Ken Loach. “Um novo mundo é possível”

Ken Loach. “Um novo mundo é possível”


Com “I, Daniel Blake”, o realizador vence a segunda Palma de Ouro naquela que foi a sua 13ª presença no Festival de Cannes. Na interpretação, Jaclyn Jose ganhou o prémio feminino, por “Ma’Rosa”, e Shahab Hosseni o masculino. Olivier Assayas e Cristian Mungiu foram considerados os melhores realizadores


“Um novo mundo é possível. E necessário!” Foi com estas palavras de ordem que o cineasta britânico Ken Loach, que completa 80 anos no próximo mês, superou o espanto da distinção e se dirigiu ao mundo, ao ganhar a sua segunda Palma de Ouro (a primeira fora em 2006, com “Brisa de Mudança”). E, não se absteve mesmo de apontar o dedo à extrema-direita, uma força que ganha espaço em França, e em vários outros países da Europa.

Num palmarés onde se detecta uma certa dimensão social, apenas com “Personal Shoppper”, de Olivier Assayas, a destoar, – esta é, seguramente, a escolha mais insólita nesta edição que recordou a importância social da sétima arte. “O cinema é um sinal de protesto”, insistiu Ken Loach, no seu discurso. “Espero que esta tradição se mantenha.”

Recorde-se que Loach, há dois anos, havia dado como terminada a sua carreira, mas acabou por voltar agora a vencer a Palma de Ouro. No seu discurso de agradecimento, iniciado num francês fluido, acabou então por conduzir o foco para a relevante dimensão social do seu filme, recordando aqueles que não têm o suficiente para comer. Recorde-se que “I, Daniel Blake” aborda o problema de um homem e a sua deriva kafkiana com o sistema de saúde britânico para obter um certificado de invalidez, devido a uma doença cardíaca que o impede de trabalhar. Mas que não o impede de ajudar uma jovem mãe solteira e desesperada para encontrar trabalho e manter alguma dignidade diante dos seus filhos menores.

Loach, conhecido pelo seu cinema de forte recorte social e reação às políticas liberais britânicas e europeias, foi ainda mais longe nas suas palavras e não se esqueceu de mencionar os problemas atuais por que passam os migrantes sírios, bem como de mencionar os países com maiores dificuldades orçamentais, citando mesmo o caso português.

Encerrada esta 69ª edição do Festival de Cannes, poderemos dizer que foi uma das mais ricas dos últimos anos. Tivemos a nata dos autores do world cinema com filmes que nos ofereceram algumas das histórias mais incríveis que iremos seguramente digerir ao longo deste ano.

Uma palavra ainda para a inesperada distinção da filipina Jacklyn Jose, que interpreta em “Ma’Rosa”, de Brillante Mendoza, uma mãe que é forçada a vender droga para sustentar a família, acabando assim por gorar as expectativas de Sónia Braga, a preferida de muitos, pelo seu papel em “Aquarius”, e ainda de Isabelle Huppert, em “Elle”, onde assume um insólito papel de uma mulher violada.

Mesmo com a ausência de alguns favoritos, como o já referido “Aquarius”, de Kléber Mendonça, “Elle”, de Paul Verhoeven, e “Paterson”, de Jim Jarmusch, temos de saudar as escolhas do júri.

Nota ainda para a vitória de “Toni Erdmann” que arrecadou o Prémio da Crítica. Desde o início um dos preferidos da crítica, “Toni Erdmann”, o terceiro filme da alemã Maren Ade, foi o eleito pela FIPRESCI, a Federação Internacional de Críticos de Cinema. Um estudo curioso da relação entre pai e filha e, sobretudo, da forma como o primeiro faz a segunda “sair da casca”.

O Prémio Ecuménico, atribuído pelas associações de críticos religiosos foi entregue ao canadiano Xavier Dolan, pelo intenso e emotivo “Juste da Fin du Monde”, que recebeu ainda o Grande Prémio.