Bruxelas. Como a Comissão discutiu sanções de alta velocidade contra Portugal


   


Ata da última reunião de comissários revela potencial verão quente. Moscovici, Dombrovskis e Juncker envolveram-se numa discussão que partiu o colégio da comissão. Diálogo mostra como os acontecimentos podem precipitar-se, se ganharem os adeptos de sanções. Multas podem ser aplicadas em 20 dias e fundos estruturais suspensos de forma imediata. Costa teria de passar o resto do ano a pedir suspensão das penalizações

Não é bem um confronto, mas dentro da linguagem tecnocrático de Bruxelas evidencia alguma tensão. A última ata publicada do Colégio de Comissários mostra como o ambiente entre responsáveis europeus aqueceu com a discussão de eventuais sanções a Portugal e Espanha, por não terem cumprido as metas orçamentais do ano passado.

No encontro de 10 de maio, que antecedeu a decisão de adiar as a decisão sobre penalizações para julho, parte dos elementos da Comissão Jucker queria mão pesada. O mais ativo era Valdis Dombrovskis. Na reunião, é este vice-presidente da Comissão Europeia, responsável pelo euro, que toma a palavra sobre o semestre europeu. Depois de analisar a evolução da economia como um todo e o progresso dos países que baixaram o défice para menos de 3%, detém-se nos dois países que não cumpriram as metas acordadas.

“Referiu-se especificamente a Portugal e Espanha, que teriam falhado as metas para corrigir os défices excessivos em 2015 e 2016 […] e em tomar as medidas eficazes que se esperavam deles. Portanto, sentiu que a Comissão devia levar os procedimentos relativos aos défices excessivos para a próxima fase nos termos do artigo 126 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia”, lê-se na ata.

Sanções em 20 dias O letão defendia assim que a Comissão recomendasse sanções para Portugal e Espanha, uma decisão que teria depois de ser validada pelo Conselho da UE. Dombrovskis adianta o cenário que poderia seguir-se: “Assim que o Conselho declare que as medidas para corrigir o défice não foram eficazes, a Comissão é obrigada a apresentar uma proposta de sanções no prazo de 20 dias e a recomendar a suspensão de financiamento […] aos dois Estados-membros no âmbito dos fundos estruturais e de investimento europeus”.

O comissário explica depois que a inibição de utilização de fundos poderia ser levantada, caso houvesse novas recomendações e ações decisivas no controlo do défice, e que poderiam ser tidas em conta “circunstâncias mitigadoras” na definição das penalizações.

Mas, depois desta intervenção inicial, o comissário dos Assuntos Económicos e Financeiros põe água na fervura. Pierre Moscovici “estava preocupado” com a possibilidade de a Comissão ter de aplicar multas até e 0,2% do PIB. “O comissário descreveu as consequências deste procedimento, acrescentando que nunca tinha sido aplicado”.

Comissão dividida Moscovici lembrou depois que, mesmo que Portugal e Espanha contestassem as penalizações, a Comissão teria de “iniciar um processo para congelar parte dos fundos estruturais, e os Estados-membros teriam então de fazer um esforço durante todo o ano para permitir que a sanção fosse levantada”.

Neste ponto da reunião, a Comissão divide-se – embora a ata não pormenorize os comissários em cada fação. De um lado, “alguns membros” defendiam “a aplicação rigorosa e coerente das regras estabelecidas nos tratados”. Outros queriam que as regras fossem “aplicadas de uma forma mais política”, tendo em conta os precedentes que poderiam surgir e “as dificuldades que poderiam ser criadas aos cidadãos”.

Nesta fase, Moscovici volta a intervir. Defende a importância de uma “compreensão clara” dos procedimentos europeus em caso de sanções, já que essa decisão teria uma “forte repercussão entre os cidadãos”. Já Dombrovskis lembra que, embora Portugal e Espanha tenham feito progressos substanciais, “o esforço estrutural não esteve inteiramente de acordo com as recomendações”. Esta “imagem contrastante”, acrescentou, “pedia mensagens claras da parte da Comissão”.

O presidente da Comissão Europeia só fala no final. E Jean-Claude Juncker mostra-se contrário a penalizações. “As sanções podem ter consequências nos mercados financeiros e nos cidadãos, mesmo que justifiquem pelas regras atuais […]. Será uma boa política impor mais restrições a Estados-Membros que foram reduzindo os défices e permanecem muito pró-europeus?”, questionou.

A decisão dos comissários, já se sabe, foi adiar a decisão sobre sanções para julho, uma semana depois desta reunião. Mas, até ao Verão, a discussão prossegue.