Nos manuais de história das ideias políticas há muito que ganhou direito de cidade a convicção de que a França não é reformável. Para lá da mutação revolucionária, as estruturas sociais resistem a toda e qualquer tentativa de adaptação. E o medo da “revolução” faz com que todos os governos da v República vejam revolucionários em todas as esquinas. Ou, provavelmente, os governos são profundamente democráticos e não desejam combater a maioria: funcionários públicos, pensionistas e funcionários do setor privado com contratos de trabalho por tempo ilimitado. Os mais jovens e os menos jovens, os que têm contratos de trabalho precários ou que pura e simplesmente estão no desemprego ou no desemprego camuflado (estágios, formações, ateliês, eternas pós-graduações em ciências ocultas,…) não estão disponíveis para a revolução contra a ordem constituída, estão, pelo contrário, empenhadamente apostados na sua defesa. De caminho, o crescimento económico é anémico, o desemprego aumenta, a produtividade cai e as exportações também. Com exceção da Europa de leste, que está numa fase diferente de crescimento, e do Reino Unido, o “mal français” espalhou-se por toda a Europa.
A grogne contra este estado de coisas e contra os governantes de turno alimenta movimentos populistas de direita que correm o risco de, nas eleições presidenciais de 2017, chegar ao Eliseu. Até ao presente, o sistema eleitoral francês para as legislativas, maioritário a duas voltas, tem evitado que os partidos de protesto, à esquerda (como aconteceu na Grécia, Itália, Espanha e Portugal), cheguem ao parlamento e até, nalguns casos, ao governo, e tem contido a Frente Nacional (ao contrário do que aconteceu com os movimentos de extrema-direita nacionalista na Alemanha, Hungria e países nórdicos). Quem não conhecia Hollande – e muitos não o conheciam, nem sequer em França – achou, em 2012, que o “mal français” poderia ser combatido à esquerda. Outros tinham achado que Sarkozy encarnava o presidente providencial que, à direita (ou lá perto), faria o milagre. Sarkozy perdeu para Hollande. Hollande jurou não se recandidatar se o desemprego não diminuísse. Tirando os fiéis empregados na corte presidencial, ninguém em seu perfeito juízo na Rue de Solférino deseja uma recandidatura de Hollande. Pelas bandas do centro-direita, recauchutado como Les républicains, o entusiasmo com uma recandidatura de Sarkozy é também apanágio dos cortesãos e nas primárias muitos apostam numa vitória de Alain Juppé, um jovem nascido em 1945.
Um ministro do governo Hollande decidiu recentemente lançar um “movimento político” com o promissor nome “En marche!” e tem passado noites e fins de semana em campanha de angariação de fundos. Emmanuel Macron tem no site do seu movimento apenas um vídeo que, sinal dos tempos, poderia servir para vender calcitrin ou pensos higiénicos.
Para os menos familiarizados com o aramaico, vale a pena abonar a favor de Macron a etimologia de Emmanuel: Deus connosco, pela via da profecia e, para os literalistas mais acerbos, pela via da filiação. Que Deus possa vir a estar com Emmanuel é questão sobre a qual não me atrevo a alvitrar. Que o povo francês o venha a fazer, já me parece francamente improvável.