Joachim Trier. “Faço filmes para os meus amigos”

Joachim Trier. “Faço filmes para os meus amigos”


Depois do sucesso de  “Oslo, 31 de Agosto”, o realizador norueguês regressa com o seu primeiro filme em inglês, “Ensurdecedor”. Coisa que o silêncio também consegue ser – às vezes mais do que bombas


“Oslo, 31 de Agosto” é dos melhores cartões de visita que um realizador pode ter  e é mesmo Joachim Trier a dizer que foi “Oslo” que lhe permitiu fazer o seu primeiro filme em inglês. “Ensurdecedor” é um filme de família, um retrato de três homens de três gerações (Gabriel Byrne, Jesse Eisenberg e Devind Druid) confrontados com a perda da mulher das suas vidas (Isabelle Huppert). Como é que se continua a viver depois da morte? Mais alto do que bombas é o título original, porque Isabelle é uma fotógrafa de guerra, e mais alto do que isso será o silêncio, parece-nos. O silêncio que nos obriga a olharmos para nós próprios, num jeito que nos parece muito nórdico e a que Trier começa a habituar-nos. “O cinema consegue falar da solidão melhor do que qualquer outro meio”, diz-nos ao telefone, de Oslo. Talvez seja por isso que seja cinema o que faz. Para os amigos, sempre.

Este é um filme sobre uma fotógrafa de guerra que morre, ironicamente, depois de regressar a casa. Mas não é sobretudo um filme sobre a família?

Sobre a relação pai-filhos, com certeza. A primeira ideia era fazer um retrato intimista de uma família que fosse muito subjetivo, saltar entre pontos de vista. Sempre me interessou fazer filmes intimistas, muito próximos das personagens e numa família se há dois irmãos a forma como eles veem os pais pode dar duas histórias diferentes, e isto interessa-me. Não diria que o filme seja principalmente sobre uma fotógrafa de guerra, mas é verdade que há um interesse nisso também. Há algo de paradoxal nos fotógrafos de guerra que entrevistei e pesquisei para este filme, um deles disse-me que o que fazia era muito egoísta e muito altruísta ao mesmo tempo. Comecei a questionar-me como será ter uma mãe com este trabalho, porque algumas destas pessoas têm filhos, e achei que seria uma personagem interessante. Mas acima de tudo o filme é sobre três gerações de homens que tentam andar com a sua vida para a frente e encontrar novas mulheres depois de confrontados com a morte da mãe da família. Um com 15 anos, outro com 30 e outro com 60.

A história que não seria a mesma se esta a personagem não fosse mulher. Isabelle é a mãe e é ela que está longe e que se sente a mais quando está.

Interessa-me a família moderna, em que as dinâmicas ente homens e mulheres podem ser um bocado diferentes das do drama clássico fácil, do pai sério e autoritário e a mãe mais cuidadora. Graças a Deus a sociedade evoluiu e isto hoje é mais complexo, as pessoas podem desempenhar diferentes papéis, na vida e na família.

O que é mais alto que as bombas? O silêncio quase ensurdecedor que se impõe ao longo de todo o filme?

O que é mais alto que as bombas? Se calhar, concordo.

Apesar de poderem parecer distantes, “Ensurdecedor” tem muito em comum com “Oslo, 31 de Agosto”. A luta interior, o autoquestionamento…

Sim, acho que eles se complementam, que comunicam um com o outro. O “Oslo” parte um ponto de vista muito individual, a pessoa solitária e alienada que luta pela sua identidade e a sua existência, aqui são as pessoas em volta que não sabem como continuar a viver. Acho que é como se fossem dois lados diferentes de um mesmo tema que é a alienação do indivíduo. Mas não sei como é que isto aconteceu ao certo. Comecei a escrever o “Oslo” depois de começar a escrever o “Ensurdecedor”, que apareceu pelo meio. São diferentes, foram filmados em países diferentes, mas ainda assim vêm do mesmo. É estranho porque como cineasta acho que não tenho tanto controlo sobre isso como as pessoas pensam. Na verdade muitas vezes não sei bem o que estou a fazer até as coisas estarem feitas. Agora que os filmes estão prontos começo a ver ligações entre eles que não tinha visto antes, daí estar muito interessado em perceber como é que as pessoas que já conhecem o meu trabalho vão interpretá-lo. É sempre um jogo aberto.

