“Sim, há muitos casos como o meu, mas os meus companheiros de arbitragem têm medo do que lhes pode acontecer, olhando para o que fizeram comigo.” Foi assim que o árbitro espanhol de Cádis Jesús Tomillero, de 21 anos, o primeiro a assumir publicamente em Espanha que é homossexual, contou ao i a sua luta contra a homofobia no seu país, que decorreu mais especificamente durante um jogo da terceira divisão de cadetes – jovens entre os 15 e os 16 anos – em Cádis, onde foi insultado. Acredita que não é o único na mesma situação, mas garante que os insultos de que foi alvo não o vão fazer desistir de estar na arbitragem.
A Federação Arco-Íris da Andaluzia (FAIA) – associação local que defende os direitos dos homossexuais [como a LIGA Portugal por cá] – já veio elogiar “a valentia” de Tomillero por “decidir denunciar publicamente a homofobia que se vive nos campos de futebol em todas as categorias” e pediu uma reunião urgente com o presidente da Federação Real de Futebol da Andaluzia (FRFA), como divulgado em comunicado de imprensa. O caso já seguiu para Andrés Álvarez, o fiscal encarregado dos delitos de ódio na região, mas ainda não foi conhecida a decisão final. Para já sabe-se que a Associação de Árbitros de Cádis (ou colégio de árbitros, em espanhol) desceu o escalão de Tomillero – de número 13 para número 44, o que dificulta ainda mais a sua subida à segunda divisão sénior da Andaluzia – por ter continuado em contacto com a comunicação social espanhola, algo supostamente proibido pelos regulamentos da arbitragem.
Para além disso, os dois elementos que o insultaram, um roupeiro e um jogador, foram sancionados com nove e quatro jogos de castigo, respetivamente, e com uma multa a rondar os 30 euros, como informou o Sindicato dos Árbitros da região, que publicou a ata na internet e afirmou que este “é só um dos muitos casos que acontecem durante os fins de semana e que são silenciados pelas federações”, algo confirmado por Jesús. “Sim, não querem que se manche o nome das federações e dizem que as associações arbitrais deviam ser heterossexuais”, confessa.
Mas as ameaças e os insultos não demoveram o jovem árbitro. “Ameaçaram que me iriam multar, mas eu continuei a falar com a comunicação social, queria continuar a lutar pela minha dignidade. O que me fizeram foi uma pouca- vergonha”, afirmou. Mas então o que se passou durante esse jogo, afinal?
Insultos e pedras lançadas Durante essa partida, um dos responsáveis pelo equipamento de uma das equipas começou a protestar veementemente por um alegado fora-de-jogo. “Ele estava a protestar muito e vi-me na obrigação de o expulsar”, começa por contar Tomillero. Mas a reação foi tudo menos normal: o jovem juiz foi apelidado de “maricas” e foi ameaçado, ao que respondeu pedindo ao delegado em campo que chamasse a polícia porque sentia que a sua integridade física estava ameaçada. A resposta? “Não chamou, disse-me que se chamasse a polícia só ia criar mais confusão. E um dos jogadores gozou comigo afirmando que queria chamar os bombeiros e que eu gostava muito de pénis.” Estes dois elementos tiveram durante mais de uma hora a insultar o árbitro, segundo o próprio.
Mas o apito final não acabou com as ofensas. “Quando o jogo terminou, enquanto estava a ir para o balneário, dois jogadores começaram a atirar pedras contra a porta.” E para Jesús, o facto de o caso envolver menores de idade é o “mais lamentável” de toda esta história.
Após este dia, as mensagens de apoio (tanto de árbitros como de amigos ou familiares) espalharam-se pelas redes sociais mas também no estádio Ramón Carranza, de Cádis, onde foi organizado o “primeiro orgulho desportivo LGBTI [Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transsexuais e Intersexo]” por parte da FAIA, que no entanto, não correu como expectável. “A FRFA proibiu que a bandeira LGBTI fosse mostrada, só da bancada é que se viram alguns cartazes. Não foi bem uma celebração, na verdade”, garante. Essa só aconteceria depois, numa partida em Gibraltar.
Para um jovem que começou na arbitragem com apenas 11 anos, já tendo sido vítima de insultos homofóbicos nessa altura, e que, apesar de tudo, continua com a “vontade de chegar à primeira divisão”, esta não é uma história que o vá fazer baixar os braços. “Vou treinar e estudar que nem um louco para lá chegar mas, olhando para o que me fizeram, sei que vai ser difícil. Mas sim, quero ser um porta-voz destes casos”, concluiu.