O secretariado dá lugar ao trabalho de Pedro Gramaxo, Duarte Amaral Netto toma conta do Arquivo, Inês Teles vira Chefe de Departamento. E por ali fora, por uns corredores onde o quadriculado do chão perdeu as suas linhas retas para o desgaste do tempo e a luz ficou perdida em lâmpadas que chegaram ao fim da vida, sucede-se um labirinto de salas, que outrora foram departamentos do mar, do pessoal e tantas outras coisas que compuseram o Instituto Portuário e dos Transportes Marítimos. Quando a mão se confunde e abre uma porta que não deveria ser aberta, vão-se descobrindo despojos do que por ali já viveu, pilhas e pilhas de dossiês, registos do passado.
É aqui, no esqueleto do que já foi, que arranca hoje mais uma edição da Mostra’16 Lisboa. E, de repente, estas salas voltam a ganhar vida, ocupadas, desta feita pelo trabalho de 98 artistas, consagrados e emergentes – “um número recorde”. São ele que ocupam, até dia 29, este Edifício Vasco da Gama – Doca de Alcântara Norte, abandonado desde que o Instituto Portuário e dos Transportes Marítimos dali saiu.
Esta foi uma escolha de espaço acidental. Quando chegou da primeira edição no Porto, que decorreu entre 16 e 20 de abril, a galerista Patrícia Pires de Lima contava com um espaço para realizar mais esta Mostra. Mas descobriu que ali não havia eletricidade. “Entrei em pânico e ainda pensei em desistir, mas não queria nada porque já me tinha comprometido com quase cem artistas. Em cerca de uma semana tive de encontrar um espaço alternativo e tive a sorte de conseguir este. Estou radiante com o espaço, ainda por cima fica muito perto da Cordoaria onde, em paralelo, vai decorrer a ArcoLisboa”, explica.
Pedro Gramaxo, que faz a sua estreia nesta Mostra, não conhecia a história. Mas não esconde a satisfação pelo local encontrado, quando a galerista o visita na sua sala. “Foi uma ótima escolha”, diz. “E para mim o espaço é muito importante. Aliás, tenho tido uma atitude muito egoísta, de não mostrar as minhas obras, também porque gosto sempre de decidir os sítios onde o faço. Só que agora achei que estava na altura de aceitar o desafio de participar em algo com mais artistas e sem poder controlar o espaço onde ia expor”, explica.
Sem a fronteira do currículo. “Foi uma experiência, mas acho que ficou muito louco”, diz Luís Bívar, enquanto mostra um retrato que tinha pintado na véspera, “de um assassino dos anos 50”. É um dos artistas consagrados que marca presença na Mostra, pela segunda vez. Dessa primeira experiência, sublinha justamente o aproveitamento de espaços perdidos na cidade. Mas sobretudo “o poder conhecer o trabalho dos outros artistas”. “Há uma grande entreajuda entre os participantes”, acrescenta a organizadora Patrícia Pires de Lima. É, de resto, esse o ADN desta Mostra, que nasceu justamente para deitar por terra as fronteiras dos currículos, para juntar no mesmo espaço artistas consagrados e emergentes, desmistificando receios e resistências. Mas sem os diferenciar.
É para que não existam diferenças ente emergentes e consagrados que, à porta de cada sala, consta o nome do artista mas nenhuma referência ao seu estatuto ou percurso. É em paralelo que mostram o seu trabalho, nas mais variadas expressões e com poder de decisão em relação à forma como querem intervir na sala que lhes foi atribuída. Há uma sala onde os vidros foram pintados com iogurte. Natural.
Mas esta não é apenas mais uma exposição. Todas as peças estão à venda, como se de uma fusão entre exposição e galeria se tratasse. Os preços vão de 300 euros a 30.000 euros, a peça mais dispendiosa, do veterano Miguel Palma. “Não quero que se continue a alimentar a ideia de que só as pessoas com muito dinheiro podem comprar arte”. Para as pessoas que não se consigam decidir no momento, nesta edição está já em pleno funcionamento o site (www.mostra-online.com), uma espécie de galeria virtual, onde é possível comprar tudo aquilo que esteve em exposição durante os dias da Mostra. E parte das vendas reverterá a favor da associação Princesa Azul, que trabalha com crianças vítimas de bullying.