Cavaco Silva deixou ontem a Casa do Regalo, em Alcântara, para ser homenageado pela Associaçao de Antigos Alunos do ISEG. O ex-Presidente da República foi eleito o Antigo Aluno do Ano e lá foi obrigado a aparecer em público, coisa rara depois de ter deixado Belém no dia 9 de março. Mas o ISEG, ou melhor, o antigo Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras faz parte da vida de Cavaco Silva e foi naturalmente com satisfação e talvez mesmo com emoção que o antigo aluno, antigo assistente e antigo professor catedrático pisou os velhos e novos claustros de uma escola que fez e faz parte da história portuguesa do século XX e século XXI.
O ex-presidente não é homem de grandes afetos públicos. Ao contrário do seu sucessor, que anda pelo país a distribuir afetos, Cavaco sempre foi um contabilista rigoroso pouco dado a manifestações que lhe pusessem a alma a nu. E como não tem jeito para graçolas e sempre encarou o seu papel de forma muito institucional, deve abrir a boca de espanto sempre que abre a rádio, a televisão e os jornais e vê Marcelo a rir, Marcelo a sorrir, Marcelo a gracejar com o primeiro-ministro, a dançar em Moçambique ou a andar pelas ruas de Lisboa a pé. O homem que se diplomou em Contabilidade em 1959 no Instituto Comercial de Lisboa, licenciou-se em Economia e Finanças em 1964 no ISEF e doutorou-se em Economia Pública em 1974 na Universidade de Iorque em Inglaterra nunca foi adepto de manifestações exteriores de otimismo ou pessimismo ou de amores e desamores pelo próximo.
Agora que saiu da vida política para sempre, só em situações muito excecionais Cavaco Silva virá a público falar da atualidade ou entrar em polémicas sobre a economia, as contas públicas, os défices ou a dívida pública. Até por uma razão que o persegue desce 1973 quando apresentou a sua tese de doutoramento “Contribution to the Theory of the Macroeconomic Effects of Public Debt”.
Ao longo da sua vida política, em particular quando foi ministro das Finanças de Sá Carneiro entre 1979 e 1980 e primeiro-ministro de 1985 a 1995, muitas foram as vozes que o acusaram de ter esquecido tudo o que escreveu e defendeu quando dirigiu o país. A dívida pública disparou e o Estado, o monstro para Cavaco, nunca cresceu tanto e nunca gastou tanto dinheiro com o ex-líder do PSD sentado em S. Bento. A reforma fiscal de 1988 e o novo regime contributivo da função pública levaram até Miguel Cadilhe, seu ex-ministro das Finanças, a acusá-lo de ser o pai e a mãe de um monstro que ainda hoje atormenta os portugueses.
Mas ontem, no ISEG, a homenagem foi para o antigo aluno, bom aluno, trabalhador, afastado das lutas académicas, assistente empenhado, professor pouco dado a grandes convívios com os alunos e que a Pátria de abril escolheu para primeiro-ministro durante dez anos e Presidente da República por uma década. O antigo ministro das Finanças, que no dia 14 de Maio de 1980 foi notícia de última hora da ANOP por ter escapado a um atentado das FP 25 abril. Atentado que Maria Cavaco Silva se apressou a desmentir: “Foi uma tentativa de roubo de um automóvel aqui na minha rua, na Travessa do Possolo”.
E, assim, de forma prosaica, Maria deu cabo de um herói improvável.