Marina, Hélia e Paulo não acreditavam que conseguiam deixar de fumar. Mas deixaram

Marina, Hélia e Paulo não acreditavam que conseguiam deixar de fumar. Mas deixaram


Três fumadores inveterados contam como largaram décadas de vício  


Hélia decidiu fazer as coisas de forma “profissional”. Chegou a casa da consulta de cessação tabágica com comprimidos de nicotina e a indicação de que tinha de reduzir 20% dos cigarros ao dia e fez um esquema no Excel. Apontou os cigarros que fumava, a que horas e onde. E todos os dias ia cortando os 20%. Uma manhã, quando já só sobravam dois cigarros – os dos cafés, os que lhe davam mais prazer – esqueceu-se de tomar o comprimido. Não pensou duas vezes: abdicou dos últimos cigarros e não tornou a tocar no tabaco. 

Ontem à tarde passava um ano, 16 dias, 15 horas e 1602 euros de poupança. Hélia Ribeiro, gestora de produto de 44 anos, usa uma aplicação para telemóvel como “bengala” para manter a motivação. Paulo Mascarenhas, consultor de comunicação, também abre muitas vezes a aplicação “Quit it” para se lembrar do quanto já ganhou com a decisão que tomou há cinco meses. Se tivesse continuado a fumar, teria por esta altura mais 7095 cigarros no corpo. E teria gasto 1490 euros. 

Em Julho fará dois anos que Marina Campos, agente de execução, deixou de fumar. Não tem uma app a lembrá-lo, mas sente na voz e na saúde que foi uma decisão acertada. Hélia, Paulo e Marina têm os três algo em comum: começaram a fumar em miúdos e nunca pensaram que conseguiriam deixar. Mas deixaram. 

“Deixei, não sei como” Marina, de 52 anos, ainda hoje não sabe bem como deixou os cigarros. Fumava desde os 16 anos, um maço por dia, às vezes dois. Se via que chegava a casa ao final do dia e já não tinha tabaco suficiente (pelo menos meio maço), voltava a vestir-se e ia à rua. Nunca pensou seriamente em deixar, até que a filha lhe propôs marcar uma consulta de cessação na CUF. Aceitou, para que não a chateasse mais, lembra. “A médica disse-me logo que era uma fumadora de risco, compulsiva. E perguntou-me: ‘Está aqui para quê? Quer deixar de fumar?’ Eu respondi: querer não quero, mas se calhar devia”, conta Marina. A revelação de que tinha o princípio de um enfisema pulmonar fez com que passasse a querer um pouco mais. A médica passou-lhe a medicação de substituição de nicotina e disse-lhe que era para cortar de vez. “O comprimido era para tomar de manhã. Como já era meio-dia, disse que começava no dia seguinte.” Naquele dia fumou “tudo a que tinha direito”. Depois, cumpriu o plano e surpreendeu toda a gente, a começar por si. 

No dia seguinte, ao pequeno-almoço, só pensava em como seria tomar o café antes de subir para o escritório. Ao chegar ao trabalho, agiu com determinação. Tomou o café no sítio de sempre e subiu. Tirou o cinzeiro da secretária e escondeu-o na casa de banho. “Claro que a medicação ajuda mas a nossa cabeça é muito forte, só não fazemos o que não queremos”, diz Marina. Também ela um dia se esqueceu dos comprimidos e não completou o tratamento, mas até hoje nunca recaiu. 

Nada como um susto Se há fumadores que conseguem encontrar simplesmente motivação para deixar de fumar, pequenos sintomas e sustos são muitas vezes o gatilho para mudar. Isso, e a idade, que não dá tréguas. Hélia andava a pensar nisso há dois anos, depois de ter ido com um grupo de amigas a Beja fazer uma alegada cura imediata do vício que consiste num choque na orelha. Gastou 50 euros mas não funcionou. “Passadas cinco horas só pensava em cigarros.” Mas a irmã deixou de fumar e a ideia nunca lhe saiu da cabeça, até porque sentia que começava a demorar mais tempo a recuperar das constipações, fruto do tabaco.

