Menos que nada


Em Portugal, segundo dados do INE, 18,7% da população, cerca de 2,5 milhões de portugueses, vivem na pobreza, quase sem nada, mesmo sem capacidade de mudar de vida ou de fazer outra coisa senão esperar, impotentes, que a morte os leve


No Encontro Nacional de Associados da Rede Europeia Antipobreza, realizado esta segunda-feira, o investigador Carlos Farinha Rodrigues contrariou o mito de que foi a classe média a ver mais reduzido o seu rendimento nos últimos anos.

Nos anos da troika, com cortes salariais, aumento de impostos e diminuição das prestações sociais, os defensores da austeridade como milagre redentor para a economia esforçaram-se por criar a ideia de que os mais pobres estariam mais protegidos dos sacrifícios.

A realidade desmentiu a propaganda e o chamado processo de ajustamento português foi uma guerra de uma brutal violência contra os mais desfavorecidos socialmente.

Os números disponíveis mostram que os 10% mais pobres perderam 24% do rendimento, enquanto o rendimento dos 10% mais ricos desceu 8%.

Para além de que não é a mesma coisa perder hábitos e qualidade de vida, e não poder aquecer a casa ou tratar um filho, ou não ter nada para comer.

Os cortes nas prestações sociais, no auge da crise económica, quando elas se revelavam mais necessárias; o desemprego de longa duração transformando-se em desemprego cíclico; a perda do direito ao subsídio de desemprego – mais de metade da população desempregada não tem direito ao subsidio de desemprego -; a restrição do rendimento social de inserção – depois de 2012, para se aceder a esta prestação social, passou a ser necessário ser ainda mais pobre do que em anos anteriores, levaram à queda acentuada dos rendimentos dos que já nada tinham.

O balanço social deste processo de ajustamento é, quase poderíamos dizer, trágico. Regredimos em termos de indicadores de pobreza e exclusão social praticamente para o início do século.

Quase um em cada cinco portugueses corre o risco de ser pobre. Mas o pior é que esse número, para os jovens até aos 17 anos, sobe da média nacional de 18,7% para 24,4%. Isto significa que os muito jovens estão a pagar uma crise para a qual nem sequer contribuíram.

Os desempregados em risco de pobreza são 40,2%, mas ainda mais humilhante é que 10,5% dos que trabalham, apesar disso, correm o mesmo risco, assim como 12,8% dos reformados.

Trabalhar e não receber o suficiente para viver dignamente, estar sempre no limiar da miséria e com o espetro da pobreza é, para além de aviltante e imoral, politicamente insustentável.

O que destrói um país não é ele passar por dificuldades, é a falta de esperança de as superar e a falta de sentimento de que, se contribuirmos com o nosso esforço e o nosso saber para o crescimento económico, a economia, por sua vez, mais robusta, e o país, mais desenvolvido, não se irão esquecer de nós.

Na história da humanidade, nos períodos de depressão, de crises profundas e de recessões, houve sempre uma esperança e expetativa de que as coisas, a seguir, viriam a ficar melhor. Hoje, isso não é assim. O sentimento da generalidade das pessoas é de que o que está para vir será certamente pior.

Na trapaça de se mostrar como única alternativa, o capitalismo matou a esperança e hoje, no colapso, quer arrastar-nos no seu desvario e tragédia.

A desigualdade que estamos a viver não tem precedentes na história da humanidade. Em 2015, apenas 62 indivíduos detinham a mesma riqueza que 3,6 biliões de pessoas, e a sua fortuna tinha aumentado 44% desde 2010.

A desigualdade, para além de injusta, tem consequências perversas na democracia. Exclui o povo das discussões principais, da participação democrática, minando o controlo social e gerando cidadãos indiferentes, apolíticos com ódio à política que compromete os maiores interessados na melhoria da sociedade: o próprio povo.

Em Portugal, segundo dados do INE, 18,7% da população, cerca de 2,5 milhões de portugueses, vivem na pobreza, quase sem nada, mesmo sem capacidade de mudar de vida ou de fazer outra coisa senão esperar, impotentes, que a morte os leve.

São vidas esquecidas, estão excluídos, postos na margem. Realmente, para os políticos de recorte liberal, empresários, para a banca, a publicidade, os vendedores de consumo, são zero de oportunidade. São menos que nada.

Um sistema que não valoriza o trabalho, que não tem o fator humano como centro principal da sua ação política, que não o protege, dignifica e o faz crescer como cidadão, um sistema que não garante equidade social e justiça económica pode ser ótimo para cães, mas não serve para os homens.

A concentração de riqueza leva à concentração de poder, e esta leva à repressão e à destruição da democracia.

A luta contra a pobreza e pela decência do ser humano é uma luta natural, de todos, não tem cor, credo ou tese. Faz parte da nossa marca genética enquanto seres conscientes da nossa condição de homens e mulheres livres.

É uma luta eterna em que a maioria reivindica mais liberdade e democracia, mais justiça e dignidade, e uma minoria pressiona por mais controlo e dominação. Depende de nós surpreendê-la e mostrar que somos muito mais que o nada. 


