Será que todos os burros comem palha?


Há uma regionalização subreptícia em curso e medidas de fachada no Simplex e poucas reações


1) A ideia de eleger diretamente os presidentes da área metropolitana de Lisboa e do Porto está em curso novamente, prevendo-se a sua aplicação já nas autárquicas de 2017. Interessa à classe política porque são objetivamente mais uns tachos inúteis e mais uns carrinhos de serviço. O governo e os partidos que o sustentam estão de acordo. O PSD deve concordar, pois no seu recente congresso até aprovou uma moção defendendo a regionalização do Algarve. Pelo andar da carruagem, um destes dias temos uma regionalização feita subrepticiamente, parcelarmente e inconstitucionalmente depois de ela ter sido rejeitada pelos portugueses num referendo, imposto no tempo em que Marcelo era líder do PSD. A criação destas regiões com uma liderança personalizada iria aumentar tensões, despesas e controvérsias. Portugal não precisa disso para nada. Precisa, sim, de planos de ordenamento e de concertação de interesses aplicado por um governo nacional. Para o resto existem instâncias de diálogo que cheguem, sem esquecer as CCDR. Para pior já basta assim.

2) O caso do Simplex Mais contém embustes. O fisco vai preencher de ponta a ponta o imposto da maioria das pessoas, como já o faz parcialmente. No fundo conta-se com a dificuldade que os formulários representam para que a maioria coma esta palha da simplificação sem refilar. E é isso que vai acontecer. Lá tiveram que explicar que quem quiser retificar alguma coisa o pode fazer. Mas quando? E se não quiser deixar de ter a chatice de fazer o seu próprio IRS? E se não estiver certo o que lhe propuserem, como é que se retifica? E nos milhares de casos em que há pormenores a esclarecer fala-se com quem? O mais certo é ser para uma linha em que ninguém atende. Por que razão não há um período experimental para evitar as barracadas do costume, como a deste ano marcado por milhares de erros nas quantias a devolver em desfavor do cidadão?

3) Ainda no caso Simplex dá vontade de rir a história de uma criança nascer e ter logo cartão de cidadão…e médico de família. Então não há médicos para um milhão e tal de pessoas, muitas das quais doentes crónicos e quer-se fazer acreditar que haverá para recém-nascidos? Quando muito haverá o equipamento que alguém comprou que permite fazer uma operação informática virtual. Agora o médico? Haja decoro.

4) Ir a um hospital público da parte da tarde é elucidativo. Médicos poucos ou nenhuns, pois a maioria está nos privados ou nos consultórios. No apoio aos doentes há basicamente enfermeiros e auxiliares. Os serviços administrativos também entram numa espécie de sesta mexicana. Aliás, está-se a verificar por casos e falhas que se vão conhecendo em algumas unidades que é exactamente do lado burocrático que há cada vez mais falhas, com documentos que não circulam, autorizações que não seguem e papéis que ficam na gaveta porventura à espera que o doente desista ou pior ainda. A situação é extensiva aos Centros de Saúde. Em síntese, de manhã há (ainda) medicina pública, à tarde a privada funciona a todo o gás. E, claro, poucos são os funcionários que cumprem 35 horas, quanto mais 40.

5) Durante anos foi contada aos portugueses a fábula de que a economia era fraca, mas que os bancos eram sólidos e fiáveis. Mesmo depois das falências da Caixa Faialense, do BPP, do BPN ninguém com responsabilidades institucionais disse a verdade. Foi preciso a fraude do BES/GES (abundantemente denunciada neste jornal), a queda do BANIF e os sucessivos resultados negativos dos bancos a precisarem de aumento de capital para que a dramática situação geral tenha sido exposta sem apelo nem agravo. Seria interessante somar os buracos todos dos últimos 10 anos. Chegar-se-ia à conclusão de que os prejuízos diretos e indiretos se contam em biliões. Além dos gestores, acionistas e reguladores, há grandes responsabilidades do governo anterior que não traçou um plano de utilização plena dos 12 mil milhões que a Troika tinha disponibilizado especificamente para o efeito. Bem podem agora desenvolver-se campanhas contra a espanholização. Se há bancos espanhóis que crescem e ganham quota, é simplesmente porque os clientes depositantes confiam mais neles, como sucede com a Caixa Geral de Depósitos que (até ver) tem funcionado como referência de segurança.  

6) Amanhã o governo faz seis meses. Em substância o que se pode dizer é que o seu grande ativo (para recorrer ao economês) é António Costa. Os portugueses dão sinais de gostar do estilo. Os resultados objetivos não são brilhantes e por enquanto ainda se pode culpar a conjuntura. Mas é difícil que continue assim. Há um descontrolo evidente na economia e em várias áreas públicas que geram custos. A estratégia é de imediatismo. A sobrevivência da maioria sobrepõe-se a tudo e o Bloco e o PC forçam a nota, defendendo as suas corporações. Costa vai ganhando espaço e Marcelo vai ganhando distância da tal geringonça. Junho vai ser duro, o verão pode ser quente e a rentrée agitada.

