1. De tanto ler artigos confusos sobre o “terrorismo islâmico”, veio-me à memória uma frase batida.
Não, porém, a da canção de Sérgio Godinho, mas a de uma personagem de Mário de Carvalho: “Há que não confundir o género humano com o Manuel Germano.”
A tentação de justificar o “terrorismo islâmico” atual partindo de uma leitura enviesada da história e das mais recentes guerras que as potências ocidentais provocaram ou favoreceram no Médio Oriente e no norte de África constitui um exercício que pode induzir conclusões erradas e perigosas.
2. Tais guerras, por exemplo, não podem justificar o facto de os terroristas que agiram na Europa terem, na sua maioria, nascido neste continente, onde estudaram e quase sempre viveram.
Na verdade, não são eles as vítimas de tais guerras.
Vítimas delas são, sim, os refugiados, que à Europa afluem procurando refazer as suas vidas longe da violência e das práticas sociais anacrónicas impostas pelo ISIS.
Falando do ISIS, percebe-se aliás melhor como a escravatura, que foi, de facto, praticada em larga escala por negreiros “cristãos” quase até ao início do séc. xx, pouco terá chocado então os “fiéis muçulmanos”.
Estes não só a aceitavam e justificavam como colaboravam com os “cristãos”, vendendo-lhes os escravos que para eles capturavam.
Há, aliás, notícias seguras de que o ISIS – mas não só – continua a promover tal prática contra os fiéis de outras religiões e inclusive contra muçulmanos considerados heréticos.
O atual “terrorismo islâmico” tem, com efeito, matado, torturado e subjugado mais crentes islâmicos do que propriamente cristãos ou judeus.
3. Terá, por isso, pouco sentido pretender ver nesses crimes uma qualquer forma de sublevação e libertação dos povos muçulmanos contra os antigos e atuais desmandos do Ocidente cristão e capitalista.
A verdade é que tudo aponta até para que entre os apoiantes de tais movimentos se contem, afinal, alguns dos mais fiéis aliados económicos e militares das potências ocidentais.
Parece, pois, mais avisado procurar compreender noutro lado os motivos atuais dos agentes de tais crimes e, bem assim, os dos seus mandantes, financiadores e fornecedores de armamentos.
Existirão certamente razões que explicam estes crimes, mas elas serão políticas e atuais, mesmo que como tal não nos sejam apresentadas.
4. Há ainda que não confundir os motivos subjetivos dos que se imolam juntamente com as suas vítimas com os dos que os dirigem política e religiosamente.
Ao fazer tal distinção não podemos, contudo, cair em outro erro: o de justificar os primeiros e apenas culpar os segundos.
Jamais alguém procurou legitimar as barbaridades cometidas pelas hordas nazis e fascistas em nome do embuste ideológico e do aproveitamento que os doutrinadores e chefes de tais regimes promoviam junto de fanáticos camisas castanhas e negras.
Tanto uns como outros foram criminosos e responsáveis pelos seus atos.
5. Será porventura mais proveitoso começar, portanto, a analisar o sentido político desses crimes a partir dos efeitos que produzem: a limitação dos direitos e das liberdades dos povos que estão sob o seu direto domínio e os daqueles que, por mais vastos, eles consideram ser os seus inimigos jurados.
É por isso que tais crimes têm de ser combatidos sem complacências por todas as forças democráticas: eles fundam-se nas mais reacionárias ideias e buscam, sem disfarce, restringir os direitos tão dificilmente conquistados pelos povos de todo o mundo.
Jurista. Escreve à terça-feira