local que vários comerciantes montavam as suas bancas para vender pão, biscoitos, broas e outros produtos. Teresa Ribeiro Lima e o marido, um casal de Valongo que costumava vender as suas iguarias neste largo, conseguiram prosperar e comprar um espaço mesmo ao lado do local onde eram montadas dezenas de tendas. E assim nasceu a Padaria Ribeiro.
No final do século xx, Teresa Ribeiro Lima trespassa o estabelecimento ao seu contabilista, Gastão Adriano Mineiro, que mais tarde transmite o negócio ao filho. É entre os anos 20 e a década de 50 que a Padaria Ribeiro conquista a reputação de que ainda goza, recebendo cada vez mais clientes e melhorando os seus produtos. No entanto, quando a atual sociedade compra o estabelecimento, em 1987, descobre uma casa com 109 anos de história, “num estado decrépito e a definhar. A saúde financeira não era a melhor”, explica Afonso Vieira. Com o novo investimento, a Padaria ganha vida e são abertos novos espaços noutros locais do norte do país: Foz, Ermesinde, Matosinhos e Maia.
O regresso às origens Só nestes últimos anos, com a nova sociedade, é que a Padaria Ribeiro passa a ser um espaço onde as pessoas se sentam e apreciam o seu café e o seu biscoito. “Este não era um sítio onde as pessoas se sentavam – entravam, compravam o que queriam e saíam. Para além disso, a Padaria Ribeiro fornecia os principais cafés do Porto, como o Café Ceuta, o Café Progresso e o Café Piolho”, explica o sócio do estabelecimento.
Mas com o avançar dos tempos, esta casa passou a focar-se mais em si própria e apostar na promoção dos seus afamados produtos. “Quando abrimos a Padaria na Foz, a produção manteve-se aqui, na Baixa do Porto, mas a capacidade já estava no limite, não havia condições para expandir. Decidimos então investir também numa unidade de produção que abasteceria estas duas casas e outras que pudessem vir a abrir. Ela arrancou em 2006 no concelho de Valongo, daí dizermos que a Padaria Ribeiro regressou às origens”, explicou Afonso Vieira.
O cenário escolhido por Malkovich Quisemos saber que figuras políticas frequentaram a Padaria Ribeiro, mas Afonso Vieira não quis revelar o nome dos seus clientes: “Não quero que pareça que me estou a aproveitar da sua notoriedade. Posso dizer-lhe que o [jornalista e escritor] Manuel António Pina escreveu um texto em que faz referência aos folhados da Padaria Ribeiro. [O músico] Pedro Abrunhosa é um amigo da casa há vários anos e também tivemos cá [os atores] Eunice Muñoz e Rui Mendes”, explicou o sócio.
A verdade é que este espaço recebe tantas pessoas por dia que muitas destas personalidades passam despercebidas… Mesmo a quem as recebe: “Muitas vezes, os nossos trabalhadores nem sequer se apercebem de que estão a atender figuras públicas. Quando estas saem do estabelecimento é que eu lhes digo que aquela pessoa era este ou aquele”, afirma Afonso Vieira. “Não tratamos ninguém de forma diferente e penso que estas pessoas gostam de vir a um espaço como o nosso porque sabem que serão bem recebidas e que passam despercebidas”.
Além das várias figuras nacionais que passaram por este estabelecimento, Afonso Vieira recebeu também grandes nomes do cinema internacional – a Padaria Ribeiro foi um dos locais escolhidos para gravar “Em Clandestinidade” (2002), realizado por John Malkovich. O filme conta a história do polícia Agustín Rejas e da sua difícil tarefa: prender Ezequiel, o líder de um grupo de guerrilha que tem como objetivo derrubar o governo em funções de um país da América do Sul.
No filme participaram também os atores Javier Bardem e Alexandra Lencastre. “A cena foi gravada na parte de trás [do estabelecimento]. Fiquei um pouco assustado porque eles desmontaram tudo para criar o cenário, mas felizmente voltaram a deixar tudo como estava”, recorda Afonso Vieira. “Estive com o Malkovich no meio da rua, com carros a apitarem para sairmos do caminho, a mostrar-lhe a fachada da padaria e a contar-lhe a história do espaço”, afirma.
O ator quis até dar um “gosto português” à sua obra: “Eles acharam tanta piada às tartes de amêndoa que nesta cena, passada numa padaria, em vez de venderem pão decidiram vender este doce. E a verdade é que, no final da gravação, comeram as tartes de amêndoa todas”, conta o sócio do espaço.
Se é esta a padaria mais antiga do Porto? Provavelmente. Ninguém o pode confirmar. Mas de uma coisa temos a certeza: não há portuense que nunca tenha ouvido falar nesta casa, que continua a vender os mesmos biscoitos há mais de 100 anos na Praça do Pão – que perdeu o nome, mas não a função.