Répteis


Mendes e Vitorino constroem narrativas falsas sobre realidades efabuladas, fingem imparcialidade e desinteresse onde realmente promovem a defesa de interesses e opções ideológicas, trabalham afincadamente para iludir e enganar


Numa época distante, entendi que poderia escrever romances policiais ao estilo Highsmith, Hammet ou James Elroy, assim dos que nem sempre o que parece é, onde óbvio é apenas uma ilusão, o diáfano e o glamour andam de mãos dadas com a perversão e o crime, e as consciências torturadas são reflexo da redenção de heróis imprevistos.

Foi nessa altura que adquiri tratados venezianos sobre venenos, compêndios de farmacologia, catálogos de facas espanholas, colecionei tudo o que era informação sobre alucinogénios e outros descodificadores do lado negro da alma, digamos, o lado mais interessante.

Não tendo seguido o caminho do crime, segui o da crítica política, acabando por perceber que existem duros meliantes que são meninos de sacristia comparados com alguns políticos, especialmente os da espécie rastejante que se conhecem por o nosso político-comentador-a-fingir-opinião-independente.

Pois estava eu tranquilamente lendo um dos livros da coleção desse projeto abandonado, os “Conselhos aos Caçadores de Víboras”, do naturalista e ornitólogo William Henry Hudson, que é um extraordinário hino de amor às serpentes, quando o meu espírito foi alumiado por um clarão revelador da imagem acachapada de Marques Mendes.

Isto o subconsciente tem retortas em que o consciente é uma criança ingénua.

Li algures a história de um carregador índio numa expedição pela selva peruana que foi mordido no pé por uma barba-amarela. Sem perder tempo, o homem colocou a extremidade num tronco de árvore caído e zás! Corto-o com o machete.

O belga Peter Boesman, um especialista mundial em vocalizações de pássaros e, dizem, excelente pianista, tem uma perna de plástico em lugar da verdadeira com que veio ao mundo por ter sido mordido por uma das mais perigosas serpentes do mundo, a poderosa cascavel muda – Lachesis muta –,popularmente conhecida por surucucu, mata-bois ou “o silencioso bafo dos trópicos americanos”.

E não sei porque associação lembrei-me do corpulento, embora também pequeno e seráfico, António Vitorino.

Esta lenda do mundo réptil é uma bicha que pode chegar aos quatro metros de comprido e a mordedura provoca a morte em 80% dos casos, inclusive com antídoto.

O seu nome científico faz referência a Láquesis, uma das três sinistras Moiras Gregas, que controlava o fio da vida dos seres humanos.

A mordedura tem um impacto muito doloroso e, uns segundos depois, deixa de se sentir a parte ferida. Então começa-se a sentir os efeitos do encontro fatal com a “morte muda”.

Mendes e Vitorino, homens pequenos e iguais nos seus desígnios, nos seus monólogos e quase monólogos – a presença de Santana é só um adereço e companhia educada para o redondo António –, constroem narrativas falsas sobre realidades efabuladas, fingem imparcialidade e desinteresse onde realmente promovem a defesa de interesses e opções ideológicas, trabalham afincadamente para iludir e enganar.

Não são os únicos que têm a patranha como única mercadoria para vender nos canais de televisão que optaram por substituir, de forma cúmplice, informação por discurso destinado em exclusivo a impor uma ideia da direita para a sociedade.

 Dá que refletir sobre o desapego, e a trágica indiferença com que já olhamos e aferimos a verdade, mutilada todos os dias, mordedura seguida de mordedura, vítima do ataque sistemático de víboras insaciáveis que a desmembram e que, sem remorso, tentam debilitar a democracia com o veneno da mentira.

Répteis


Mendes e Vitorino constroem narrativas falsas sobre realidades efabuladas, fingem imparcialidade e desinteresse onde realmente promovem a defesa de interesses e opções ideológicas, trabalham afincadamente para iludir e enganar


Numa época distante, entendi que poderia escrever romances policiais ao estilo Highsmith, Hammet ou James Elroy, assim dos que nem sempre o que parece é, onde óbvio é apenas uma ilusão, o diáfano e o glamour andam de mãos dadas com a perversão e o crime, e as consciências torturadas são reflexo da redenção de heróis imprevistos.

Foi nessa altura que adquiri tratados venezianos sobre venenos, compêndios de farmacologia, catálogos de facas espanholas, colecionei tudo o que era informação sobre alucinogénios e outros descodificadores do lado negro da alma, digamos, o lado mais interessante.

Não tendo seguido o caminho do crime, segui o da crítica política, acabando por perceber que existem duros meliantes que são meninos de sacristia comparados com alguns políticos, especialmente os da espécie rastejante que se conhecem por o nosso político-comentador-a-fingir-opinião-independente.

Pois estava eu tranquilamente lendo um dos livros da coleção desse projeto abandonado, os “Conselhos aos Caçadores de Víboras”, do naturalista e ornitólogo William Henry Hudson, que é um extraordinário hino de amor às serpentes, quando o meu espírito foi alumiado por um clarão revelador da imagem acachapada de Marques Mendes.

Isto o subconsciente tem retortas em que o consciente é uma criança ingénua.

Li algures a história de um carregador índio numa expedição pela selva peruana que foi mordido no pé por uma barba-amarela. Sem perder tempo, o homem colocou a extremidade num tronco de árvore caído e zás! Corto-o com o machete.

O belga Peter Boesman, um especialista mundial em vocalizações de pássaros e, dizem, excelente pianista, tem uma perna de plástico em lugar da verdadeira com que veio ao mundo por ter sido mordido por uma das mais perigosas serpentes do mundo, a poderosa cascavel muda – Lachesis muta –,popularmente conhecida por surucucu, mata-bois ou “o silencioso bafo dos trópicos americanos”.

E não sei porque associação lembrei-me do corpulento, embora também pequeno e seráfico, António Vitorino.

Esta lenda do mundo réptil é uma bicha que pode chegar aos quatro metros de comprido e a mordedura provoca a morte em 80% dos casos, inclusive com antídoto.

O seu nome científico faz referência a Láquesis, uma das três sinistras Moiras Gregas, que controlava o fio da vida dos seres humanos.

A mordedura tem um impacto muito doloroso e, uns segundos depois, deixa de se sentir a parte ferida. Então começa-se a sentir os efeitos do encontro fatal com a “morte muda”.

Mendes e Vitorino, homens pequenos e iguais nos seus desígnios, nos seus monólogos e quase monólogos – a presença de Santana é só um adereço e companhia educada para o redondo António –, constroem narrativas falsas sobre realidades efabuladas, fingem imparcialidade e desinteresse onde realmente promovem a defesa de interesses e opções ideológicas, trabalham afincadamente para iludir e enganar.

Não são os únicos que têm a patranha como única mercadoria para vender nos canais de televisão que optaram por substituir, de forma cúmplice, informação por discurso destinado em exclusivo a impor uma ideia da direita para a sociedade.

 Dá que refletir sobre o desapego, e a trágica indiferença com que já olhamos e aferimos a verdade, mutilada todos os dias, mordedura seguida de mordedura, vítima do ataque sistemático de víboras insaciáveis que a desmembram e que, sem remorso, tentam debilitar a democracia com o veneno da mentira.