Uma das mais excitantes vicissitudes da vida de um jornalista (nomeadamente de investigação) será a proximidade de se constituir o emissor de uma notícia única e exclusiva, nomeadamente quando a curiosidade sobre a matéria é intensa e estimulante. Para essa “excitação” conta muito – como sabemos – a veracidade dos documentos e dos procedimentos a que se tem acesso e, acima de tudo, a confiança que se tem na fonte da informação, que se trabalhará e se comunicará no seu tempo. Se a vida não for a transcrição dos takes das agências e o relato acrítico do objetivo e manifesto, o jornalismo pode ser um formidável mundo de revelações e de cruzamento de informações entre várias fontes. Mas também um mundo de compromisso e responsabilidades – é bom não esquecer. No limbo estão demasiadas vezes a honra e a reputação, a credibilidade e o nome, a verdade e a mentira (ainda que parcial), o crédito ou a ruína. Hoje é excessivamente fácil plantar e dar informação. Quem a transmite tem um papel fulcral de confirmação, credibilização, filtragem e magnitude. E não se deve nunca demitir dessa função, sob pena de condutas sem ética e sem legalidade.
Vem isto a propósito da notícia de um canal televisivo, transmitida em dezembro de 2015, sobre a iminente “intervenção” no Banif e seu “encerramento”, com as consequentes perdas para os acionistas, depositantes e investidores associados ao banco. A notícia foi depois modificada (aboliu-se a referência ao “encerramento”), mas o impacto foi letal: nos cinco dias seguintes verificou-se a fuga de 900 milhões de euros de depósitos, afundou-se a (já diminuída) liquidez do banco (que precisou de dinheiro de emergência no montante de mil milhões de euros) e determinou-se a resolução do banco. O Estado injetou mais de 2 mil milhões de euros e vendeu-o ao Santander Totta por 150 milhões de euros. Um desastre. Acima de tudo, vem isto a propósito de a comissão parlamentar de inquérito estar empenhada em descobrir a fonte da notícia (inclusivamente com recurso aos instrumentos coercitivos da lei para se subordinar o dever deontológico de proteção da confidencialidade das fontes) e o tratamento jornalístico que mereceu. A CMVM também já andou atrás do mesmo, nomeadamente para apurar se houve “abuso de informação privilegiada”. Diz-se agora que é fundamental para o esclarecimento da verdade dos factos e, por isso, o intento é apertar o estatuto do jornalista. Em cima da mesa, parece que temos o óbvio: será que foi o Banco de Portugal a fonte, em especial o seu governador? Ou poderá ter sido um representante de banco ou bancos concorrentes? Depois, o mais preocupante: será que houve intenção de, com a transmissão da notícia, provocar instabilidade e prejuízos imediatos ao banco e danos mediatos e reflexos aos seus sócios e aforradores?
Para quem se quer ver ressarcido, convenhamos que a identificação da fonte faria toda a diferença. Até porque a posição dos jornalistas envolvidos estará, em princípio, defendida pelo conceito de interesse público, o argumento sempre usado para explicar a orientação das decisões da imprensa e o tampão sempre existente para obstar à responsabilidade criminal e civil. Saber quem deu o conteúdo, quem o reviu, quem o afinou faria com que esta novela (mais ou menos apagada) tivesse toda uma outra história, fazendo migrar o labéu do mensageiro para o autor da mensagem. Não será verosímil. Mas seria muito mais interessante. Para a política, para o sistema financeiro e para o direito.
Professor de Direito da Universidadede Coimbra.
Jurisconsulto
Escreve à quinta-feira