GNR. Militares sem funções podem ficar sem salário

GNR. Militares sem funções podem ficar sem salário


Proposta de estatutos prevê que elementos que peçam para ficar “fora da efetividade de serviço” quando passarem à reserva perdem o direito à remuneração. Associações sindicais falam em medidas “inconstitucionais” e “discriminatórias”


A proposta de estatutos que o comando da GNR enviou ao governo prevê o fim do pagamento de salários aos militares “fora da efetividade de serviço” que estejam na reserva. O princípio – sem precedentes na história da GNR e das Forças Armadas – poderá ser uma solução para bloquear novos pedidos de saída que o comando tem vindo a receber nos últimos anos. Mas está a gerar apreensão entre as associações profissionais.

O documento é ainda um esboço daquilo que poderá vir a ser a versão final do novo estatuto dos militares da GNR, e ainda nem foi formalmente entregue às associações sindicais para a habitual troca de parereces.

Mas a proposta consta de um documento que tem servido de base à preparação dos novos estatutos. No artigo 85.º, prevê-se que “o militar da Guarda colocado na situação de reserva na efetividade de serviço, tal como previsto na alínea b) do n.º 2, pode optar pela colocação fora da efetividade de serviço e, caso lhe seja deferido, não tem direito a remuneração”.

Na prática, os militares “fora da efetividade de serviço” podem encontrar-se em situações muito diferentes: em comissão especial, a cumprir uma pena judicial ou disciplinar, podem ter desertado, podem estar a gozar de licença sem vencimento ou (e é em relação a este ponto que surge a contestação) podem estar numa espécie de pré-reforma até ao máximo de cinco anos.

O Ministério da Administração Interna não faz comentários sobre os estatutos da GNR, mas refere que esta norma “consta do memorando de entendimento assinado pela anterior tutela com as associações sócio profissionais”. Ao i, o ministério de Constança Urbano de Sousa diz apenas que a versão atualizada dos estatutos “está em fase de finalização” e será depois enviadaàs associações.

Fim do salário Na norma que está a gerar contestação – e que  tem sido apresentada internamente como um modelo a implementar –, os elementos da GNR ficam sem funções atribuídas e sem obrigação de comparecer no serviço. Ainda assim, continuam ligados à instituição e, até agora, a receber o mesmo salário a que tinham direito quando estavam de serviço (exceto no que diz repeito a suplementos compensatórios, que deixavam de ser pagos).

Mas a ideia de que seja retirada a remuneração aos militares é considerada “absolutamente inconstitucional” pela Associação Sócio-Profissional Independente da Guarda (ASPIG). Em causa – sublinha um parecer da associação – estará o direito à retribuição do trabalho consagrado na Constituição.

A Associação dos Profissionais da Guarda (APG/GNR) também não vê com bons olhos esta inovação. O presidente da associação, César Nogueira, sublinha que o documento em questão ainda não foi partilhado com os sindicatos e que, por isso, não pode comentar questões concretas. Mas refere que a ideia de acabar com o pagamento de salários a militares fora da efetividade de serviço vai merecer a contestação da APG.

Discriminação nas reservas A medida prevista no esboço do documento do governo está a ser encarada como uma solução para acabar com os pedidos de saída dos militares.

No Orçamento do Estado para este ano, o governo consagrou mesmo a suspensão das passagens à reserva de elementos das forças policiais e de segurança. Um problema que ficaria, pelo menos, amenizado com a nova formulação dos estatutos.

Quando passam à reserva em efetividade de serviços, os militares continuam a cumprir um horário e a exercer funções. É necessário que requeiram a colocação fora da efetividade para poderem usufruir desse regime. Mas, agora, confrontados com o fim dos salários, antevêm as associações sindicais, muitos deixarão de optar por esse regime transitório.

Só que, nessa fase, e tendo em conta as regras em cima da mesa, surgem alertas de “discriminação” não só entre os militares da GNR e os dos três ramos das Forças Armadas (FA) mas, também, entre os próprios elementos da Guarda.

O parecer da ASPIG a que o i teve acesso, lembra que “mal perfazem os 36 anos de serviço”, os militares das FA vêm os seus requerimentos para a passagemà reserva “invariavelmente deferidos” – algo que contrasta com a suspensão em vigor na GNR.

Pelo menos, para alguns militares da Guarda. É que, lembra o mesmo documento, um despacho de outubro do ano passado, assinado pelo comandante-geral, tenente-general Manuel Mateus Costa da Silva Couto, estabelecia que os requerimentos de passagem à reserva para fora da efetividade de serviço apresentado por “militares com o posto de coronel, sargento-mor e cabo-mor” seriam aceites, desde que os visados tivessem “38 ou mais anos de tempo de serviço militar à data da passagem à situação de reserva”.

Situação diferente da de oficiais, sargentos e guardas, que deviam acumular pelo menos 55 anos de idade aos de serviço para conseguirem o OK do comandante-geral. A medida, justificada com a “escassez de efetivos” com que a GNR se confrontava, carecia de “fundamentação legal”, segundo a ASPIG.