A notícia de que o Infarmed pretende rever as comparticipações de medicamentos de marca caros e com alternativas terapêuticas no mercado apanhou de surpresa as farmacêuticas, que já começaram a encontrar problemas na avaliação do regulador. Segundo o i apurou, algumas empresas queixaram-se informalmente à Apifarma de que o Infarmed está a usar como comparador medicamentos que não estão disponíveis no mercado – mesmo estando autorizados, não estão à venda. E há pelo menos um caso, de um antibiótico, em que foi usado como comparador um medicamento genérico, o que por lei não pode acontecer. Só que esse não é o único problema: o genérico também não está à venda.
No site do Infarmed, o genérico do antibiótico aparece como “temporariamente indisponível” mas, segundo o i apurou após contacto com farmácias, o medicamento não está a ser comercializado. José Aranda da Silva, ex-presidente do Infarmed, explicou ao i que a existência de “medicamentos-fantasma” nas bases de dados do Infarmed é um problema crónico que, numa reavaliação deste género, importa ser resolvido, sob pena de se usarem como comparadores medicamentos que não estão disponíveis ou têm cotas irrelevantes, podendo potencialmente prejudicar-se o acesso.
Questionado pelo i, o Infarmed nega situações desta natureza na avaliação em curso e garante que foram usados nas comparações medicamentos não genéricos, autorizados e comercializados, tendo em conta a mesma substância ativa, forma farmacêutica, dosagem, apresentação e quantidade do medicamento. No caso do antibiótico, isso é impossível: sem ser o produto de marca, não há mais produtos com a mesma substância e dose além do genérico.
Lista secreta O i solicitou ao Infarmed que revelasse a lista de medicamentos que arriscam perder comparticipação. O regulador respondeu que neste momento “não é possível divulgar a lista dos medicamentos englobados na reavaliação, visto o processo estar a decorrer e se aguardar a resposta das empresas envolvidas”.
O regulador adianta apenas, por agora, que em causa estão medicamentos de marca de subs-tâncias ativas como a amoxicilina, ibuprofeno, clopidogrel ou fluoxetina. Esta última é, por exemplo, a substância ativa do medicamento de marca Prozac, mas o i confirmou junto da farmacêutica que o vende que não foram notificados para baixar o preço. Até porque não são o produto desta categoria com o preço mais elevado. Em causa, apurou o i, estarão sobretudo apresentações mais antigas, mas mesmo isso causa estranheza no setor, porque os preços de medicamentos não genéricos que custem mais de cinco euros já são revistos anualmente, tendo por base os preços de países de referência.
10 dias para responder De acordo com o Infarmed, as empresas foram notificadas por ofício na semana passada e têm dez dias úteis para apresentarem uma nova proposta de preço. O Infarmed garante que, caso haja descomparticipações, os doentes não serão penalizados, uma vez que haverá outros produtos com a mesma substância e dose idêntica aos que correm o risco de perder comparticipação. E o Infarmed adianta que existem alternativas de marca e, em alguns casos, também genéricos.
Na base desta reavaliação está um pressuposto da lei de que um dos motivos para exclusão de comparticipação é os medicamentos terem um preço 20% superior ao de alternativas não genéricas. Há 15 anos que esse critério, revalidado no ano passado com a instituição do SiNATS – Sistema Nacional de Avaliação de Tecnologias de Saúde – não era usado. Entre as empresas farmacêuticas, que têm um protocolo com o Estado para conter a despesa pública com medicamentos, causa estranheza que o assunto não tenha sido discutido. O Infarmed diz que há um potencial de poupança na casa dos 35,2 milhões de euros por ano, dos quais 21,3 milhões só para os utentes. Em 2015, a despesa pública com medicamentos rondou dois mil milhões.