As suas personagens são sempre muito solitárias, isoladas do mundo.

Interessa-me muito a capacidade que o cinema tem chegar às pessoas e às personagens, às experiências humanas de que às vezes não se fala, aos segredos que temos para nós próprios. Os meus filmes retratam pessoas que têm dificuldade em estar entre os outros e em ser aceites no grupo. Acho que é uma coisa que me intessa na vida. Provavelmente por razões pessoais [risos].

Era isso que ia perguntar, há um lado pessoal nisto?

A sobrevivência exige um certo sentido de humor. Sim, faço filmes melancólicos, porque o cinema consegue falar da solidão melhor do que qualquer outro meio. Há uma história do cinema da solidão até. Neste caso interessou-me falar também sobre a memória e a forma como ela influencia o nosso sentido de identidade. No cinema é possível mostrar a memória, literalmente. Para ser franco, neste momento há uma data de porcarias a dizerem-nos como devemos fazer um argumento funcional, como é suposto fazer filmes de ação ou o que for popular no momento, eu não quero fazer isso. Estou interessado no pensamento e nos sentimentos, é por isso que vou ao cinema, é daí que eu venho.

Foi sempre um objetivo fazer um filme em inglês?

Estudei cinema no Reino Unido e a Noruega é um país pequeno, o norueguês é falado por 5 milhões de pessoas. Além de que queria trabalhar com estes atores, não conseguiria ter Isabelle Hupert como Isabelle Reed em norueguês.

Foi um grande salto passar de  “Oslo” para uma produção com esta dimensão.

Acho que fazer o “Oslo” me ajudou a conseguir fazer este filme porque teve alguma popularidade. Fazer filmes não é a coisa mais fácil neste momento, foi possível graças à generosidade de algumas pessoas, na América e na Europa, que perceberam o que queríamos fazer. Mas sim, foi complicado e foi muito caro, mais do que parece. Ninguém fez este filme para ganhar dinheiro, fizeram-no porque gostaram da história. Sou a terceira geração na família de cineastas: o meu avó fazia filmes, eu importo-me com isto, não estou aqui para ganhar dinheiro. E estou muito contente por ter o filme distribuído em tantos países.

A Wikipedia diz que é parente afastado do Lars Von Trier. Têm alguma relação?

Sim e não, já não sei. Nós éramos da mesma família mas depois o pai dele afinal não era o seu pai biológico, portanto afinal não. É a pergunta que me fazem mais vezes [risos].

Falava há pouco na dificuldade em fazer filmes hoje em dia. “Ensurdecedor” teve financiamento francês. Isto tudo pode ser mais difícil na Noruega do que noutros países europeus?

Acho que devíamos ver mais os filmes uns dos outros na Europa, mas gosto de ser otimista. Toda a gente anda muito pessimista com os cinemas a fecharem, as pessoas a verem só televisão, eu acho que isto vai sobreviver. Cresci nos anos 80 e muitas bandas mais underground acabaram por ser reconhecidas porque continuaram a fazer a cena delas. Hoje toda a gente conhece os Pixies, quando os ouvíamos nos anos 80 ninguém conhecia. As coisas levam o seu tempo e confio que devemos fazer aquilo em que acreditamos. Eu faço filmes para os meus amigos e cada vez mais tenho amigos pelo mundo. Não tenho tantos como o Steven Spielberg, mas tenho amigos de que gosto e isso faz-me feliz.