Penso que é normal que os pais se encham de orgulho ao gerarem um filho, ao darem vida a um novo ser. É, com certeza, um momento único que se reveste de amor e imensa felicidade. Essa criaturinha vai então necessitar de atenção, de cuidados, de responsabilidades dos seus pais. Um novo mundo gira em torno daquele pequeno ser.
Aquela criança começa então por ser rodeada das melhores ofertas: a melhor creche, o melhor jardim de infância, a melhor escola privada, as melhores marcas de roupas e sapatos, o melhor telemóvel, os melhores clubes desportivos, e por aí adiante… E o pensamento dos pais parece ser óbvio: “dou-lhe o melhor para o meu filho ser o melhor.” Menos do que isso, nem pensar!
Obviamente, os pais fazem todos estes “sacrifícios” por eles. Não lhes exigem mais responsabilidades ou tarefas: apenas que os filhos sejam os melhores na escola, nas aulas de música, no futebol, na dança, no hóquei, na ginástica, etc. E vemos os pais fazendo rally de um lado para o outro a transportar os filhos, num eterno combate contra o tempo, para que os filhos possam participar em dezenas de actividades e serem os melhores. “Se eu faço tudo isto por eles, o mínimo que me podem oferecer é vencer, ganhar medalhas.”
E vemos belíssimas fotos de crianças e jovens com medalhas ao peito ou erguendo taças, no pódio! Bravo, bravo… Louvamos o pai e a mãe! Exaltamos as proezas dos seus filhos! Ganhou! O esforço, a dedicação, o cansaço dos pais são então recompensados com as orgulhosas vitórias dos filhos! “Foi duro, mas valeu a pena!”
Os filhos-ditadores passam então a filhos-troféus! É a louca corrida para a meta. E quando os filhos ridiculamente parecem querer desistir, de cansaço, de saturação, de incapacidade, os pais-treinadores encontram os melhores argumentos para o incentivo: “dou-te a Playstation que tu pediste!”; “queres o iPhone, não queres? Então, não desistas!”. “Eu sei que tu vais conseguir, filha! Vais ter um campeonato no próximo ano em Itália e vamos todos juntos para te apoiar!”…
Compramos vitórias aos filhos. Compramos os filhos para nosso brio, para o nosso ego, para colmatar as nossas frustrações. Se os amiguinhos dos nossos filhos ganham, o meu também tem de ganhar! Se os pais dos amiguinhos dos meus filhos foram às finais na China, os meus vão a França, à Rússia e à Austrália!”. Menos do que isso, nem pensar!
E certo dia aquela criança ou jovem grita: “Pai, Mãe, chega! Não aguento mais. Vou desistir!” E o mundo desmorona-se. Como pode aquele ingrato desistir das vitórias, das medalhas, dos golos, das alegrias, dos bons resultados, depois de tantos sacrifícios, tanto trabalho, tantos treinos, tantos fins-de-semana perdidos por ele?
Mesmo que não haja a vocação, o talento, o ânimo, a vontade e a motivação, o que se quer é vencer! Queremos exibir na família, no círculo de amigos, as taças e as medalhas e as fotos dos nossos filhos-troféus! Mas ele desistiu… O sonho não se cumpriu.
Parte-se, nesse dia, o espelho. O nosso filho-espelho.
José Paulo Santos