É uma evidência a relevância estratégica do debate em torno dos contratos de associação do Estado com os estabelecimentos particulares e cooperativos. Já ninguém fala do Programa Nacional de Reformas, das dificuldades que os números da economia introduzem na gestão do país, das salganhadas presidenciais ou da manifesta falta de sustentabilidade de algumas opções políticas. Enquanto são esgrimidos argumentos entre quem quer cortar na escola privada e quem cortou na escola pública, é uma evidência que o exercício é um milagroso bálsamo de consolidação da solução governativa do PS e da sua articulação com o novo arco do poder. A linearidade da situação dispensava a utilização de meias verdades e mentiras básicas, repetidas à exaustão como se fossem verdades: “Os contratos de associação firmados pelo anterior governo serão totalmente respeitados pelo Ministério da Educação.” Ou: “Nenhum aluno será transferido de um colégio onde se encontra com contrato de associação para um estabelecimento público.” Não havia necessidade e a escola pública não merecia o estado de guerra e de desestabilização que está instalado. É certo que alguns sindicatos, agora como nas reversões das privatizações, esfregam as mãos pelo rendimento mínimo garantido que as opções políticas lhes asseguram. É dos livros que para unir é útil encontrar inimigos opostos que cimentem o outro lado da barricada, mas nada disso corresponde ao compromisso de unir os portugueses.
E tinha sido tão fácil operar a mudança sem ondas. Havendo oferta nos estabelecimentos públicos, seria comunicado aos privados em contrato de associação que, a partir do ano letivo 2016-2017, quem entrasse no 5.o ano de escolaridade não contaria com apoio do Estado. Haveria estabilidade nos percursos educativos em curso, nas amizades construídas pelos alunos, e espaço temporal para que o Estado tratasse os privados como pessoa de bem, conferindo-lhes tempo para se adaptarem ao ensino privado sem comparticipação ou ao encerramento. Volta-se ao paradigma das ATL (atividades de tempos livres) antes da escola a tempo inteiro: o Estado usa e deita fora. Tivesse o ministro da Educação o bom senso do ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Vieira da Silva, que anunciou que, a partir de 2017, o alargamento dos acordos de cooperação com a economia social será feito de forma concursal, e não teríamos o país dividido, sem pingo de respeito pelo que mais importa: as crianças e os jovens, em pleno período de testes. Havia outro caminho, mas o governo quis a guerrilha, que é parte da construção do futuro do acordo à esquerda. Uma espécie de moeda de troca para a possibilidade de aumento do IVA ou afins. Faltou pensarem mais nas crianças e nos jovens, e menos nos sindicatos e nos parceiros políticos. Ou alguém terá dúvidas de que os termos em que é concretizada esta opção política têm relevância no ambiente escolar e, em caso de plena concretização, serão impeditivos de um bom acolhimento destes alunos nas escolas públicas?
Se a deriva é de acerto de contas, sob a capa dos princípios e da alegada defesa da escola pública, leve-se à justiça quem nos governos PS e PSD autorizou a construção dos colégios, quem nos governos e nas autarquias autorizou a construção de escolas que nem com o fim dos contratos deixarão de estar às moscas. Isso é que era de valor, embora sem resolver o problema dos alunos, professores e funcionários das escolas.
Infelizmente para a confusão generalizada, entre selfies e marrabentas (dança moçambicana), também contribuiu o Presidente da República com a agitação gerada em torno do acordo ortográfico, quando as crianças que frequentam hoje o 2.o ciclo de escolaridade nunca conheceram outra grafia. Domina a ligeireza política!
Reverte-se a privatização da Metropolitano de Lisboa e por dois dias seguidos, entre as 10h30 e as 13h00, há plenários de trabalhadores com impactos na mobilidade dos cidadãos em fuga das prospeções à superfície do solo da cidade, nos principais eixos rodoviários.
Reverte-se a privatização da TAP e, para além da manutenção dos cortes de rotas anunciados a partir do Porto, estuda-se a redução do serviço prestado nos voos de médio curso pela eliminação das refeições atualmente gratuitas.
Se é para impor pseudo-opções ideológicas à bruta, que ao menos sejam centradas nos benefícios para as pessoas e para as comunidades, por exemplo erradicando os abusos de posição dominante decorrente das concessões públicas para o fornecimento de energia elétrica. Para proceder à ligação do fornecimento de energia elétrica a uma infraestrutura construída com dinheiros públicos, a empresa privada concessionária exige a transferência da posse e da propriedade dessa infraestrutura. E que tal fazerem qualquer coisinha em relação aos poderosos? Enquanto estiverem na segunda divisão, pouco disto faz sentido e serve apenas para alimentar a maioria de circunstância e os seus satélites de sempre. É poucochinho.
Notas finais
Está de chuva. Mais uma semana passa sem que sejam divulgados os nomes dos jornalistas e dos políticos que recebiam avenças do GES. Simplesmente miserável!
Está bem, mas. Depois da emproada inauguração do Túnel do Marão, a coesão territorial prossegue com o retomar das obras da A26 – Autoestrada do Baixo Alentejo. Com todos na fotografia.
Não está. O “finge-te de morto” de Pedro Passos Coelho, sem tom, sem iniciativa e sem memória do que fez entre 2011 e 2015, é um naufrágio anunciado.
Membro da comissão política nacional do PS
Escreve à quinta-feira