Brasil. Temer sem descanso em país perturbador

Brasil. Temer sem descanso em país perturbador


Ex-ministro (re)condenado, ações da Eletrobras suspensas em Nova Iorque e um presidente interino agarrado às contas que o mantêm no poder


 “O mais perturbador”, escreveu ontem o juiz Sérgio Moro no acórdão com que condenou o ex-ministro José Dirceu a 23 anos de prisão, “consiste no facto de que recebeu propina inclusive enquanto estava sendo julgado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal”.

Dirceu, o homem que antecedeu a Dilma Rousseff como ministro da Casa Civil no governo de Lula da Silva, fora condenado em 2012 a sete anos e 11 meses de prisão por ser considerado o cabecilha do esquema de compra de deputados, conhecido como mensalão. Pena que só começou a cumprir em novembro de 2013. Ontem, Sérgio Moro denunciou que há registos de pagamentos ao ex-ministro “pelo menos até 13/11/2013”, o que significa que até às vésperas de entrar na prisão por um esquema de corrupção continuou a ser beneficiário de outros que ainda não havia sido descoberto pelas autoridades.

Um facto que o juiz considerou ter “valorizado negativamente” na hora de ditar a sentença de Dirceu, condenado por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e participação em organização criminosa. E que mostra o sentimento de impunidade reinante de uma classe política que apesar dos avisos continua por renovar. Além de Dirceu, outras dez pessoas viram ontem decretadas penas de prisão num processo que promete não ficar por aqui, incluindo um irmão do ex-ministro, um ex-assessor e um antigo tesoureiro do PT.

E a Lava Jato teve ontem consequências também em Nova Iorque, onde a bolsa de valores suspendeu a negociação de títulos da Eletrobras devido à falha da empresa estatal em enviar às autoridades norte-americanas o balanço oficial de contas relativo a 2014. E a falha tem uma explicação: é a auditora KPMG que se recusa a assinar um documento que omite as consequências para a empresa do esquema de corrupção exposto pela Lava Jato.

O ministro das Minas e Energia, Fernando Bezerra Filho, disse ontem que durante os três meses de julgamento ao recurso que será apresentado pela Eletrobras à bolsa de Nova Iorque, o governo fará “todo o esforço possível para que a investigação seja concluída e que dê conforto à auditoria independente para poder assinar o balanço”.

Problemas para a gestão de um presidente interino empossado há menos de uma semana e que não sabe quanto tempo ficarão no cargo. A escolha do representante do governo na Câmara de Deputados motivou a primeira rixa no interior da nova coligação formada por Michel Temer.

O presidente era favorável à escolha de Rodrigo Maia, dirigente do DEM, um dos partidos que passou da oposição para o governo com a queda de Dilma Rousseff. Mas o PP, PR e PSD, três formações que transitaram da coligação liderada por Dilma, rejeitaram a escolha de alguém que vinha de fora. Temer sabe que precisa dos votos de todas essas formações para garantir que as restantes votações do impeachment continuam a ser desfavoráveis a Dilma.

E acabou por ceder à pressão do grupo chamado ‘centrão’, aquele que mais rapidamente pode voltar para o lado do PT. Mesmo que o nome escolhido acabe por ser o de André Moura, tido como muito próximo de Eduardo Cunha – o ex-presidente da Câmara de Deputados que foi suspenso pelo Supremo dias antes da queda de Dilma e que é provavelmente a figura menos popular da política brasileira.

nuno.e.lima@ionline.pt