Ah! Minhas vagabundas


Com as palavras posso ser tudo e outra coisa, não posso é ser nada, porque ninguém é uma insignificância 


As palavras são a minha perdição. Tivesse eu engenho, talento e habilitação para doutor e só vivia delas. 
Punha-as a render, dava-lhes a volta com modo parlapatão e seduzia–as com palhetas de bandoneón, num jeito de malandro de esquina a traficar folha virgem.

Mas são elas que me tiram do sério, que me alegram e deixam triste, que me iluminam e me enchem de temor, que me constroem e desfazem, que me oferecem e apresentam, que me escondem e desfiguram. É com elas que tanto me agiganto como me revelo vil. 

Com as palavras posso ser tudo e outra coisa, não posso é ser nada, porque ninguém é uma insignificância. Estão em todo o lado, sem elas não há homem nem mulher, nem mundo, nem principio ou passado, nem presente ou futuro, elas é que são o som e a fúria. A luz. 

Elas são tentação, ardor e céu, tudo num gemido. Antes de nós, já possuíram o corpo desejado, rendido na tortura da língua que, entre sussurros e carícias, alucina o amante feliz.

Ah! Minhas palavras vagabundas, como invejo os mestres que vos sincelam e emprenham, cheias de todas as coisas, fazedoras de sonhos e presságios. Verbo. 

Palavras, domingo fui assistir ao final do campeonato de futebol, movido por duas razões; a primeira foi o meu filho Pedro desejar muito que fôssemos; a segunda, a curiosidade de perceber que força era aquela que, semana após semana, apaixonava o meu amigo Neves Gomes, homem cultivado e sensível, com uma determinação e convicção inabaláveis.

Foram as palavras do meu amigo sobre a plástica de um golo, aquela corrida dramática, o passe artístico e a defesa heroica, o estádio a vibrar no hino, a lembrar que vencidos são os outros, de deuses feitos de homens, da relva mordida e do músculo magoado, da glória na metade do último segundo, que me fizeram desejar perceber isso.

Foi uma tarde inesquecível. Com o meu filho aprendi o significado da palavra “mística”. Mas foram as palavras do treinador do Benfica, registadas em vídeo nas redes sociais, que deram significado ao conceito de líder, que é o que Rui Vitória acima de tudo é. Palavras ganhadoras.

Celebrámos o Dia da Europa envolvidos numa profunda crise de política externa e interna que se acentuou com a crise dos refugiados, que por sua vez provocou uma onda de populismo xenófobo e antieuropeu. Desmoralizada é a palavra para esta Europa à deriva. 

Nesta Europa consumida por um capitalismo em profunda crise sem soluções no sistema vigente, com um descontentamento popular explosivo face a políticas de ataque às condições de vida e de trabalho, com o alastramento da corrupção e das fraudes em grande escala, aumenta o perigo de o fascismo poder voltar sob as vestes mais inocentes. Memória e denúncia, duas palavras essenciais.

E a palavra democracia, escrita e pronunciada milhões de vezes todos os dias, para onde vai? Persistimos em chamar democracia a algo que cada vez menos tem que ver com a democracia? Prostituímos o conceito e traímos a palavra. Poder, cidadania, representação, palavras urgentes.

“Temos pela frente muita luta a desenvolver e a travar pela defesa, reposição e conquista de direitos dos trabalhadores e do povo. Luta tão mais necessária quanto fica patente em toda a evolução destes meses, apesar dos avanços positivos, o caráter limitado da atual solução política”, disse Jerónimo de Sousa.

Palavras sérias, transparentes, de quem não confunde, não troca nem esconde. Palavras com esperança dentro.
Palavra fraternidade: está por cima das ideologias, das religiões, das nacionalidades e das classes. Não é por acaso que a Revolução Francesa a juntou aos valores da igualdade e da liberdade.

A fraternidade expressa a ideia de que todos estamos unidos pela mesma condição de homens e mulheres e que nada do que nos sucede nos pode ser estranho. Palavra a recuperar.

Liberdade de imprensa, liberdade de expressão, liberdade de associação política, libertação: foi em virtude dessas palavras que nos formámos como homens e mulheres livres.

Vagabunda, indomável, adorada, por ti lutamos numa tarefa que nunca acaba. Palavra liberdade. 


