“Vamos ter suspense parlamentar até ao fim.” Era assim que ontem, ao final do dia, um deputado socialista falava sobre a votação que hoje terá lugar na Assembleia da República sobre um diploma do BE para legalizar a maternidade de substituição.
Foi a contar espingardas que se passou a tarde nos corredores do parlamento. “Está tudo dependente do PS”, apontava-se no BE. “Se este projeto não passar, será por causa do PS”, admitia-se também na bancada socialista.
A matemática dos votos
As contas são complicadas de fazer. Os votos contra do PCP estão garantidos. No PS, ainda havia quem esperasse por, pelo menos, uma abstenção no CDS. Se todos os socialistas votarem favoravelmente, bastará que apenas sete sociais–democratas votem a favor para o diploma passar. Isto sabendo que estão garantidos os 19 votos favoráveis do BE, os dois do PEV e um do PAN.
Passos mostrou apoio Ontem, o líder da bancada do PS, Carlos César, deu liberdade de voto aos socialistas, apesar de haver uma indicação para aprovar o projeto. Na reunião da bancada social--democrata também foi decidida a liberdade de voto, mas com uma nuance importante: Pedro Passos Coelho adiantou aos deputados que iria votar a favor de pelo menos um dos pontos do diploma.
“Foi dada uma indicação pelo presidente do partido que deixa toda a gente à vontade para apoiar o projeto. E há muita gente disposta a votar a favor”, comentava um deputado do PSD.
A informação apanhou de surpresa os socialistas que apoiam o projeto, mas a reação esteve longe de ser entusiástica. “Passos também deu uma entrevista a dizer que era pessoalmente a favor da adoção gay e depois, aqui, votou contra”, lembrava um deputado do PS.
Também havia quem no PSD ainda não tivesse a decisão fechada ontem à tarde. “Estou tentado a votar a favor. Mas ainda tenho de ler bem os textos antes de decidir”, confessava outro parlamentar social-democrata.
Na reunião da bancada do PS foram poucas as vozes que falaram abertamente contra a aprovação da lei que permitiria a mulheres sem útero ou com graves problemas para engravidar recorrer a barrigas de aluguer. “Houve duas pessoas que levantaram questões”, contava ao i um deputado do PS, depois do encontro.
O problema é que, em contas tão apertadas, apenas dois socialistas podem fazer a diferença. Com dois votos contra ou duas abstenções na bancada do PS, será preciso que haja dez votos favoráveis no PSD.
Entre os apoiantes da iniciativa bloquista havia quem se afirmasse “moderadamente otimista”, convencido de que as alterações feitas ao projeto do BE, que obrigam a pareceres da Ordem dos Médicos e a relatórios médicos que comprovem a necessidade de recorrer à maternidade de substituição, “dão garantias” suficientes para convencer até os mais céticos.
Havia, no entanto, quem tivesse menos certezas sobre as hipóteses de o projeto ser aprovado. “Isto está muito apertado e, se chumbar por poucos, vai ser mesmo muito mau”, afirmava uma deputada socialista.
Esta ideia de que a aprovação está longe de garantida levou a várias movimentações dentro das duas maiores bancadas do parlamento. Os apoiantes da lei que legaliza as barrigas de aluguer para casos médicos graves passaram a tarde de ontem a tentar contar votos e convencer quem estava indeciso. Como a simples falta ou abstenção pode mudar tudo, isso foi bem explicado aos deputados pelos apoiantes da ideia.
PMA garantida
Se a legalização da maternidade de substituição é incerta, as alterações à lei da Procriação Medicamente Assistida (PMA) são dadas como garantidas. A mudança na lei da PMA vai permitir que todas as mulheres sem exceção possam recorrer a técnicas médicas de fertilização. Isso significa que mulheres solteiras ou lésbicas (casadas ou solteiras) poderão ter acesso à procriação medicamente assistida.
O projeto, da autoria do BE, foi já aprovado em votação indiciária no Grupo de Trabalho da PMA, na Assembleia da República, pelo que há fortes motivos para acreditar que passará também hoje na votação final global no plenário.