Marcelo joga em dois tabuleiros. Ontem, foi à Alemanha falar na boa execução orçamental de abril. Mas não deixará de fazer avisos sobre o Orçamento, porque está convencido de que é já impossível acabar o ano sem um buraco orçamental, a menos que haja medidas adicionais.
Parece contraditório? Uma fonte próxima do Presidente da República garante ao i que não. “A execução orçamental é algo estático, como uma fotografia. É preciso ver o filme até ao fim”. E o fim do filme será quando em dezembro as contas estiverem fechadas.
Para já, na visita a Berlim, Marcelo Rebelo de Sousa quis aproveitar para ficar noutra fotografia: a dos que defendem que seria injusto a Comissão Europeia aplicar sanções a Portugal em julho.
Nesse ponto, juntou-se a António Costa, que já considerou “injustas” quaisquer sanções, mas também a Passos Coelho e Maria Luís Albuquerque – responsáveis pelo período que será alvo da análise europeia em julho – que têm feito lóbi em Bruxelas para que não haja castigo pelo incumprimento entre 2013 e 2015.
Castigo improvável São cada vez mais os que acreditam que será muito pouco provável que haja um castigo para Lisboa por ter deixado o défice de 2015 derrapar para os 4,4% por causa da resolução do Banif.
Por um lado, porque se tratou de uma medida extraordinária, por outro, porque até hoje nunca foram aplicadas sanções. A haver castigo, teria, aliás, de ser também aplicado a França e Itália, que incumprem no défice, e à própria Alemanha, que tem um excedente na balança comercial que viola as regras do Tratado Orçamental.
Com este pano de fundo, o facto de Marcelo se juntar ao coro dos que dizem ser uma “injustiça” aplicar sanções a Portugal faz com que o Presidente possa recolher os louros de uma boa notícia para o país.
Isso justifica a forma como Marcelo Rebelo de Sousa lembrou ontem em Berlim que os números da execução orçamental de abril dão conta de um aumento do superavit no saldo primário – ou seja, quando comparadas as despesas e as receitas sem o pagamento da dívida.
“O que quer dizer que há uma preocupação de controlo financeiro interno, ao mesmo tempo que há uma preocupação com o equilíbrio externo”, sustentou Marcelo, sublinhando que esse rigor “não é incompatível com o crescimento”.
À saída do encontro com Angela Merkel, Marcelo dizia mesmo não ter visto preocupação, “mas sim compreensão” com o caso português.
A referência é útil no contexto em que se fala de eventuais sanções, mas não desmente a desconfiança do Presidente em relação às contas de António Costa que foi noticiada no sábado pelo “Expresso”.
Uma fonte próxima de Marcelo assegurou ao i que vários economistas ouvidos em Belém têm alertado para a possibilidade de um buraco orçamental entre 600 a 800 milhões de euros. Porquê? Porque as previsões de crescimento e receita que estão no Orçamento do Estado para 2016 estão muito acima do que os números da execução orçamental estão a revelar.
Até agora, a execução orçamental tem conseguido estar em linha com o previsto e, a manterem-se estes números, o ano poderia acabar com um défice entre os 2,2% e os 2,3%, muito abaixo do teto imposto por Bruxelas.
Marcelo vai manter alertas Em Belém acredita-se, porém, que estes valores só estão a ser conseguidos graças ao facto de o governo estar a congelar despesa. A informação que tem estado a chegar ao Presidente é a de que “está a haver uma contenção forte, através de cativações”, mas muitas dessas despesas terão de ser feitas até ao final do ano e há que contar com o efeito da reposição faseada dos salários da função pública que também aumentará esse valor.
Com estes dados em cima da mesa, Marcelo Rebelo de Sousa querer garantir que descola do governo e das suas políticas. E foi isso que começou a fazer já há duas semanas, quando começou a alertar para a importância de começar a corrigir as previsões que estão no Orçamento “sem alarmismos, mas com realismo”.
Foi nessa altura que começou a falar no “otimismo crónico às vezes ligeiramente irritante” do primeiro-ministro, a quem pediu que mantivesse “os pés assentes no chão”.
Apesar de ter procurado desdramatizar estas frases que caíram mal à esquerda, o Presidente da República vai continuar a dar sinais de afastamento do governo no que toca às contas públicas.
Marcelo nunca irá tão longe ao ponto de dizer que não confia nas contas de Mário Centeno e António Costa, mas quer que fique claro que está a fazer avisos e que está preocupado com o rumo que as contas estão a tomar.