“A guerra é um negócio”

“A guerra é um negócio”


É inevitável: em cada lugar do mundo há provavelmente um português. Em Kos, estão dois a viver e a trabalhar.


Carolina da Silva, de 39 anos, nasceu em Sintra mas há quatro anos que vive e trabalha em Kos. “Vim cá de férias, voltei para Portugal mas a paixão pela a ilha foi tão grande que resolvi deixar tudo e vir fazer a minha vida para esta ilha grega maravilhosa”. Desde então já trabalhou na área hoteleira, mas neste momento trabalha numa ourivesaria e é também professora de fitness e zumba num ginásio (o único da ilha).

João Ribeiro, natural do Senegal, foi para Portugal bastante novo e trabalhou na construção civil até vir para Kos. Aqui vive e trabalha há 28 anos, é animador em hotéis tocando com o seu grupo musical, mas diz que faz “de tudo um pouco, fui pai há 5 meses e todo o dinheiro é pouco”.

João, vivendo na ilha há mais tempo, esta problemática dos refugiados é uma novidade?

João (J)- Não. Desde que cá vivo que se vê com frequência um barco ou outro a chegar, talvez um barco de duas em duas semanas. Mas desde há um ano e meio para cá são às centenas por dia. É triste ver humanos como nós naquela situação.

Como é que o povo grego reagiu a esta chegada massiva de migrantes?

J – O governo grego não estava preparado para isto e o povo também não, mas, apesar de no início ter tido bastante medo, acolheu-os bastante bem, ajudando-os no que fosse preciso.

Devido à crise económica, alguns gregos pouco ou nada tinham para comer mas mesmo assim ninguém lhes virou as costas.

 Carolina (C) – Os gregos são muito parecidos com os portugueses e uniram-se muito para os ajudar. Começaram a trazer roupas e comida para entregar aos refugiados que dormiam na praia. O povo grego esteve e está bastante solidário.

Tiveram oportunidade de falar com algum migrante e conhecer a sua história?

C – Não, para ser sincera não.

J – Eu via tristeza nos olhos deles. Eu estive lá a falar com eles, fui voluntário de uma associação que os estava a ajudar, mas tentava não falar com eles sobre o seu país de origem, nem sobre a guerra, nem sobre a viagem de barco. Falava sim de outras coisas para que eles se esquecessem um pouco a sua situação naquele momento. Toquei e cantei para eles, juntamente com uma rapariga inglesa que tocava guitarra. Eles dançavam e fazíamos grandes “festas” todos juntos.

Os migrantes chegam à ilha e depois são postos num ferry em direção a Atenas.

J – Sim. E depois querem ir para a Alemanha, Suécia e Inglaterra – estes países estão economicamente mais preparados para os receber.

C – O objetivo deles não é ficar na Grécia, nenhum deles quer cá ficar.

Sabemos que acabar com a guerra na Síria seria a solução perfeita para estas pessoas. Não perspetivando que isso aconteça, na vossa opinião o que é que se pode fazer para evitar mais mortes nestas travessias?

J – Eles [Alemanha, Inglaterra, França, Rússia e Turquia] não acabam com a guerra na Síria porque têm interesse que ela exista. A guerra é um negócio e há quem beneficie com isso.

C – Acho sobretudo que as travessias deveriam ser organizadas para serem feitas em segurança, evitando assim perdas de vidas humanas.

Os conflitos que aconteceram aqui, no local onde estamos neste momento, em setembro de 2015, entre polícia e alguns refugiados aconteceram porquê? Houve desrespeito de alguma das partes?

J – Que eu saiba essa rixa foi provocada entre eles, a polícia somente os separou e tentou acabar com os conflitos. Naquela noite tinha acabado de chegar uma ONG com alimentação quente e foi isso que provocou alguma confusão – o facto de todos quererem e ser impossível dar para todos. Houve até vários feridos, porque às tantas eram todos contra todos.

C – Concordo com o João, a polícia grega sentia-se bastante perdida e sem saber o que fazer e sempre agiu com bastante calma e respeito.