Leu tudo o que havia, estudou as hipóteses de medicação. “Nem na gravidez tinha deixado de fumar, achava que não ia conseguir.” Foi preciso um “susto”, para se decidir a tentar. Mesmo revelando-se falso alarme. Um dia sentiu palpitações no coração. Foi de urgência ao hospital e disseram-lhe que tinha o batimento cardíaco irregular e uma veia entupida. “Até entrou um cardiologista na box e perguntou-me se eu queria ver os meus filhos crescer?” Marcou a consulta de cardiologia e a de cessação tabágica para o mesmo dia. Os exames ao coração revelaram que tinha afinal uma síndrome que causava as alterações, mas não corria perigo eminente. “Quando entrei na consulta de cessação, já sabia que não ia morrer. Mas decidi: vou deixar de fumar. O cardiologista até disse: não há nada como um belo cagacinho.” 

Quando o tabaco deixa de saber bem Paulo fumou desde os 13 anos. Na altura, era normal. Professores e alunos fumavam no mesmo pátio nos intervalos do liceu. Nunca pensou deixar, até que há três anos os cigarros deixaram de lhe saber bem. “Era só pelo vício.” Deixou, mas ao fim de três meses não resistiu e foi à procura dos charutos que tinha em casa. Foi tiro e queda. “A minha filha mais velha ficou furiosa quando me viu fumar às escondidas.” 
Há seis meses, numa ida ao médico, pediu ajuda para largar o tabaco. Foi a uma consulta de cessação e, ao ver TAC aos pulmões – que apesar de não terem nada de especial já acusavam efeitos – decidiu-se a tentar uma segunda vez.

Escolheu a data: deixaria um dia depois do seu 50º aniversário, a 5 de Dezembro. Fumou muito no dia dos anos, chegou a pensar adiar. Mas naquele sábado, tal como estava agendado (ou talvez também por isso), acordou sem vontade e não tocou nos cigarros. “É preciso querer e acho que ver a TAC, perceber que o tabaco vai deixando marcas, foi decisvo”, diz Paulo, que acredita que a nova publicidade agressiva nos maços não vai convencer os fumadores, mas pode desincentivar os jovens de começar. E isso será o princípio do fim do tabagismo. “Uma pessoa dá consigo a pensar nisso, porque é que comecei?”, concorda Hélia. 

Não negam que, por vezes, lhes apetece um cigarro. Depois de uma jantarada, com o café. “É uma batalha diária”, diz Marina, que engordou sete quilos desde que deixou de fumar, talvez o que mais lhe custa. Resistem, deixando passar cinco minutos, como quando se quer comer por gulodice. Ou vendo o que já ganharam. “Tinha uma veia com um problema na perna que me dava dores. Até se pensou em operar. Três meses depois de deixar de fumar já não sentia nada”, diz Paulo, para quem esta é uma decisão para a vida. Tocar num cigarro implicaria começar tudo de novo, perder tempo. “A certa altura percebemos que já não vamos para novos. E começamos a pensar: quero chegar aos 80 anos com saúde ou uma vida de porcaria? O médico mostrou-me duas linhas: se deixasse, era tudo a subir. Se continuasse, era tudo a piorar. Foi bastante claro.”  

Concordam que há algo na “meia idade” que faz as pessoas pensarem duas vezes, mas admitem que poderiam ter cedido mais cedo. Da mesma forma que há quem nunca pense nisso. É uma questão de mentalização e de ter o apoio adequado, dizem. Mais consultas de cessação tabágica, ajuda na medicação. Marina também sabe que não pode voltar a tocar num cigarro, que “o vício é químico, não desaparece”. Hélia, contudo, admite que deixa de fumar também com a meta de chegar aos 70 anos e poder voltar a fazê-lo. Já terá então vivido suficiente para se dar a esse prazer “sem culpa”.“Digo isto agora. Antes dizia 65, agora digo 70. Se calhar chego lá e não tenho vontade, mas se me apetecer fumo.”