O cidadão que aprendeu tanto nessa manhã era português, regressava à terra amada depois de dias por esse mundo de sertões e veredas, aterrava depois de uma noite a bordo, mal dormida e com os sabidos desconfortos. Mas havia aconchegos à sua espera. Primeiro, ver Lisboa ao alvorecer, encostada ao rio largo, indolente e clara, belíssima vista do alto, de onde não se enxergam detalhes, mazelas e imperfeições. Depois, o aconchego do serviço de terra no aeroporto, todo ele um primor, como se sabe, desde a saída do avião até à recolha da mala. Mas o melhor estava reservado para depois, quando, já de mala rolando, se chegou à fila dos táxis. Ah, aí começou a verdadeira lição dessa manhã (em 30 minutos), por sinal a manhã da véspera da marcha, do protesto, da manifestação – ou lá como queiram chamar a esse momento emblemático. Ou seja, ontem, véspera de hoje – o grande dia da defesa do táxi português. Defesa justa, como se verá pela breve narrativa que se segue.
Chegado à fila, o cidadão – já conhecedor do aparato – não se assustou com o facto (raro por esse mundo fora, especialmente no dito Primeiro Mundo) de ter de haver polícia a disciplinar o embarque. Qual susto, qual quê? Pitoresco, animação, energia, isso sim. Chegou a sua vez, era o automóvel creme que lhe calhava, era aquele o motorista que faria o favor de o transportar. Deu-lhe os bons- -dias, ao que o cavalheiro-motorista retorquiu com um rosnar breve, que o cidadão interpretou como um meigo cumprimento, embora não muito expansivo, como convém a pessoas que não são amigas ou sequer conhecidas. Entrou no veículo, disse ao que ia, o cavalheiro-motorista bufou ligeiramente (menos do que quando pusera a pesada mala no porta-bagagem), o que o cidadão recém-regressado ao torrão pátrio interpretou como manifestação de assentimento, e não, como pareceria a outros mais distraídos, um protesto pelo facto de o destino não ser longe (e como se não bastasse já, por quem pedia boleia ser português). E lá foi o táxi, numa empolgadíssima corrida de prego a fundo e travão a fundo pela Gago Coutinho fora, como se o mundo entre cada semáforo fosse acabar. Ele há lá melhor começar de dia e melhor bálsamo para os nervos e estômago do cidadão acabado de aterrar! E havia ainda outros refrigérios para os sentidos pois, por um lado, o banco de trás cheirava vagamente a vomitado e, por outro, das colunas de som irrompiam, em altos berros, fados malandros que fizeram da viagem a manifestação mais pitoresca da portugalidade. Que maravilha, que ensinamento; e que instituição a preservar, este bom táxi português. Marchemos e protestemos. E sonhemos com o dia em que, numa manhã assim, nos apareça um qualquer Travis portuga e nos pergunte, emulando a ferocidade do jovem De Niro: you talkin’ to me?
Por lapso, este artigo não foi publicado na sexta-feira