Ah! Minhas vagabundas


Com as palavras posso ser tudo e outra coisa, não posso é ser nada, porque ninguém é uma insignificância 


As palavras são a minha perdição. Tivesse eu engenho, talento e habilitação para doutor e só vivia delas. 
Punha-as a render, dava-lhes a volta com modo parlapatão e seduzia–as com palhetas de bandoneón, num jeito de malandro de esquina a traficar folha virgem.

Mas são elas que me tiram do sério, que me alegram e deixam triste, que me iluminam e me enchem de temor, que me constroem e desfazem, que me oferecem e apresentam, que me escondem e desfiguram. É com elas que tanto me agiganto como me revelo vil. 

Com as palavras posso ser tudo e outra coisa, não posso é ser nada, porque ninguém é uma insignificância. Estão em todo o lado, sem elas não há homem nem mulher, nem mundo, nem principio ou passado, nem presente ou futuro, elas é que são o som e a fúria. A luz. 

Elas são tentação, ardor e céu, tudo num gemido. Antes de nós, já possuíram o corpo desejado, rendido na tortura da língua que, entre sussurros e carícias, alucina o amante feliz.

Ah! Minhas palavras vagabundas, como invejo os mestres que vos sincelam e emprenham, cheias de todas as coisas, fazedoras de sonhos e presságios. Verbo. 

Palavras, domingo fui assistir ao final do campeonato de futebol, movido por duas razões; a primeira foi o meu filho Pedro desejar muito que fôssemos; a segunda, a curiosidade de perceber que força era aquela que, semana após semana, apaixonava o meu amigo Neves Gomes, homem cultivado e sensível, com uma determinação e convicção inabaláveis.

Foram as palavras do meu amigo sobre a plástica de um golo, aquela corrida dramática, o passe artístico e a defesa heroica, o estádio a vibrar no hino, a lembrar que vencidos são os outros, de deuses feitos de homens, da relva mordida e do músculo magoado, da glória na metade do último segundo, que me fizeram desejar perceber isso.

Foi uma tarde inesquecível. Com o meu filho aprendi o significado da palavra “mística”. Mas foram as palavras do treinador do Benfica, registadas em vídeo nas redes sociais, que deram significado ao conceito de líder, que é o que Rui Vitória acima de tudo é. Palavras ganhadoras.

Celebrámos o Dia da Europa envolvidos numa profunda crise de política externa e interna que se acentuou com a crise dos refugiados, que por sua vez provocou uma onda de populismo xenófobo e antieuropeu. Desmoralizada é a palavra para esta Europa à deriva. 

Nesta Europa consumida por um capitalismo em profunda crise sem soluções no sistema vigente, com um descontentamento popular explosivo face a políticas de ataque às condições de vida e de trabalho, com o alastramento da corrupção e das fraudes em grande escala, aumenta o perigo de o fascismo poder voltar sob as vestes mais inocentes. Memória e denúncia, duas palavras essenciais.

E a palavra democracia, escrita e pronunciada milhões de vezes todos os dias, para onde vai? Persistimos em chamar democracia a algo que cada vez menos tem que ver com a democracia? Prostituímos o conceito e traímos a palavra. Poder, cidadania, representação, palavras urgentes.

“Temos pela frente muita luta a desenvolver e a travar pela defesa, reposição e conquista de direitos dos trabalhadores e do povo. Luta tão mais necessária quanto fica patente em toda a evolução destes meses, apesar dos avanços positivos, o caráter limitado da atual solução política”, disse Jerónimo de Sousa.

Palavras sérias, transparentes, de quem não confunde, não troca nem esconde. Palavras com esperança dentro.
Palavra fraternidade: está por cima das ideologias, das religiões, das nacionalidades e das classes. Não é por acaso que a Revolução Francesa a juntou aos valores da igualdade e da liberdade.

A fraternidade expressa a ideia de que todos estamos unidos pela mesma condição de homens e mulheres e que nada do que nos sucede nos pode ser estranho. Palavra a recuperar.

Liberdade de imprensa, liberdade de expressão, liberdade de associação política, libertação: foi em virtude dessas palavras que nos formámos como homens e mulheres livres.

Vagabunda, indomável, adorada, por ti lutamos numa tarefa que nunca acaba. Palavra liberdade.