Jorge Sampaio andava em campanha para a Presidência da República em Vila Franca de Xira quando um jornalista lhe perguntou se gostava de touradas. À volta do candidato, o staff da campanha imaginou uma resposta politicamente correta. Sampaio não foi por aí: “Gosto muito e só tenho pena de não poder assistir mais vezes.” João Gabriel, assessor de imprensa, confessa que ficou “gelado” e correu atrás dos jornalistas para tentar desvalorizar a revelação feita pelo futuro Presidente da República.
O episódio, relatado no livro “A Década de Jorge Sampaio”, passou-se há 20 anos e revela que a vida não está fácil para os amantes da tauromaquia. O espetáculo a que chamam arte é classificado pelos movimentos antitouradas como “barbárie”. Os toureiros – os heróis da festa brava – não se livram de ser tratados como “assassinos”.
Nada que perturbasse o ex-Presidente da República, que muitas vezes viajou até Madrid para assistir a corridas de morte na praça de Las Ventas, uma das mais importantes do mundo. Vera Jardim, ex-ministro da Justiça, fazia parte do grupo que se juntava para ir aos toiros em Espanha. “Eu gosto sobretudo da corrida a pé”, diz. Vera Jardim explica ao i como é que nasceu esta paixão pelos toiros: “Vivi em Vila Franca em miúdo e o meu pai era uma pessoa que gostava de ir a touradas. No dia em que cheguei a Vila Franca havia uma espera de touros. Fui criado num meio que se habituou a isso.”
Sampaio e Vera Jardim, velhos aliados na política, fazem parte de uma lista que circula nas redes sociais de figuras públicas que vão às corridas. O objetivo é denunciar essa “vergonha nacional”.
Elísio Summavielle, presidente do Centro Cultural de Belém e ex-secretário de Estado da Cultura, também faz parte da “lista negra”. O avô era da Moita, terra com largas tradições tauromáquicas, e “desde muito cedo” que começou a frequentar as praças da Moita e de Vila Franca de Xira. “Toda a vida vi corridas e toda a vida vivi com as pessoas ligadas à festa brava.” Fala com paixão das corridas de toiros, “aquele combate entre a vida e a morte. É muito belo (ver entrevista nas páginas seguintes). Aos que querem acabar com as corridas, o ex-governante costuma responder que “o património cultural” não se pode abolir por decreto.
Em Santarém não é impopular um político apoiar as corridas de toiros. Foi o que fez Moita Flores quando presidiu à Câmara de Santarém. “A economia daquela região toda está muito dependente dos toiros e dos cavalos”, explica. O ex-inspetor da Polícia Judiciária diz que “era puto quando foi pela primeira vez” a uma corrida de toiros. No Alentejo, onde nasceu e cresceu, é natural a família juntar-se para “ir aos toiros”. Moita Flores aprecia “a dimensão trágica do espetáculo. É essa dimensão da tragédia que me fascina. É um espetáculo de um dramatismo muito grande”.
As touradas estão mais conotadas com a direita. À esquerda, Daniel Oliveira, comentador e ex-dirigente do BE, confessa que a grande maioria das pessoas com quem convive acham “inacreditável” que ele goste de ir a corridas de toiros. Mas não é por isso que vai mudar de ideias. “Não vou deixar de gostar de uma coisa porque isso me faz impopular. Sou incapaz de não ir à tourada sabendo que isso faz pessimamente à minha imagem”, disse numa entrevista ao “SOL”. A escritora Alice Vieira, o jornalista Miguel Sousa Tavares ou o ex-ministro João Soares são outras figuras que já assumiram posições públicas a favor das corridas de toiros.
Todos recusam o rótulo de “agressores” dos animais. “Eu tenho animais. Tenho a maior estima pelos animais. Não reconheço a ninguém autoridade para me dizer que gosta mais de cavalos ou toiros do que eu”, diz o ex-autarca Moita Flores.
A polémica volta já no dia 1 de junho à Assembleia da República. Desta vez foi o PAN a agendar o debate (ver texto na página 5), mas o Bloco de Esquerda também já promete que vai apresentar propostas durante esta legislatura para acabar com as touradas na RTP e impedir os menores de 18 anos de assistirem às corridas. A polémica continua.