Em seis meses foram pelo menos cinco as vezes que António Costa conseguiu coisas que pareciam impossíveis. A última foi na sexta-feira quando, pouco antes da meia-noite, acabou com um braço-de-ferro entre estivadores e operadores portuários que estava prestes a tornar-se uma enorme dor de cabeça para os acordos do PS com o BE e o PCP.
Costa tinha dito nessa manhã que “tudo tem um limite, e posso acrescentar que o limite é mesmo o dia de hoje, para que as partes se possam entender”. Depois de 15 horas de negociações intensas, o primeiro-ministro cumpriu o que parecia ser uma promessa demasiado arriscada para fazer apenas horas antes, sobretudo tendo em conta que só no anterior governo foram mais de 400 os dias de greve no Porto de Lisboa e que esta última paralisação já durava há mais de um mês e tinha pré-aviso para continuar até dia 16 de junho.
“Aquilo que é mais improvável, como seja as vacas voarem, também isso pode não ser verdade. Até as vacas podem voar”, dizia Costa na apresentação do programa Simplex 2, quando ofereceu a Maria Manuel Leitão Marques, ministra da Presidência e da Modernização Administrativa, uma vaca voadora que comprou há dez anos num aeroporto de Londres.
Graças ao desfecho da negociação levada a cabo pela ministra do Mar, talvez António Costa devesse oferecer também um brinquedo igual a Ana Paula Vitorino.
O acordo final tem cedências de parte a parte e ainda é preciso ver como corre a negociação do contrato coletivo, que irá agora começar para o documento estar pronto num prazo de 15 dias, mas pelo menos acabou a greve que estava já a ter consequências graves para o Porto de Lisboa e para as exportações portuguesas.
Graças a este entendimento, a semana será muito mais tranquila na geringonça. É que BE e PCP já tinham avisado que na luta dos estivadores estava em causa o combate à precariedade, que é parte dos compromissos políticos que sustentam o governo.
Apesar do acordo, os estivadores mantêm a manifestação “Precariedade é escravatura”, marcada para 16 de junho em Lisboa. Segundo o sindicato, esta é uma forma de fazer do acordo um “marco na luta contra a precariedade” não só no Porto de Lisboa, mas no país. “Todos por todos, voltamos às ruas contra a precariedade”, anunciam os estivadores.
Paz na estiva
Para usar a metáfora de António Costa, esta parecia ser a vaca mais difícil de pôr a voar. Mas Costa conseguiu e no prazo que ele próprio definiu. A empresa de trabalho temporário Porlis deixa de poder contratar novos trabalhadores precários e deve acabar dentro de dois anos, como defendiam os estivadores. Haverá um novo contrato coletivo, que será negociado nos próximos 15 dias, e nos próximos seis meses a Empresa de Trabalho Portuário de Lisboa terá de integrar 23 trabalhadores da Porlis nos seus quadros. Fica garantida a progressão na carreira e que os trabalhos no porto deverão ser feitos “prioritariamente por trabalhadores portuários com experiência e preparação para as exercer”. Em contrapartida, os estivadores comprometem-se a, durante seis anos, dirimir as questões laborais através de uma entidade arbitral, evitando a greve.
Orçamentos aprovados
Ainda antes de aprovar o seu Orçamento, António Costa teve uma tarefa difícil: fazer passar o Retificativo que permitiu a resolução do Banif. Dessa vez contou com a ajuda do PSD e mostrou que é possível recorrer a geometrias variáveis. O OE2016 era visto como uma prova difícil de superar, mas também aí o primeiro-ministro conseguiu o apoio dos parceiros de esquerda e a aprovação da Comissão Europeia que, apesar de todos os alertas, deu luz verde ao documento. Resta saber se a execução orçamental correrá de feição.
Convencer Bruxelas
Não se pode dizer que esteja a ser fácil a relação com Bruxelas. É notória a desconfiança da Comissão Europeia em relação às contas e às previsões do governo. Mas o Programa de Estabilidade e o Programa Nacional de Reformas eram vistos como provas de fogo e foram superados. Mais: Costa fez do PNR uma maneira de fazer corresponder os fundos comunitários às suas políticas e evitou os cortes que os portugueses já se habituaram a ver como sinónimos de reformas. Parecia impossível, mas Costa tornou-o possível.
Acordo com o BE e o PCP
Parecia impossível conseguir juntar PS, BE e PCP num acordo para sustentar um governo. Durante a campanha eleitoral, Catarina Martins até tinha ensaiado o que seria o seu caderno de encargos para um entendimento, mas do PCP só veio um sinal de aproximação já depois dos votos contados. Juntar os dois partidos mais à esquerda não foi fácil, mas António Costa usou uma solução que até hoje tem funcionado: a de falar em separado com bloquistas e comunistas e encontrar denominadores mínimos comuns, admitindo divergências no resto.
Adiar sanções
O ano de 2015 fechou com um défice de 4,4% graças à resolução do Banif e dizem as regras que isso obriga a sanções. No entanto, a decisão sobre a penalização a aplicar – se é que haverá alguma – foi adiada para julho. O mérito não é todo de Costa, que beneficiou de uma conjuntura que inclui as eleições espanholas e a crise dos refugiados, e que faz Bruxelas querer evitar mais problemas nesta altura. Mas as sanções foram adiadas e o primeiro-ministro, que tem estado em contactos na Europa, começa a acreditar que mesmo em julho não haverá castigo.