O governo está a levar a sério a crise levantada pelos colégios com contrato de associação. O tema é considerado altamente sensível e a ordem no executivo e no PS é para tentar combater a polémica. António Costa tem a noção clara do impacto que podem ter as questões ligadas à Educação e a proximidade das autárquicas é mais uma razão para querer aplacar este fogo o mais rapidamente possível.
{relacionados}
Os lóbis São várias as razões para não descuidar esta matéria e concentrar esforços de comunicação para controlar a celeuma. O envolvimento da Igreja Católica é um dos aspetos quentes deste dossiê. Muitas das escolas privadas que mantêm contratos de associação estão ligadas à Igreja. Isso mesmo ficou claro, quando o cardeal-patriarca D. Manuel Clemente veio pedir publicamente ao Estado que atribua “às escolas não estatais o justo financiamento que merecem, paritário com o que o mesmo Estado presta às que diretamente cria”.
“Há um lóbi da Igreja”, reconhece o sindicalista Mário Nogueira, que põe no rol dos interesses em causa lóbis económicos “como os do grupo GPS que tem vários colégios com estes contratos”. O terceiro vértice deste triângulo de interresses inclui as autarquias. “Há por vezes relações de proximidade entre os autarcas e os donos das escolas e há também autarquias que, graças a estes colégios disponibilizarem carrinhas para os alunos, deixam de ter de se preocupar com o transporte escolar e aproveitam isso”, aponta o líder da Fenprof.
PS TENTA CONTROLAR DANOS
Apesar de estarem em causa apenas 79 escolas, as decisões nesta área afetam milhares de alunos e centenas de professores. E isso torna-se especialmente problemático graças ao calendário político que põe as eleições autárquicas no próximo ano.
“A proximidade das autárquicas é mais um ponto que não ajuda nada”, confessa um ex-governante socialista, que por várias vezes assistiu de perto a quão sensível podia ser esta matéria. “Os autarcas fazem pressão junto dos governos para construir escolas públicas, mas também não querem ficar com o ónus de fechar as privadas”, confessa a mesma fonte.
Com a questão das autárquicas em mente, a secretária-geral adjunta do PS enviou ontem a habitual newsletter semanal aos militantes socialistas, com explicações sobre o que está em causa. A ideia foi esclarecer a decisão do Ministério da Educação, mas também dar às estruturas locais o argumentário que podem usar na defesa do governo neste assunto, como tem acontecido com outras crises políticas.
De resto, a comunicação do executivo tem-se esforçado para garantir que a mensagem passa, desdobrando-se em explicações aos jornalistas. Há a noção de que este é um tema que a oposição de direita não vai largar. “Há aqui uma questão ideológica óbvia, que vai ser explorada politicamente”, admite um destacado socialista.
Apesar disso, no governo insiste-se que esta “não é uma questão ideológica” e a tónica é toda posta na “racionalidade financeira” de impedir a duplicação da oferta pública e privada financiada pelo Estado.
marcelo não fala Depois de na segunda-feira o Presidente da República ter dado nota pública que prentendia falar com o governo sobre o tema, ontem Marcelo Rebelo de Sousa recuou. “Vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar. Mas outra coisa é falar”, reagiu, instado pelos jornalistas, revelando que aquele não era “o momento oportuno para se pronunciar”.
A verdade é que a intervenção do Presidente neste assunto não poderá ir além da magistratura de influência.
Na prática, o que está em causa é um despacho do Ministério sobre as áreas geográficas onde poderá continuar a haver contratos de associação e uma decisão administrativa de não autorizar novas turmas de início de ciclo em escolas privadas financiadas pelo Estado sempre que num raio de 8 km haja estabelecimentos públicos com capacidade para receber os alunos. Ora, nenhuma destas decisões carece de promulgação pela Presidência da República.
De resto, no Ministério da Educação não há muita vontade de recuar.A equipa de Tiago Brandão Rodrigues acredita que esta eliminação de redundâncias não é mais do que cumprir a Constituição que obriga o Estado a desenvolver e manter uma rede de “estabelecimentos públicos” e não uma rede de serviço público de Educação.
Por outras palavras, na 5 de Outubro entende-se que a prioridade deve ser dada às escolas estatais e que o financiamento das privadas deve ser uma excepção para ser usada só quando não há outra alternativa.
É, aliás, esse raciocínio que está por trás da intenção do ministro Tiago Brandão Rodrigues de rever em breve o Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo.
Este estatuto foi revisto em 2013 pelo ministro Nuno Crato, que eliminou nesta lei a referência que fazia depender os contratos de associação da ausência de resposta por parte da rede pública de escolas. Agora, a equipa de Brandão Rodrigues no Ministério da Educação acredita que essa alteração é ilegal.
Em causa está o facto de essa alteração ir contra o que está disposto na Lei de Bases da Educação – uma lei que tem valor reforçado face ao Estatuto – e também, na opinião do gabinete de Tiago Brandão Rodrigues, de ir contra o que está na Constituição.
Os serviços do Ministério já estão, de resto, a analisar as várias normas em causa para fundamentar juridicamente esta decisão. E o mais provável é que em breve os colégios sejam chamados para dar início a uma nova alteração do Estatuto que impeça redundâncias na oferta pública.
Para já, porém, o Ministério vai reunir com os diretores das escolas públicas das regiões onde há redundância para verificar se efetivamente há capacidade para receber alunos que agora frequentam os colégios com contratos de associação.
Tiago Brandão Rodrigues só avançará para estas transferências de autorização de abertura de turmas caso não seja necessário fazer obras nas escolas para as ampliar. O único custo associado, determinou-se na 5 de Outubro, será o da eventual contratação de professores para estas turmas. Um custo que o Ministério espera nem ter em alguns destes estabelecimentos onde até há docentes dos quadros sem componente letiva (os chamados horários zero).
No Ministério sublinha-se mesmo que “cada caso é um caso” e que não há decisões definitivas sobre a autorização ou não de novas turmas com contratos de associação. Essa decisão só deverá estar tomada de forma definitiva no final deste mês. Mas hoje o tema deve perseguir Brandão Rodrigues que será ouvido no Parlamento sobre a saída do seu secretário de Estado do Desporto.