O sindicato dos inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras juntou hoje em Lisboa várias figuras da segurança para falar sobre o acolhimento de refugiados em Portugal. O presidente do SCIF, Acácio Pereira, aponta várias fragilidades na estratégia nacional.
Porque consideram que a sociedade civil tem estado alheada da questão dos refugiados?
A sociedade civil tem estado preocupada com as questões imediatas do acolhimento. Mas não com as questões de integração – questões laborais, convivência social. Apenas as IPSS têm intervindo. A sociedade tem de estar mais empenhada porque esta nova realidade vai alterar a nossa matriz social.
Terá um impacto assim tão grande? Portugal vai acolher pouco mais de 4 mil refugiados.
Se falarmos ao nível da União Europeia, vai ter impacto. No caso português terá esse impacto se concentrarmos os refugiados em guetos. Mas se os integrarmos socialmente ao longo do território, esse problema já não se coloca.
Tem havido apoio de autarquias em vários pontos do país.
Mas estamos, mais uma vez, a falar do imediato: dar de comer, um teto. De resto, não há nada. Dou-lhe um exemplo: Vila de Rei. Vieram dezenas de pessoas para povoar aquela zona. Hoje não está lá ninguém. Ou temos políticas de integração social ou as pessoas vão-se embora para os grandes centros europeus.
Pouquíssimos refugiados, quando chegam a Itália e à Grécia, manifestam vontade de vir viver para Portugal.
Essa é outra questão. Portugal não exerce atratividade sobre os refugiados e é isso que considero ser necessário. Não podemos ver os refugiados como um mal, devemos vê-los como uma oportunidade, uma solução para uma sociedade portuguesa já envelhecida. Devem ser criadas condições favoráveis – sem criar situações de favor – para, em pé de igualdade com o resto da Europa, ajudarmos e sermos ajudados também.
Uma das preocupações sobre este tema tem que ver com a segurança. Justificam-se os receios?
Os refugiados não são o mal de todas as situações. Mas temos de ter consciência de que, num grupo grande, haverá sempre bons e maus.
Estamos a falar de fundamentalistas.
Não podemos esconder que entre os grupos que chegam possa haver gente dessa matriz. Agora, a sociedade deve dar uma resposta de integração. E as polícias devem ter condições para prever essas situações.
Os inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras foram preparados para lidar com situações destas?
Os inspetores do SEF têm formação para lidar com estas situações.
Mesmo sendo realidades novas?
Para uma situação destas não há experiência. Ninguém tem experiência. Aprendemos todos. Os inspetores do SEF fazem o seu melhor e a sociedade espera de nós o comportamento adequado. Mas temos de dizer ao poder político que é preciso olhar para as polícias, em particular para uma polícia especializada e ágil como o SEF, e dotá-la dos meios necessários. Não podemos continuar nestas condições.
Que condições?
Para ter uma ideia, tivemos de deslocar 50 inspetores para a Grécia.
Em que universo de inspetores?
Num universo de 700. Estamos a falar de um esforço de cerca de 7%, é um esforço enorme. Num serviço como o nosso, que desde 2004 não admite inspetores, é vergonhoso e incomportável.
Houve entradas este ano.
Entraram 45 elementos e devem entrar mais 65, mas estes números já não são suficientes. Temos uma média etária de 40 anos. Não podemos exigir às pessoas um esforço constante, por exemplo, com estas idas para teatro de operações, que são de uma violência atroz.
E a atividade em Portugal sofre com estas saídas?
O trabalho não deixa de existir, é preciso acudir aos locais que ficaram a descoberto. Há um esforço de quem vai e um esforço de quem fica.
O que o preocupa em concreto?
Temos necessidades ao nível das fronteiras, da investigação, da permanência. Com 700 inspetores que cobrem todo o território nacional, de norte a sul e ilhas incluídas, fazendo turnos, dividir estes elementos pelo país equivale quase a ter um inspetor por quilómetro quadrado.
Como intervêm os inspetores do SEF no acolhimento dos refugiados?
Colaboramos com a Frontex, a agência europeia de fronteiras, e com a EASO, o gabinete de apoio à concessão de asilo, fazendo a seleção inicial nos países de chegada.
Muitos dos refugiados chegam sem documentação válida.
A maioria.
E isso levanta problemas do ponto de vista da avaliação de risco?
É um problema. Nós baseamo-nos nas declarações das pessoas, em documentos que eventualmente tragam. Neste momento é muito difícil fazer uma avaliação com base em documentos genuínos. Os países de origem também não têm representações diplomáticas nem estruturas administrativas sustentadas, não há autoridades com quem dialogar.
Então como se faz esse registo?
É feito com base nos dados biométricos. E a partir daquele momento passa a existir um registo fidedigno de um cidadão. Haverá situações em que não corresponda [ao seu percurso], mas há esse registo fidedigno. Esse trabalho de análise acontece sobretudo nos países de chegada. Em Portugal é menor.
E ficam com porta de entrada nos países de acolhimento?
Verificadas as condições subsequentes, é-lhes dado o estatuto de asilo político, ou similar, que lhes permita fazer a vida no país de destino.
Nesse primeiro registo é possível que passem pela malha da investigação potenciais ameaças?
O risco existe sempre. É preciso avaliá–lo e evitá-lo. Pelas malhas, mesmo que venham documentados, podem passar fundamentalistas.
Como se diminui o risco?
Dizemos muitas vezes que deve haver investimento em tecnologia. Mas a tecnologia não é tudo. Não faz, por exemplo, profiling [análises de perfil]. Obviamente, se me perguntar se um inspetor do SEF com dois anos de experiência está preparado para fazer esta análise, digo–lhe que não, É preciso muito tempo, é um know-how que não se aprende de um dia para outro. Esse é um dos problemas que temos vindo a assinalar, a perda desse conhecimento.
O acolhimento exige coordenação entre polícias e serviços de informação. Tem funcionado?
Na medida do possível. Portugal tem-se revelado seguro. Dentro das possibilidades que temos, que são poucas, o tradicional desenrasca tem funcionado.
Em potenciais casos de terrorismo, não seria importante termos mais que soluções de desenrasca?
Obviamente. E aí estamos a falar da parte tecnológica e de intelligence. É necessário mais investimento.
Em quê?
Pessoal, tecnologia e formação. Sem as três, não há sucesso.
Nas condições atuais, Portugal está preparado para esta nova realidade e este tipo de ameaça potencial?
Sem querer ser alarmista, a verdade é que não há país nenhum que esteja preparado para o grau das ameaças que têm ocorrido. Se estivesse, elas ter-se-iam evitado. Os Estados estão suficientemente preparados. Agora, totalmente preparados, não há nenhum que esteja.
As fronteiras terrestres portuguesas estão protegidas?
As fronteiras têm livre passagem. Nessa medida, não há malha apertada. Os acordos de Schengen preveem medidas compensatórias, mas há controlos feitos sistematicamente. Em Portugal, esses controlos não são feitos ou são feitos de forma incipiente. Mas não será desejável que voltemos ao sistema antigo.
De fronteiras fechadas.
Exatamente. Isso seria impensável hoje.
Mas foi o que aconteceu já este ano na Bélgica. Seria possível em Portugal?
Portugal não tem capacidade para fechar fronteiras de imediato. Houve um desinvestimento, um abandono das estruturas na linha de fronteira. Hoje não seria fácil repor fronteiras como fizeram outros Estados.