Menos que nada


Em Portugal, segundo dados do INE, 18,7% da população, cerca de 2,5 milhões de portugueses, vivem na pobreza, quase sem nada, mesmo sem capacidade de mudar de vida ou de fazer outra coisa senão esperar, impotentes, que a morte os leve


No Encontro Nacional de Associados da Rede Europeia Antipobreza, realizado esta segunda-feira, o investigador Carlos Farinha Rodrigues contrariou o mito de que foi a classe média a ver mais reduzido o seu rendimento nos últimos anos.

Nos anos da troika, com cortes salariais, aumento de impostos e diminuição das prestações sociais, os defensores da austeridade como milagre redentor para a economia esforçaram-se por criar a ideia de que os mais pobres estariam mais protegidos dos sacrifícios.

A realidade desmentiu a propaganda e o chamado processo de ajustamento português foi uma guerra de uma brutal violência contra os mais desfavorecidos socialmente.

Os números disponíveis mostram que os 10% mais pobres perderam 24% do rendimento, enquanto o rendimento dos 10% mais ricos desceu 8%.

Para além de que não é a mesma coisa perder hábitos e qualidade de vida, e não poder aquecer a casa ou tratar um filho, ou não ter nada para comer.

Os cortes nas prestações sociais, no auge da crise económica, quando elas se revelavam mais necessárias; o desemprego de longa duração transformando-se em desemprego cíclico; a perda do direito ao subsídio de desemprego – mais de metade da população desempregada não tem direito ao subsidio de desemprego -; a restrição do rendimento social de inserção – depois de 2012, para se aceder a esta prestação social, passou a ser necessário ser ainda mais pobre do que em anos anteriores, levaram à queda acentuada dos rendimentos dos que já nada tinham.

O balanço social deste processo de ajustamento é, quase poderíamos dizer, trágico. Regredimos em termos de indicadores de pobreza e exclusão social praticamente para o início do século.

Quase um em cada cinco portugueses corre o risco de ser pobre. Mas o pior é que esse número, para os jovens até aos 17 anos, sobe da média nacional de 18,7% para 24,4%. Isto significa que os muito jovens estão a pagar uma crise para a qual nem sequer contribuíram.

Os desempregados em risco de pobreza são 40,2%, mas ainda mais humilhante é que 10,5% dos que trabalham, apesar disso, correm o mesmo risco, assim como 12,8% dos reformados.

Trabalhar e não receber o suficiente para viver dignamente, estar sempre no limiar da miséria e com o espetro da pobreza é, para além de aviltante e imoral, politicamente insustentável.

O que destrói um país não é ele passar por dificuldades, é a falta de esperança de as superar e a falta de sentimento de que, se contribuirmos com o nosso esforço e o nosso saber para o crescimento económico, a economia, por sua vez, mais robusta, e o país, mais desenvolvido, não se irão esquecer de nós.

Na história da humanidade, nos períodos de depressão, de crises profundas e de recessões, houve sempre uma esperança e expetativa de que as coisas, a seguir, viriam a ficar melhor. Hoje, isso não é assim. O sentimento da generalidade das pessoas é de que o que está para vir será certamente pior.

Na trapaça de se mostrar como única alternativa, o capitalismo matou a esperança e hoje, no colapso, quer arrastar-nos no seu desvario e tragédia.

A desigualdade que estamos a viver não tem precedentes na história da humanidade. Em 2015, apenas 62 indivíduos detinham a mesma riqueza que 3,6 biliões de pessoas, e a sua fortuna tinha aumentado 44% desde 2010.

A desigualdade, para além de injusta, tem consequências perversas na democracia. Exclui o povo das discussões principais, da participação democrática, minando o controlo social e gerando cidadãos indiferentes, apolíticos com ódio à política que compromete os maiores interessados na melhoria da sociedade: o próprio povo.

Em Portugal, segundo dados do INE, 18,7% da população, cerca de 2,5 milhões de portugueses, vivem na pobreza, quase sem nada, mesmo sem capacidade de mudar de vida ou de fazer outra coisa senão esperar, impotentes, que a morte os leve.

São vidas esquecidas, estão excluídos, postos na margem. Realmente, para os políticos de recorte liberal, empresários, para a banca, a publicidade, os vendedores de consumo, são zero de oportunidade. São menos que nada.

Um sistema que não valoriza o trabalho, que não tem o fator humano como centro principal da sua ação política, que não o protege, dignifica e o faz crescer como cidadão, um sistema que não garante equidade social e justiça económica pode ser ótimo para cães, mas não serve para os homens.

A concentração de riqueza leva à concentração de poder, e esta leva à repressão e à destruição da democracia.

A luta contra a pobreza e pela decência do ser humano é uma luta natural, de todos, não tem cor, credo ou tese. Faz parte da nossa marca genética enquanto seres conscientes da nossa condição de homens e mulheres livres.

É uma luta eterna em que a maioria reivindica mais liberdade e democracia, mais justiça e dignidade, e uma minoria pressiona por mais controlo e dominação. Depende de nós surpreendê-la e mostrar que somos muito mais que o nada.