Jornalista
 


Será que todos os burros comem palha?


Há uma regionalização subreptícia em curso e medidas de fachada no Simplex e poucas reações


1) A ideia de eleger diretamente os presidentes da área metropolitana de Lisboa e do Porto está em curso novamente, prevendo-se a sua aplicação já nas autárquicas de 2017. Interessa à classe política porque são objetivamente mais uns tachos inúteis e mais uns carrinhos de serviço. O governo e os partidos que o sustentam estão de acordo. O PSD deve concordar, pois no seu recente congresso até aprovou uma moção defendendo a regionalização do Algarve. Pelo andar da carruagem, um destes dias temos uma regionalização feita subrepticiamente, parcelarmente e inconstitucionalmente depois de ela ter sido rejeitada pelos portugueses num referendo, imposto no tempo em que Marcelo era líder do PSD. A criação destas regiões com uma liderança personalizada iria aumentar tensões, despesas e controvérsias. Portugal não precisa disso para nada. Precisa, sim, de planos de ordenamento e de concertação de interesses aplicado por um governo nacional. Para o resto existem instâncias de diálogo que cheguem, sem esquecer as CCDR. Para pior já basta assim.

2) O caso do Simplex Mais contém embustes. O fisco vai preencher de ponta a ponta o imposto da maioria das pessoas, como já o faz parcialmente. No fundo conta-se com a dificuldade que os formulários representam para que a maioria coma esta palha da simplificação sem refilar. E é isso que vai acontecer. Lá tiveram que explicar que quem quiser retificar alguma coisa o pode fazer. Mas quando? E se não quiser deixar de ter a chatice de fazer o seu próprio IRS? E se não estiver certo o que lhe propuserem, como é que se retifica? E nos milhares de casos em que há pormenores a esclarecer fala-se com quem? O mais certo é ser para uma linha em que ninguém atende. Por que razão não há um período experimental para evitar as barracadas do costume, como a deste ano marcado por milhares de erros nas quantias a devolver em desfavor do cidadão?

3) Ainda no caso Simplex dá vontade de rir a história de uma criança nascer e ter logo cartão de cidadão…e médico de família. Então não há médicos para um milhão e tal de pessoas, muitas das quais doentes crónicos e quer-se fazer acreditar que haverá para recém-nascidos? Quando muito haverá o equipamento que alguém comprou que permite fazer uma operação informática virtual. Agora o médico? Haja decoro.

4) Ir a um hospital público da parte da tarde é elucidativo. Médicos poucos ou nenhuns, pois a maioria está nos privados ou nos consultórios. No apoio aos doentes há basicamente enfermeiros e auxiliares. Os serviços administrativos também entram numa espécie de sesta mexicana. Aliás, está-se a verificar por casos e falhas que se vão conhecendo em algumas unidades que é exactamente do lado burocrático que há cada vez mais falhas, com documentos que não circulam, autorizações que não seguem e papéis que ficam na gaveta porventura à espera que o doente desista ou pior ainda. A situação é extensiva aos Centros de Saúde. Em síntese, de manhã há (ainda) medicina pública, à tarde a privada funciona a todo o gás. E, claro, poucos são os funcionários que cumprem 35 horas, quanto mais 40.

5) Durante anos foi contada aos portugueses a fábula de que a economia era fraca, mas que os bancos eram sólidos e fiáveis. Mesmo depois das falências da Caixa Faialense, do BPP, do BPN ninguém com responsabilidades institucionais disse a verdade. Foi preciso a fraude do BES/GES (abundantemente denunciada neste jornal), a queda do BANIF e os sucessivos resultados negativos dos bancos a precisarem de aumento de capital para que a dramática situação geral tenha sido exposta sem apelo nem agravo. Seria interessante somar os buracos todos dos últimos 10 anos. Chegar-se-ia à conclusão de que os prejuízos diretos e indiretos se contam em biliões. Além dos gestores, acionistas e reguladores, há grandes responsabilidades do governo anterior que não traçou um plano de utilização plena dos 12 mil milhões que a Troika tinha disponibilizado especificamente para o efeito. Bem podem agora desenvolver-se campanhas contra a espanholização. Se há bancos espanhóis que crescem e ganham quota, é simplesmente porque os clientes depositantes confiam mais neles, como sucede com a Caixa Geral de Depósitos que (até ver) tem funcionado como referência de segurança.  

6) Amanhã o governo faz seis meses. Em substância o que se pode dizer é que o seu grande ativo (para recorrer ao economês) é António Costa. Os portugueses dão sinais de gostar do estilo. Os resultados objetivos não são brilhantes e por enquanto ainda se pode culpar a conjuntura. Mas é difícil que continue assim. Há um descontrolo evidente na economia e em várias áreas públicas que geram custos. A estratégia é de imediatismo. A sobrevivência da maioria sobrepõe-se a tudo e o Bloco e o PC forçam a nota, defendendo as suas corporações. Costa vai ganhando espaço e Marcelo vai ganhando distância da tal geringonça. Junho vai ser duro, o verão pode ser quente e a rentrée agitada.

Jornalista