Uma crise de confiança


Não é simplesmente possível acreditar numa governação sem horizontes, sem sentido estratégico, com políticas titubeantes e a maior parte das vezes erradas, desprovida de uma justiça eficaz


A crise que Portugal atravessa tem sido tema de inúmeras crónicas e análises. E por boas razões: a sua magnitude inclui dimensões económicas, políticas, institucionais e cívicas. Resumidamente e em síntese, poder-se-ia dizer que se trata de uma crise generalizada que atinge a confiança. Talvez por isso esta seja tão frequentemente referida e tantos apelos lhe sejam feitos.

A confiança, tal como muitas outras dimensões da vida relacionadas com comportamentos, tem por base a experiência passada; logo, assenta em factos e requer provas. Porém, a nossa experiência passada na esfera política e da governabilidade só muito dificilmente permite gerar essa tão necessária confiança. E sem ela, dificilmente se conseguirá o grau de respeitabilidade, previsibilidade e responsabilidade indispensáveis à tomada das decisões que o funcionamento eficaz da economia e da sociedade exigem. A confiança é tanto mais necessária quanto todo o comportamento humano tem sempre associado uma certa aleatoriedade; é a confiança que permite conter esta no campo do risco aceitável.

Para além de, atualmente, não existir no país um consenso sobre quais os vetores que perspetivam o desígnio nacional que torne possível equacionar e aceitar o presente, o sistema político não tem sido capaz de produzir novas elites nem instituições geradoras de confiança. Sem um projeto comum não é possível interpretar o presente nem perspetivar o futuro. E sem instituições inclusivas, que favoreçam consensos, promovam a negociação e permitam equilíbrios sustentáveis, não se conseguirá crescimento económico duradouro e bem-estar social. Negociar é uma das características primordiais das relações democráticas e de igualdade e fator de confiança.

É, pois, este contexto de ausência de grandes objetivos comuns e de um sistema político capaz de promover a conciliação de correntes de opinião que faz com que as instituições se descredibilizem e façam parte do problema. Gera-se, assim, a desconfiança no Estado – com a consequente suspeita e desrespeito pela lei – e a desresponsabilização dos cidadãos, envoltos numa cultura avessa à avaliação e ao mérito que fragiliza a sociedade civil e mina a confiança.

Ao que precede acresce – e decorre, em parte – a falta de credibilidade de grande parte das políticas prosseguidas por sucessivas governações. Estas têm-se mostrado reféns dos mais variados – embora nem sempre os mesmos – grupos de interesses e incapazes de definir de forma transparente o rationale subjacente às suas decisões, de mostrar claramente que estas se pautam pelo interesse nacional, e não por quaisquer interesses individuais ou de grupo. O contrário parece ser verdade, assistindo-se ao desenrolar de factos reveladores de corrupção, de práticas fraudulentas e desrespeitadoras dos mais elementares princípios éticos e de conflitos de interesse, sem que se assista à incriminação e julgamento dos responsáveis. O país encontra-se perplexo perante os inúmeros casos, que têm sido relatados, de clara violação das leis e da ética que já custaram ao país vários milhares de milhões de euros – e que, presumivelmente, ainda muitos mais irão custar – sem que ninguém seja responsabilizado. Aparentemente, tudo se esfuma na “memória coletiva”.

Com tal desresponsabilização e falta de credibilidade na governança interna, não é possível a confiança. Deste modo, não é legítimo nem necessário recorrer aos inúmeros erros da governança exterior a Portugal para explicar as razões pelas quais a economia portuguesa não arranca, nem aos baixíssimos níveis de investimento no país – seja nacional ou estrangeiro. Não é simplesmente possível acreditar numa governação sem horizontes – de navegação à vista e pressionada pelos acontecimentos -, sem sentido estratégico, com políticas titubeantes e a maior parte das vezes erradas, desprovida de uma justiça eficaz. É por isso que, em vez do investimento indispensável ao país, assistimos a destruição de valor e a fugas de capital – financeiro e humano.

Torna-se imperioso um grito de alerta quanto ao ponto a que chegámos. Há situações a partir das quais o sentido da evolução é irreversível. A história revela-nos alguns exemplos. Não basta clamar por confiança. É indispensável dar provas de que ela é merecida. Credibilidade e transparência das políticas prosseguidas, objetivos claros, inseridos numa estratégia com prioridades claramente assumidas e com responsabilização dos governantes são fatores determinantes da mesma. Temos todos de agir enquanto é tempo.

