Entre mais ou menos amigos, conhecidos e gente que ali estava pela primeira vez depois de tantos anos, era evidente que se respirava outro ar, e a família política ali representada, histórica e teimosamente desavinda, que só se encontrava por dever de calendário, estava ali sorridente, a festejar, e mais liberta das tradicionais gavetas ideológicas do desfile. É certo que teve menos gente do que nos anos anteriores, compreende-se, mas só por não ter sido um mero ritual é que ali se desfrutava um sabor especial, um sabor de… liberdade. Não é lamechice, é um facto que toda a gente reconhece à esquerda e à direita, com mais ou com menos rancor: há outro ar que se respira nas ruas, e para tanto basta comparar-se o antes e o depois, em S. Bento e em Belém.
Uma leitura impressionista dirá que o céu turvo e carregado de chuva miudinha é fatalmente propício a uma arrastada e missionária atitude de subserviência e conformismo, ao contrário deste céu que se abriu, de maior espetro visual, com movimento, nuvens, sol e chuva, com mais desenho e recorte. A tal chuva miudinha é beata, apanha-se com ela em cima e é molha-estúpidos, suporta-se como a culpa de quem leva a cruz ao calvário. O céu aberto está sempre vivo, seca e molha, fertiliza mais. Corre o risco de deslumbrar, mas convoca a inteligência a adivinhar-lhe o desenho. Atenção que dá muito trabalho, mas vale bem a diferença de se poder pensar doutra maneira.
Escreve à terça-feira