Professor da FE/UNL

Subscritor do manifesto “Por Uma Democracia de Qualidade”


Uma crise de confiança


Não é simplesmente possível acreditar numa governação sem horizontes, sem sentido estratégico, com políticas titubeantes e a maior parte das vezes erradas, desprovida de uma justiça eficaz


A crise que Portugal atravessa tem sido tema de inúmeras crónicas e análises. E por boas razões: a sua magnitude inclui dimensões económicas, políticas, institucionais e cívicas. Resumidamente e em síntese, poder-se-ia dizer que se trata de uma crise generalizada que atinge a confiança. Talvez por isso esta seja tão frequentemente referida e tantos apelos lhe sejam feitos.

A confiança, tal como muitas outras dimensões da vida relacionadas com comportamentos, tem por base a experiência passada; logo, assenta em factos e requer provas. Porém, a nossa experiência passada na esfera política e da governabilidade só muito dificilmente permite gerar essa tão necessária confiança. E sem ela, dificilmente se conseguirá o grau de respeitabilidade, previsibilidade e responsabilidade indispensáveis à tomada das decisões que o funcionamento eficaz da economia e da sociedade exigem. A confiança é tanto mais necessária quanto todo o comportamento humano tem sempre associado uma certa aleatoriedade; é a confiança que permite conter esta no campo do risco aceitável.

Para além de, atualmente, não existir no país um consenso sobre quais os vetores que perspetivam o desígnio nacional que torne possível equacionar e aceitar o presente, o sistema político não tem sido capaz de produzir novas elites nem instituições geradoras de confiança. Sem um projeto comum não é possível interpretar o presente nem perspetivar o futuro. E sem instituições inclusivas, que favoreçam consensos, promovam a negociação e permitam equilíbrios sustentáveis, não se conseguirá crescimento económico duradouro e bem-estar social. Negociar é uma das características primordiais das relações democráticas e de igualdade e fator de confiança.

É, pois, este contexto de ausência de grandes objetivos comuns e de um sistema político capaz de promover a conciliação de correntes de opinião que faz com que as instituições se descredibilizem e façam parte do problema. Gera-se, assim, a desconfiança no Estado – com a consequente suspeita e desrespeito pela lei – e a desresponsabilização dos cidadãos, envoltos numa cultura avessa à avaliação e ao mérito que fragiliza a sociedade civil e mina a confiança.

Ao que precede acresce – e decorre, em parte – a falta de credibilidade de grande parte das políticas prosseguidas por sucessivas governações. Estas têm-se mostrado reféns dos mais variados – embora nem sempre os mesmos – grupos de interesses e incapazes de definir de forma transparente o rationale subjacente às suas decisões, de mostrar claramente que estas se pautam pelo interesse nacional, e não por quaisquer interesses individuais ou de grupo. O contrário parece ser verdade, assistindo-se ao desenrolar de factos reveladores de corrupção, de práticas fraudulentas e desrespeitadoras dos mais elementares princípios éticos e de conflitos de interesse, sem que se assista à incriminação e julgamento dos responsáveis. O país encontra-se perplexo perante os inúmeros casos, que têm sido relatados, de clara violação das leis e da ética que já custaram ao país vários milhares de milhões de euros – e que, presumivelmente, ainda muitos mais irão custar – sem que ninguém seja responsabilizado. Aparentemente, tudo se esfuma na “memória coletiva”.

Com tal desresponsabilização e falta de credibilidade na governança interna, não é possível a confiança. Deste modo, não é legítimo nem necessário recorrer aos inúmeros erros da governança exterior a Portugal para explicar as razões pelas quais a economia portuguesa não arranca, nem aos baixíssimos níveis de investimento no país – seja nacional ou estrangeiro. Não é simplesmente possível acreditar numa governação sem horizontes – de navegação à vista e pressionada pelos acontecimentos -, sem sentido estratégico, com políticas titubeantes e a maior parte das vezes erradas, desprovida de uma justiça eficaz. É por isso que, em vez do investimento indispensável ao país, assistimos a destruição de valor e a fugas de capital – financeiro e humano.

Torna-se imperioso um grito de alerta quanto ao ponto a que chegámos. Há situações a partir das quais o sentido da evolução é irreversível. A história revela-nos alguns exemplos. Não basta clamar por confiança. É indispensável dar provas de que ela é merecida. Credibilidade e transparência das políticas prosseguidas, objetivos claros, inseridos numa estratégia com prioridades claramente assumidas e com responsabilização dos governantes são fatores determinantes da mesma. Temos todos de agir enquanto é tempo.

Professor da FE/UNL

Subscritor do manifesto “Por Uma Democracia de Qualidade”